A cooperação Sul-Sul, o fortalecimento do multilateralismo e a reforma do sistema de governança global, além da definição de um calendário de prioridades para a presidência brasileira, farão parte dos debates da primeira reunião de representantes, os chamados “sherpas”, dos países que fazem parte dos Brics, e que ocorrerá em Brasília (DF) entre os dias 25 e 26 de fevereiro.
Na manhã desta sexta-feira (21), o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério de Relações Exteriores (MRE), o embaixador Maurício Lyrio, apresentou os principais temas que farão parte das mesas de diálogo. Desde janeiro, o Brasil assumiu a presidência rotativa do bloco, composto também por Rússia, Índia, China e África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos.
“E uma reunião inicial, dos sherpas, portanto, é a reunião de apresentação das prioridades, de mapear um pouco como será a presidência até a cúpula prevista para 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro, mas também depois, porque haverá algumas poucas reuniões no calendário depois. Portanto, essa primeira reunião tem o objetivo de traçar o panorama de como será a cúpula”, declarou o embaixador.
Serão sete sessões, começando pela abertura do encontro, no dia 25 de fevereiro, que terá a participação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e uma segunda sessão especial, com a participação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda a ser confirmada. As cinco reuniões seguintes serão temáticas, listadas a seguir:
Cooperação em saúde
O embaixador Lyrio disse que o principal tema da presidência brasileira à frente do bloco é a cooperação em saúde. Da mesma forma, como o Brasil priorizou o tema do combate à fome na presidência rotativa do G20, no Brics, o país vai propor ações multilaterais para a erradicação das doenças para as quais já existe profilaxia. O tema foi destaque do programa Repórter SUS do Brasil de Fato neste mês.
“O Brasil quer lançar uma parceria global para a erradicação de doenças socialmente determinadas e doenças tropicais negligenciadas, que incidem mais sobre os países em desenvolvimento. Não são a prioridade mais altas da indústria farmacêutica internacionais”, disse Lyrio.
Segundo o embaixador, o Ministério da Saúde brasileiro deverá apresentar aos sherpas estudos sobre a incidências dessas doenças e propostas de ações para o cumprimento da meta. A iniciativa acontece no momento que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a retirada do país da Organização Mundial da Saúde (OMS), um dos principais órgãos multilaterais do mundo, vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU).
Mudanças no clima
Segundo o embaixador Maurício Lyrio, o foco das discussões sobre as mudanças climáticas será o aumento do financiamento dos países ricos voltado a ações de mitigação dos efeitos do aquecimento global nos países em desenvolvimento.
As necessidades globais não são de centenas de bilhões de dólares, são de trilhões. E as necessidades avaliadas hoje são de US$ 1,3 trilhão para o enfrentamento à mudança do clima”, declarou. “O valor de Baku ficou muito aquém disso”, completou o sherpas brasileiro, mencionando o acordo fechado durante a COP 29, na capital do Azerbaijão, em 2024, que estabeleceu a meta de “pelo menos US$ 300 bilhões por ano” até 2035.
Lyrio lembrou que o Brasil sediará a próxima Cúpula do Clima, a COP 30, no segundo semestre deste ano, e nesse sentido, os países do Brics pretendem discutir uma posição conjunta para fortalecer a necessidade de ampliação do financiamento. “Países em desenvolvimento e emergentes não ficaram satisfeitos com o acordo de Baku. Em relação ao financiamento dos países para o enfrentamento à mudança do clima, os resultados foram modestos, então há um interesse dos países do Brics de reforçar a coordenação durante a presidência do Brasil para levar uma posição conjunta sobre a questão de financiamento do combate à mudança do clima.”

Comércio, investimento e finanças
Sobre economia, Lyrio destacou que estará em debate o uso de moedas locais para transações comerciais entre os países que fazem parte dos Brics, entre outras ações que visam reduzir os custos das operações comerciais, mas descartou a implementação de uma moeda própria do bloco a curto prazo. “A questão de uma moeda do Brics nesse momento não é uma questão que esteja sendo discutida, porque ainda não há hoje um acordo sobre o tema. O fato de o presidente brasileiro defender isso, é a visão de um governo sobre o tema”, afirmou.
Lembrado que a medida tem sido defendida pelo presidente Lula, Lyrio afirmou ser legítima a defesa de um governo, mas que outras medidas de redução de custo deverão ser implementadas antes mesmo de haver um acordo sobre o tema da moeda própria. “O fato de que um país possa defender uma moeda do Brics é uma coisa, e que são projetos que podem acontecer a longo prazo”, disse o embaixador. “Há maneiras de redução de custos de operação que são passos que devem ser tomados antes, inclusive, disso. Mas nada impede que os presidentes discutam isso para um futuro distante”, seguiu.
Governança de inteligência artificial
Um quarto tema que será debatido pelos sherpas dos países membros do Brics será a governança sobre o uso da inteligência artificial e dados. O embaixador destacou o fato de ser uma área nova do conhecimento, que impõe desafios aos países no que se refere à criação de empregos, o desenvolvimento sustentável, possíveis riscos, entre outros.
“A falta de arcabouço para lidar com todos esses assuntos é motivo de preocupação dos países do Brics”, declarou Lyrio. “O Brics tem na sua origem o objetivo de reforçar a governança global. Se há uma área hoje em que a governança global é francamente insuficiente, até porque é uma área nova, é a área de governança de inteligência artificial e dados”, explicou o sherpas.
Desenvolvimento institucional do Brics
Os sherpas que se reunirão em Brasília na próxima semana também vão debater a governança global sobre a inteligência artificial e o desenvolvimento institucional dos Brics, que recebeu novos membros durante a última presidência, que foi liderada pela Rússia.
“O Brics teve uma ampliação nos últimos anos muito impressionante. E, obviamente, isso gera uma série de desafios institucionais que têm que ser tratados por nós. Desde o básico, como a definição da presidência rotativa com esses novos membros, até a revisão dos termos de referência do Brics, que é para facilitar a incorporação suave desses novos membros.”
Os países do Brics correspondem a 48,5% da população mundial e concentra cerca de 31,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de todo o mundo. Além dos 11 países membros, desde a última cúpula do bloco em Kazan, na Rússia, foi criado o grupo de “países parceiros” composto por nove membros, sendo eles, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Nigéria.