Ainda que as eleições legislativas da Alemanha do domingo (23) tenham mostrado tanto uma guinada dos eleitores à direita como a união da população para impedir que a extrema direita alcançasse maioria parlamentar, o próximo governo – que será formado por uma coalizão de partidos que ainda não foi definida – deverá ser mais conservador e tem a tendência de ampliar gastos militares.
O analista de política internacional Giorgio Romano Schutte destaca que no mesmo dia da votação, o líder do futuro governo, Friedrich Merz, da legenda de direita CDU/CSU “disse na TV que a Europa precisa se preparar para ser independente dos EUA”.
“Isso é sinal de que ele não vai fazer uma tentativa de fingir que essa relação [com os Estados Unidos presidido por Donald Trump] pode ser recuperada. Ele vai claramente trabalhar por uma Europa independente e isso significa gastos militares”, disse ao Brasil de Fato o professor e coordenador do Observatório de Política Externa da Universidade Federal do ABC (OPEB).
Segundo Romano, “se discute a criação de um fundo que não contaria na dívida pública e, portanto, não violaria a Constituição”, contornando limites constitucionais impostos desde 2009 à dívida pública.
Merz ressaltou que a Ucrânia “deve fazer parte das negociações de paz”, depois que Trump iniciou negociações diretas com o presidente russo Vladimir Putin, sem a participação de Kiev ou dos países europeus. O líder conservador disse que uma Europa unida deve reforçar sua própria defesa e não ter “ilusões com o que virá dos Estados Unidos”.
O conservador prometeu nesta segunda-feira (24) que começará a formar o governo de coalizão. Seu bloco de partidos conservadores CDU/CSU venceu com mais de 28% dos votos, superando a Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda de extrema direita e anti-imigração, que alcançou um recorde de mais de 20%. Em terceiro e quarto lugares ficaram os social-democratas (SPD), do atual chefe de Governo Olaf Scholz, e os Verdes.
Após uma campanha intensa, dominada por questões migratórias, Merz terá que se aproximar de seus rivais nas eleições para formar uma coalizão. O SPD participará das negociações sem Scholz, que assumiu a responsabilidade por uma “derrota amarga”, com apenas 16% dos votos.
O pleito de domingo contou com uma participação recorde em um país em que o voto não é obrigatório. Cerca de 84 % dos eleitores alemães foram às urnas, maior percentual desde 1990, no momento da reunificação da Alemanha.
Extrema direita e ida às urnas
“Durante muito tempo se falava que a democracia na Europa estava se enfraquecendo a cada eleição. Isso é verdade até certo ponto, mas desde que a extrema direita começou a ganhar força na Europa, a participação eleitoral vem aumentando, em vários países”, explica Romano.
“Gente que não vota, que é contra o sistema, de repente encontrou na extrema direita um motivo para votar. Por outro lado, gente que fala que é tudo igual, agora acredita que precisa votar contra a extrema direita. Isso ficou claro no voto dos jovens.
O analista diz que um exemplo deste movimento foi a expressiva votação do partido radical de esquerda, Die Linke, que pesquisas apontavam que teria menos de 5% dos votos – e que, portanto, ficaria de fora do Bundesteg, ou Parlamento – mas que conseguiu 8,77% e consequentemente 64 assentos entre os 630.
“Com o resultado, o Die Linke se tornou o partido mais votado entre os jovens de 18 a 24 anos da Alemanha Ocidental”, diz Romano, pontuando que a popularidade da extrema direita também indica o desejo por posições mais drásticas.
“Ha a sensação de que é preciso alguma mudança extrema, seja de direita ou esquerda. A participação direta de Elon Musk apoiando a AfD tambem teve influência”, explica.
A líder da AfD, Alice Weidel, pediu nesta segunda-feira que os outros partidos abandonem o chamado “cordão sanitário” contra seu partido e o incluam na formação do novo governo. “Não podem excluir milhões de eleitores. É antidemocrático. O cordão sanitário deve desaparecer”, afirmou.
Política externa não deve mudar
Para Daniel Shuminov, estudante alemão e ativista pró-Palestina, o grande vencedor do pleito de domingo foi o CDU e o país “continua a ser empurrado para uma economia de guerra e uma ideologia de guerra”.
“Há um forte consenso a favor do genocídio [palestino] em todos os principais partidos que foram eleitos. O único partido que condena o genocídio em Gaza é o BSW [Aliança Sahra Wagenknecht], mas ele é a favor das leis anti-migração e apoia a divisão da classe trabalhadora”, afirma.
Ele lamenta que um em cada cinco alemães tenha votado na AFD, “o que representa um giro muito forte para a direita”. “Mais de 20% dos alemães votaram em um partido que trabalha abertamente com fascistas ou que é ele próprio fascista.”