Os três estudantes acabaram sendo notícia até no New York Times e em todos os jornais do Brasil, mas também foram prestar depoimento no DOPS (Departamento de Ordem e Política Social) e fichados como subversivos. A ditadura militar, no seu auge em 25 de fevereiro de 1975, não permitia qualquer rebeldia, qualquer ação política, ecológica ou audaz de ninguém.
Carlos Alberto Dayrell foi acompanhado por Marcos Saraçol e Tereza Jardim. Dayrell estava saindo da Casa do Estudante (João Pessoa, 41), onde morava, quando viu a ação das motosserras, derrubando árvores a mil por hora, para a construção do Viaduto Dona Leopoldina, em frente à Faculdade de Direito da UFRGS. Cortar árvores da cidade virou rotina em Porto Alegre. Até hoje. Aquele gesto intempestivo de 1975 virou um marco na vida da cidade.
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O ato heroico daquele 25 de fevereiro de 1975 será relembrado nesta terça-feira (25), dia dos 50 anos de um grande fato político. Dos três, Marcos Saraçol, um dos que subiu na árvore, confirmou para o Brasil de Fato/RS que estará presente. “Estarei ativo por lá”, disse. Carlos Dayrell mora em Montes Claros, Minas Gerais, é engenheiro agrônomo e não poderá estar em Porto Alegre em razão de dificuldades de agenda. Tereza Jardim não foi localizada. Na organização deste evento estão a ex-vereadora Jussara Cony, o jornalista Sérgio Saraiva e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS.
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Como tudo aconteceu
Dayrell, que tinha compromissos na Faculdade de Engenharia onde estudava, não resistiu e aproveitou-se de um descuido dos trabalhadores que ali estavam e subiu na próxima árvore a ser abatida, uma Tipuana (Tipuana tipa, originária da Argentina). O gesto parou o serviço. Ele subiu, meio que no instinto de preservação da árvore. Ganhou apoio imediato. Mais dois estudantes, Marcos Saraçol, 19 anos, acadêmico de Matemática, e Teresa Jardim, 27 anos, de Biblioteconomia, também subiram na árvore. E aí o trio garantiu até hoje a sobrevivência da Tipuana.
Segundo conta a história, Dayrell seguia a orientação do presidente da Agapan à época, José Lutzenberger. Em uma das reuniões da associação, questionado pelo público sobre o que fazer contra a derrubada de árvores que acontecia na cidade, Lutz teria dito: “Nós já fizemos bastante coisa, mas não fomos ouvidos, façam vocês, subam nas árvores!”. A subida na árvore foi o estopim para a notícia se espalhar pela cidade e pelo mundo afora. Poucas horas depois já estavam ali centenas de pessoas. E também a Brigada Militar e agentes militares que combatiam a subversão.
Por volta das 15h30, o diretor da Faculdade de Engenharia da UFRGS, Adamastor Uriartti pediu que os estudantes descessem para conversar. Teresa o convidou a subir e ele aceitou, sob aplausos do público. O professor levava uma proposta para resolver o conflito: Teresa e Saraçol continuariam na árvore enquanto Dayrell desceria para negociar com as autoridades.
Em seguida, Dayrell aceitou descer e ir com Uriartti, Lutzenberger e Carneiro ao gabinete do secretário de Obras. Marcos e Teresa resistiram no local até as 17 horas, quando chegou a notícia de que a árvore seria preservada. Ambos desceram da Tipuana, mas foram imediatamente presos e levados de camburão para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). O comandante da brigada fora substituído, e o novo policial decidiu acabar com o protesto, de forma violenta. Houve tumulto, agressões a ambientalistas e repórteres que acompanhavam o protesto.
No DOPS, Marcos e Teresa foram interrogados, fotografados, identificados e fichados. Não houve agressões físicas, mas muita intimidação. Para sorte dos estudantes, membros da Agapan, jornalistas e pessoas simpatizantes ao protesto deslocaram-se para o DOPS, pressionando para que fossem libertados. Somente por volta das 21 horas ocorreu o desfecho, com a soltura dos estudantes e repórteres.
Seis dias depois do protesto, Dayrell também prestou depoimento e foi fichado criminalmente no DOPS. Até Lutzenberger foi convocado a depor, porém não foi fichado. Os policiais queriam saber a posição da Agapan diante do protesto dos jovens; mais do que isso, queriam saber o que era e o que fazia a Agapan. Mesmo atuante desde 1971, foi somente com o episódio de 25/02/1975 que o regime notou a existência da entidade ecológica, ou seja, a ecologia não era considerada “subversiva”. No entanto, após o ato dos estudantes, mais e mais pessoas começaram a interessar-se pelo tema, que ganhou cores revolucionárias nos anos 1970.
Os protagonistas
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“Cara, o Dayrell foi quem idealizou/protagonizou tudo aquilo. Eu entrei mais para dar apoio, na espontaneidade, na ‘porraloquice’. Coisa de um estudante de 19 anos. A coisa foi tensa em cima da árvore. Quase 7 horas. Era notório que a polícia estava no nosso bico. Depois da negociação, descemos, fomos presos e levados para o DOPS. Fomos fichados. Sem agressões físicas. Nossa salvação foi que a ‘comunidade’ (colegas, imprensa, etc.) nos deu a maior força. A sensação de ver que a árvore foi preservada foi muito bacana. Eram os primeiros passos do Movimento Ambientalista iniciado em 1971 com a criação da Agapan pelo Lutzenberger”.
Nascido em Sete Lagoas (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 1953, Dayrell vivia em Porto Alegre desde 1970. Além de estudar na UFRGS, trabalhava na agência local do Banco Mineiro do Oeste, mais tarde incorporado ao Bradesco. Era fã de Lutzenberger (falecido em 2002, aos 75 anos) e participava de suas palestras. Ele contara, em certa ocasião, o episódio de ambientalistas que haviam se acorrentado a árvores para evitar a derrubada de uma floresta em meio à construção de uma rodovia na Alemanha. Relembrou isso e foi o grande fator motivador para decidir subir à arvore e interromper a barulheira das motosserras há 50 anos.
A notícia se espalhou rapidamente. As rádios Gaúcha e Continental passaram a dar informes ao vivo diretamente da Avenida João Pessoa. Porto Alegre parou para acompanhar o insólito caso de três estudantes que subiram numa árvore para salvá-la. Lá em cima, foi decidido que Dayrell, Lutzenberger e Augusto Carneiro, na época secretário da Agapan, iriam até a sede da prefeitura para resolver o impasse, enquanto Teresa e Saraçol continuariam de guarda no alto da tipuana.
A ideia era falar com o prefeito, mas Telmo Thompson Flores não quis conversa. Mandou que se entendessem com o titular da SMOV. Apesar da desfeita, ninguém saiu de mãos vazias do Paço Municipal. Além da promessa da salvação da Tipuana, Dayrell, Lutzenberger e Carneiro receberam a garantia de que ninguém seria preso – o que não foi cumprido.
Em torno de quatro e meia da tarde, quando a notícia do acordo chegou à cena do protesto, Teresa e Saraçol concordaram em descer da árvore. Mas, tão logo puseram os pés no chão, foram detidos pela Brigada Militar – na troca de turno, descumprindo o combinado, o novo comandante da operação decidira levá-los para prestação de depoimentos no DOPS. “Aí a coisa embolou. A massa se revoltou e passou a sacudir o camburão. Lá dentro, eu até achei que ia virar”, relata Saraçol.
Na confusão, além dos estudantes, também um jornalista foi posto na viatura sob a acusação de desacato. No ano seguinte, seria criada a Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre, a primeira do Brasil em âmbito municipal. Muito tempo depois, em 2013, ativistas de outra geração repetiriam a atitude de Dayrell durante os protestos contra a derrubada de árvores na Orla do Guaíba.
Dayrell não ficou muito tempo em Porto Alegre após o episódio. Em 1976, ele resolveu voltar para Minas Gerais, formando-se em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa, em 1980. Atualmente, trabalha no Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, com sede em Montes Claros. Apesar dos inúmeros contatos via telefônica e por whatts ele não foi localizado pelo Brasil de Fato RS.
Em 1998, foi inaugurada uma placa de bronze em reconhecimento ao salvador da Tipuana no pátio da Faculdade de Direito. Ainda naquele ano, ele recebeu o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre. “Ainda que os desafios, hoje em dia, sejam muito maiores, em comparação aos da década de 1970, continuo acreditando que a vida deva ser colocada, sempre, em primeiro lugar”, disse Dayrell ao receber o título de cidadão da cidade.
Naquele momento, recordou o vereador Pedro Ruas (PSol) havia uma luta ambiental, incipiente, e uma luta política contra a ditadura. “O ativismo dos três estudantes fez a diferença”, disse. “O protesto chamou a atenção para os temas ocupação urbana e repressão, àquela época não se ouvia ninguém”, falou a ex-vereadora Jussara Cony (PCdoB). O jornalista Sérgio Saraiva, um dos organizadores do ato deste 25 de fevereiro, destacou o heroísmo dos estudantes e o despertar para a consciência ecológica.
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