Na manhã de domingo (23), 19 pessoas foram detidas pela Polícia Militar (PM) no acampamento Santa Maria, na zona rural de Nova Olinda (TO). Entre elas, havia três mulheres e dois idosos. Um deles chegou a passar mal. A ação foi conduzida pela Patrulha Rural, divisão da PM que atua no campo.
Segundo relatos dos agricultores, os policiais foram chamados por um grileiro da região, que alega ser proprietário da fazenda Santa Maria, localizada em terras públicas, na gleba Anajá, onde fica a área reivindicada pelo grupo.
Na noite anterior, os PMs haviam visitado o local e feito ameaças aos ocupantes. “Eles falaram para os meninos que estavam lá (…) se não saíssem de boa, iam sair na base da bala”, conta Lourdes*, uma das ocupantes do local.
Os PMs também acusaram os agricultores de estarem portando armas brancas, como facas e facões – elementos usados no cotidiano das famílias, como instrumentos de trabalho. “Pegou as facas que nós tava com elas na cozinha, amarrou tudo junto com os facão dos homens, com as enxadas, foices”, diz a ocupante. As ferramentas foram apreendidas e, até o momento da publicação desta reportagem, não haviam sido devolvidas aos proprietários.
O grupo passou cerca de seis horas na prisão, na cidade de Araguaína (TO). Embora sejam acusados de esbulho possessório, não há ordem judicial sobre o caso, o que torna a ação da PM ilegal.
Além disso, reintegrações de posse devem ser mediadas por órgãos competentes, como o Ministério Público, Defensoria Pública, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ouvidoria Agrária e Comissões de Direitos.
“Quando a comunidade perguntou sobre um mandado judicial, o sargento disse que no estado do Tocantins não existia isso, que eles não precisavam de mandado judicial”, conta uma agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que acompanha o caso. Ela pede para ter a identidade mantida em sigilo.
Os oficiais impediram os agricultores de registrar a ação. “Falou que se filmasse, eles iam pegar os telefones nossos”, conta Lourdes. Além disso, os PMs atearam fogo em um barraco. “Ainda bem que esperaram nós (sic) tirar as coisas”, diz.
De acordo com um processo da Defensoria Pública do Estado do Tocantins, a área reivindicada pelas famílias, em gleba federal, faz parte do projeto de assentamento PA Retiro, sob o domínio do Incra.
“Mais de 42 famílias ocupam e habitam a área total do projeto e reivindicam a sua destinação social para fins de reforma agrária há mais 13 anos”, informa o documento.
A Patrulha Rural é uma modalidade da PM voltada para atender ocorrências no campo, podendo ser acionada via Whatsapp. No entanto, esse serviço vem sendo usado para coibir os movimentos de luta pela terra.
“O que aconteceu com as famílias do Acampamento Santa Maria não é um fato isolado, mas parte de um histórico de criminalização da luta Camponesa”, informa a Articulação Camponesa de Luta Pela Terra e Defesa dos Territórios, em nota emitida pela CPT.
O estado do Tocantins faz parte da fronteira agrícola nomeada Matopiba, que inclui parte da Bahia, Piauí e Maranhão. A região concentra desmatamento e casos de violência contra movimentos camponeses. Em Nova Olinda, mais de 57% do território é ocupado por pastagens, de acordo com dados extraídos da plataforma MapBiomas.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.