A parceria Brasil-China para mecanização da agricultura familiar é um projeto inovador entre os dois países que visa o fortalecimento da mecanização da agricultura familiar como forma de aprimorar a produção agroecológica. A ação está sendo implementada no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão. Mas qual o impacto da mecanização para a agricultura familiar? Como essa parceria poderá potencializar a produção de alimentos saudáveis no Nordeste? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Maria Gomes, do Setor de Produção do MST. Confira.
Explica um pouco sobre a parceria Brasil-China para mecanização de agricultura familiar.
Essa parceria acontece nos Marcos das relações Brasil-China. É uma relação que vem se construindo desde 2022. É uma cooperação. A gente tem tratado como cooperação, uma cooperação tecnológica, e ela traz alguns elementos nesse tema da mecanização que alinha algumas áreas que vai mecanização, pesquisas, tecnologias, indústrias e vai passando por uma série de intercâmbios. E essa parceria se dá nos Marcos do Consórcio Nordeste, movimentos sociais, Universidade Agrícola da China, outras parcerias como Baobab, coletivo que tem na China que tem feito essa mediação, também com universidades parceiras do Rio Grande do Norte, que tem Instituto Federais, a Secretaria de Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte (Sedraf), que tem sido os receptores dessa cooperação e onde tem se deslocado para as regiões do Nordeste, alguns estados do Nordeste, em especial, Rio Grande do Norte, em uma rede de pesquisa nessa cooperação tecnológica de máquinas, intercâmbios, e a cooperação no que envolve esse tema da mecanização.
Qual o principal objetivo dessa parceria?
Muito bem. Importante, eu acho, trazer esse elemento do objetivo da parceria, porque ela traz essa questão da mecanização, mas ela traz também os elementos que envolvem os contextos sociais, econômicos e a parceria está nessa perspectiva de testar máquinas chinesa, com tecnologias chinesa na realidade brasileira, olhando nesse recorte do semiárido no Nordeste, e ela tem, como uma das grandes ações e objetivos, o processo da mecanização, de mecanizar a agricultura camponesa e familiar, mas na perspectiva de aumento da produção, redução de custo, melhorar a eficiência, aumento desses rendimentos na produção e, principalmente, a redução do trabalho penoso, que envolve quem está no campo como a juventude, mulheres, homens, e essa é um pouco das questões que envolvem o grande objetivo da mecanização, para além da perspectiva de ampliação do debate da mecanização na agricultura familiar e camponesa, nesse olhar de que é possível fazer esse processo da produção e aumento de produção com a mecanização adaptada à realidade da agricultura familiar e camponesa, sem necessariamente ser aquelas grandes máquinas de grandes potências, mas uma máquina adaptada à realidade, de menor potência, mas que também faz o mesmo efeito e garante o elemento da produção e da redução do trabalho penoso no campo.
E quais são as máquinas que estão sendo disponibilizadas através dessa parceria?
No campo de testagem do Nordeste, nós estamos desenvolvendo a testagem com trinta máquinas e implementos. Elas estão distribuídas em áreas de assentamentos da reforma agrária onde o MST está organizado, mas também estão distribuídas nas áreas de agricultura familiar no Rio Grande do Norte, especificamente ali na região do Apodi, Mossoró, que é onde também tem sindicatos, coletivos de mulheres, Rede Xique-Xique, que também participam desse processo de testagem.
O campo de testagem da região Nordeste está descentralizado. Nós temos uma parte da testagem acontecendo em outros estados, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, nas áreas do MST no Ceará e na Paraíba. Nós temos colheitadeiras, tratores, plantadeiras, micro tratoritos, paineles, que são lâmpadas inseticidas que servem para processos de repelentes, temos plantadeiras de precisão, nós estamos com dois modelos de colheitadeiras sendo testados. Então nós temos uma diversidade de máquinas que estão sendo testadas nesse momento e com acompanhamento de uma rede de pesquisa que está fazendo o monitoramento, levantamento de dados, para poder a gente ir avaliando o desempenho dessas máquinas nesses territórios.
O campo de testagem da região Nordeste está descentralizado. Nós temos uma parte no Maranhão, no Rio Grande do Norte, nas áreas do MST no Ceará e na Paraíba. / Foto: Nildo Vasconcelos/SDA
E qual é o papel do MST nessa parceria?
Dentro desse processo da parceria de cooperação Brasil-China nós temos esse papel também dentro da articulação dessas ações, mas também nas nossas áreas na testagem dessas máquinas. A gente acompanha esse processo de testagem, a gente faz o processo também da sistematização dos dados, e nós temos acompanhado essa parceria e essa relação que acontece em torno da cooperação Brasil-China nos campos de testagem diretamente, tanto do ponto de vista do acompanhamento técnico, mas também no acompanhamento da rede de pesquisa, no acompanhamento ao desempenho dessas máquinas nos territórios, porque parte da testagem dessas máquinas acontecem nas nossas áreas de assentamento. Então o MST cumpre esse papel, desde o acompanhamento técnico, político, mas também diretamente nas nossas áreas de assentamentos que estão distribuídos nos quatro estados que citei anteriormente.
E como é que essas máquinas, essa parceria pode contribuir com a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis?
Eu acho que tem algumas questões. Primeiro é essa lacuna histórica no processo de mecanização na agricultura familiar e camponesa. Há uma lacuna, em especial no Nordeste, menos de 3% da agricultura é mecanizada. Então isso é uma brecha, tem uma janela muito grande, e a gente diz que agricultura familiar, isso são dados, 70% da alimentação que vai para mesa da população brasileira é da agricultura familiar, e isso ainda é um trabalho pouco mecanizado. Então, a mecanização nesse processo cumpre esse papel do aumento da produção, que a gente tinha falado, ali no início, esse aumento da produção, mas também de qualificar e tecnificar esse processo.
Isso é a possibilidade de diminuição da penosidade do trabalho, mas, principalmente, de garantir o aumento nessa produção e o aumento na produção, que a gente fala, e se refere, é a garantia e desenvolvimento dessa agricultura agroecológica de alimentos saudáveis, e que seja essa redução também do custo dessa produção, mas, também, a qualidade desse produto que chega na mesa do trabalhador e da trabalhadora.
Então, a mecanização cumpre esse papel na diminuição da penosidade do trabalho, mas, principalmente, na tecnificação e no aumento da produção de alimentos saudáveis. Acho que essa é uma das grandes contribuições nesse processo da mecanização e volto a ressaltar, aqui nós não estamos falando mecanização de grande escala, estamos falando de mecanização adaptada à realidade da agricultura familiar, que é aquela que possibilita você entrar com uma colheitadeira de pequeno porte e colher o arroz, aquela que permite entrar com uma plantadeira de pequeno porte e plantar o milho, o feijão, que entra com o tratorito para desenvolver as áreas que têm no entorno para hortaliças e outras diversidades que é possível construir a partir da mecanização. Então nós estamos falando de uma mecanização, mas uma mecanização com um recorte, uma adaptabilidade para agricultura familiar e camponesa.
Como a questão da mecanização da agricultura familiar, camponesa e agroecológica pode estar inteiramente conjugada ao projeto de Reforma Agrária defendida e difundida pelo MST?
A Reforma Agrária Popular, que é essa reforma agrária que a gente têm construído, temos entendido que ela perpassa os nossos territórios, do MST, e traz um outro conjunto de ações que dialogam diretamente com a reforma agrária, e isso passa pela questão da produção de alimentos saudáveis, isso passa pelo plantio de árvores, isso passa pela conservação e preservação dos nossos territórios, isso passa pela participação das mulheres, dos homens, de todos os coletivos e coletividades que representam esse campo, ela passa pelo diálogo com a sociedade diretamente.
Esse tema da reforma agrária deixou de ser um tema só do campo, ela amplia esse debate, ele é um debate que rompe essas fronteiras de discutir reforma agrária dos Sem-Terra, né? É uma reforma agrária do conjunto da sociedade. Então, a Reforma Agrária Popular dialoga com as perspectivas da agroecologia, e agora, apontando para esse processo da mecanização, construindo esse diálogo, olhando para os diferentes territórios.
Então, essa estruturação e essa organização do processo produtivo passam também por esse tema da produção agroecológica, da produção mecanizada e adaptada a essa realidade e que traz os grandes desafios para esse processo produtivo a partir da perspectiva de garantia, redução da penosidade, mas, também, garantir a produção de alimentos saudáveis na mesa do trabalhador.
Então, o contexto da mecanização e da agroecologia entra dentro da Reforma Agrária Popular nesse contexto. É uma Reforma Agrária Popular que é do campo, da cidade e do conjunto da sociedade brasileira nesses contextos muito rápidos que a gente cita aqui.
A mecanização adaptada à agricultura familiar aumentará a produção de alimentos e reduzirá o esforço físico durante o trabalho. / Foto: Aline Oliveira
E quais são os grandes desafios dessa parceria?
Nós estamos com um campo de testagem que tem na sua centralidade quatro estados do Nordeste brasileiro e espaços que, na maioria das vezes, nunca tinha chegado a mecanização, nesse sentido de, por exemplo, no Maranhão a colheitadeira de arroz, no Ceará a plantadeira de precisão e um trator, e em alguns espaços que tem esse processo, que é o desafio dessa parceria, é a ampliação desse processo da mecanização. Nós temos tido muita adesão no campo de testagem por parte das famílias, mas a gente ainda entende que esse processo da testagem, dessa parceria, ainda é muito pequeno para a dimensão do que a gente tem, mas ele é o que precisamos nesse momento para dar o primeiro pontapé no debate da mecanização para as áreas de reforma agrária e agricultura familiar.
Ele tem trazido vários elementos, vários debates, tem aberto um leque de possibilidades, inclusive, de visualizar de que é possível olhar uma máquina pequena operando e dando conta daquela demanda que se tem. Como disse, são máquinas chinesas em território brasileiro, então, o campo de testagem é justamente para avaliar essa máquina, seu desempenho no território, quais são os principais desgastes, quais são as principais peças de reposição, como que o assentado, o agricultor, a agricultora percebem essa máquina no manuseio. Mas ainda estamos no âmbito da testagem. O grande desafio é ampliar isso na escala, não mais em testagem, mas no processo da industrialização, para que essas máquinas estejam acessíveis à agricultura familiar e camponesa.
Algumas dessas máquinas já chegaram no Ceará. Quantas já chegaram? Há previsão de chegar mais máquinas para o Ceará?
No Ceará já chegaram algumas máquinas. Como eu disse, são testagens e como são testagens o número de máquinas que chegam é reduzido. A gente está testando, experimentando. Como é no âmbito da testagem, tem uma pesquisa por trás dessas máquinas. Tem três máquinas no Ceará, um trator, uma plantadeira de precisão e um caminhãozinho guincho para carregar galhos, diversidades de exercício. A plantadeira de precisão de milho está sendo testada em Russas, em uma área coletiva, agroecológica, no Assentamento Ana Primavesi. A nossa turma está testando, já fez uma parte do plantio de milho com essa máquina e, até então, tem demonstrado eficiência.
O pessoal tem aproveitado para fazer formações com os coletivos, mulheres e homens para irem fazendo o treinamento de uso dessas máquinas. Estamos fazendo sistematização dos dados, do desempenho dessa máquina, por hora a gente está trabalhando com essas máquinas especificamente na testagem, de acordo com o que a gente foi avançando a gente vai avaliando o processo de ampliação dessas testagens, dessas máquinas, mas, por ora, estamos no âmbito de teste.
E em relação ao Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão. Quantas máquinas já chegaram nesses estados?
Na região Nordeste nós estamos com 30 máquinas e implementos, com uma variedade olhando para a especificidade da região Nordeste. No Maranhão nós estamos com colheitadeiras de arroz, na Paraíba nós estamos com tratorito, e agora, no próximo período a gente vai estar introduzindo no teste as lâmpadas inseticidas, no Ceará, essas que eu já mencionei, e nas áreas do MST no Rio Grande do Norte temos tratores, micro trator e na agricultura familiar, que passa pelo sindicato do Apodi, que passa pelo coletivo de mulheres, nós temos tratoritos, colheitadeiras de arroz, trator e também lâmpadas inseticidas. Então, ao todo, são 30 máquinas e implementos que estão sendo testados nesses quatro estados.
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