Tarek William Saab é um dos principais nomes do governo venezuelano. O atual procurador-geral da República participou desde o início do processo chamado pelos chavistas de revolucionário e se tornou uma das figuras com maior incidência nas decisões políticas da Venezuela. Mesmo sem ter um cargo Executivo, ele é hoje o principal responsável por discutir as prisões de opositores nos atos violentos pós-eleitorais, as operações contra grupos criminosos e tem, em 2025, a tarefa de chefiar a comissão que vai debater a reforma constitucional.
Ele também tem o objetivo de encaminhar o julgamento de alguns dos principais líderes da extrema direita venezuelana que tentaram golpes de Estado nos últimos anos. O principal deles é o ex-deputado Juan Guaidó. Em entrevista ao Brasil de Fato, Saab afirmou que, para isso, é possível costurar uma cooperação judicial com o hoje principal adversário diplomático da Venezuela: os Estados Unidos.
Mesmo que os dois países tenham relações diplomáticas rompidas há 6 anos, o procurador acredita que seja possível reestabelecer conversas com o governo de Donald Trump para trazer à Venezuela os investigados por esses crimes. Segundo Saab, o Ministério Público já está preparado para ter essa cooperação judicial entre os dois países.
“Nós já anunciamos que pode acontecer, no momento certo, quando as relações bilaterais entre EUA e Venezuela aumentarem, mas temos tudo preparado através da nossa diretoria-geral de cooperação penal internacional trabalhar para a extradição de todos esses criminosos, dado que muitos deles vivem nos EUA. E pedir que as autoridades judiciais nos entreguem as informações que tenham, para começar um trabalho em tempo hábil para punir todos esses criminosos que tanto prejudicaram a Venezuela”, disse ao Brasil de Fato.
O chefe do Ministério Público também se orgulha hoje de ter “desmantelado” a principal organização criminosa do país, o Trem de Aragua. De acordo com ele, o governo conseguiu, em uma atuação conjunta dos 5 poderes, identificar e atuar contra os grupos criminosos e acabar com a sua atuação em território venezuelano.
Ele afirma que esse trabalho ajudou a reduzir os principais índices de violência do país. Se em 2023 o país terminou o ano com uma taxa de homicídios de 26,8 por 100 mil habitantes, no ano passado encerrou com a terceira mais baixa da América Latina, com apenas 4,1 mortes por 100 mil habitantes, atrás apenas de El Salvador (1,9) e Argentina (3,8). De acordo com Saab, de 2017 a 2024 os homicídios intencionais diminuíram em 83% e os homicídios qualificados em 91%.
Ainda assim, os Estados Unidos afirmam que há muitos envolvidos com o Trem de Aragua atuando em território estadunidense e que estão voltando agora para a Venezuela. A Casa Branca adotou uma política de deportações massiva que tem como alvo os migrantes que vivem de maneira irregular nos EUA. Ao todo, 273 pessoas já voltaram para Caracas em voos da estatal venezuelana Conviasa.
Segundo o governo estadunidense, muitos dos deportados estão vinculados ao Trem de Aragua. Saab nega que tenha chegado algum venezuelano nessas condições. De acordo com ele, as fichas dos deportados estão sendo analisadas e, até agora, somente pessoas com delitos menos graves foram identificadas.
“Essas pessoas foram bem atendidas por representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública. Foram tomadas as providências necessárias. Dos que vieram para cá foi um número mínimo, muito pequeno. Eles tinham alguns antecedentes criminais. Estavam sujeitos a medidas cautelares e a comparecimento em juízo, por algum crime de menor gravidade que haviam cometido. E, como haviam deixado de comparecer em juízo, tinham ordem de prisão. Mas nenhum dos que chegaram aqui tem antecedentes ou ligação com quadrilhas nem nada do tipo”, afirmou.
Atos violentos
Os opositores presos durante os atos violentos pós-eleitoral também estão sendo julgados e são foco do Ministério Público venezuelano. De acordo com ele, dentre os mais de 2 mil presos, 1.896 já foram soltos. Para Saab, essa é uma forma “correta de processar judicialmente conforme seja merecido, buscando a paz e a reconciliação”.
“Vale destacar que nem toda a oposição é extremista e violenta. Existe uma oposição que acredita nas eleições. Porque, veja, o extremista usou o 28 de julho para uma insurreição. Eles achavam que os militares se rebelariam, que haveria uma revolta como em 27 e 28 de fevereiro e não aconteceu. Tentaram, então, matar e queimar. E, olha, frente a isso o Estado agiu segundo os índices que acabo de informar”, disse.
Os líderes dessas manifestações também são alvo de investigação. Edmundo González Urrutia foi candidato pela Plataforma Unitária e é alvo de um mandado de prisão. Ele viajou para a Espanha para se exilar e chegou a afirmar que voltaria em 10 de janeiro para tomar posse. Não foi o que aconteceu.
Já a ultraliberal María Corina Machado também é investigada, mas participou dos atos opositores de 9 de janeiro. Para Saab, os dois perderam relevância e não têm respaldo nem dos opositores venezuelanos, nem de outros países. De acordo com ele, os dois tentaram incentivar um golpe de Estado pelas Forças Armadas, que não foi aceito.
“São pessoas com tamanha soberba, vaidade e ambição de poder, que já possuem transtornos mentais, transtorno de personalidade, por essa vaidade, essa vontade de tomar o poder de assalto, convocando uma intervenção militar. Isso não vai funcionar aqui. Nem intervenção militar nem estrangeira, ninguém acredita neles, nem golpe de Estado”, disse.
Tarek também tem a sua faceta artistica e já escreveu 13 livros, sendo 11 de poesia. Confira esses e outros trechos da entrevista.
Eu gostaria de começar falando sobre a violência na Venezuela e, principalmente, sobre a queda das taxas de violência no país. O CICPC divulgou recentemente dados que mostram que a taxa de homicídios hoje está em 4,1 para cada 100 mil habitantes. Quais foram as conquistas e esforços do governo nesse período para chegar a essa taxa, a uma redução tão grande dos índices de homicídio e violência?
Olha, eu poderia afirmar que essa luta tem a ver com a unidade no trabalho conjunto do Estado venezuelano. Nós, aqui, nos guiamos sempre pelo princípio de cooperação entre os poderes públicos. Para nós, isso é fundamental. Um Estado respeitável, um Estado democrático e justo deve manter esse princípio permanente de cooperação, porque não expressa somente a unidade, mas a unidade absoluta. Esse é o primeiro fator. Depois de conquistar e consolidar essa unidade, vemos os resultados. Há um Ministério Público que é responsável pela ação penal. No nosso caso, somos os condutores de qualquer ação ligada ao combate a crimes.
Nossos procuradores, as parcerias com os órgãos da polícia etc. Tivemos como foco principal o combate a quadrilhas, máfias, traficantes de drogas, pequenos traficantes… Operamos do grande ao pequeno e do pequeno ao grande. Acredito que um crime grave ou menos grave deve ser severamente investigado. Essa postura, obviamente, traz consequências positivas.
Já como procurador-geral da República, cooperamos com o Estado venezuelano, com as forças policiais e militares e os órgãos auxiliares de Justiça, no desmantelamento de 11 organizações criminosas. O que mais recebeu protagonismo foi o desmantelamento da quadrilha do Trem de Aragua. Por que estou chamando de desmantelamento? E isso tem a ver com a sua pergunta, com a redução das taxas de criminalidade, nosso ataque à raiz dessas organizações criminosas obviamente está surtindo efeito e levando a uma situação favorável de paz na Venezuela.
Digo tudo isso para esclarecer um pouco a operação que foi feita em torno do Trem de Aragua. Agora… há um fato impactante. De 2017 a 2024, são cifras que viemos processando, os homicídios dolosos na Venezuela caíram em 83%. E os mais graves, que são os homicídios qualificados, caíram em 91%.
Os roubos qualificados diminuíram em 82%. Os furtos qualificados diminuíram em 79%. Os casos de roubo de veículos caíram em 91%. Os casos de ameaça diminuíram em 79%. As lesões corporais, 42%. E o porte ilegal de arma de fogo caiu em 74%. O que isso significa? Que existe aí uma consequência daquilo que disse no início. Porque é um assunto de Estado, de segurança nacional, manter a paz. E acho que o que o Estado venezuelano conseguiu fazer é um exemplo para o mundo todo.
A Venezuela está mantendo um clima muito gratificante para quem visita o país ou mora nele. E se um ato punível chegar a ser cometido, é evidente que a Justiça irá atuar. A redução na ocorrência de crimes não nos fez parar de agir. Não podemos nos acomodar.
Aproveitando que você mencionou o Trem de Aragua, os EUA iniciaram agora a deportação de todos os latinos que estão lá, incluindo os venezuelanos. E vão começar a chegar milhares de venezuelanos…
Não, até agora chegaram 273 pessoas. Foram bem atendidas por representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública. Foi tudo excelente. Foram tomadas as providências necessárias. Os que vieram para cá… foi um número mínimo, muito pequeno. Eles tinham alguns antecedentes criminais. Por quê? Porque estavam sujeitos a medidas cautelares e a comparecimento em juízo, por algum crime de menor gravidade que haviam cometido.
E, como haviam deixado de comparecer em juízo, tinham ordem de prisão. Mas nenhum dos que chegaram aqui tem antecedentes ou ligação com quadrilhas nem nada do tipo.
Mas a denúncia da Casa Branca é que vai chegar mais gente com essas ligações…
Estou falando do que está acontecendo. Foi isso que aconteceu com essas 190 pessoas. As imagens que vimos foram muito gráficas. As pessoas foram bem atendidas, estão em casa. É o que posso dizer sobre esse assunto.
E qual será o processo em relação a esses crimes menos graves?
São pessoas que estavam em liberdade. Estavam submetidas a regimes de comparecimento em juízo. Eram infrações menores.
Aproveitando o assunto da violência e dos índices de criminalidade, a Venezuela registrou, no último 29 de julho, atos de violência que resultaram na detenção de várias pessoas. Teve um processo de julgamento e muitas delas foram soltas. Como está a situação, a partir de agora, das que continuam detidas, como estão os processos, quantas ainda serão soltas? Você tem esses números?
Primeiro, é preciso lembrar que o que ocorreu após o dia 28 de julho foi extremamente grave e delicado. Porque a oposição extremista simplesmente alegou fraude após perder as eleições. Mas já vinham dizendo que não iriam reconhecer os resultados. Já vinham dizendo que não iriam reconhecer a vitória, caso ocorresse e como de fato ocorreu, do presidente Nicolás Maduro.
Passaram o ano todo de 2024 dizendo isso. Alegaram fraude na madrugada do dia 29 e logo pela manhã se desatou a violência no país, com um saldo trágico de 28 mortos e 200 feridos. Mais da metade dos feridos eram policiais e militares, que foram feridos por manifestantes violentos encapuzados que deram tiros, lançaram bombas…
Depois decidimos analisar as detenções e ver quem merecia uma medida, como parte da investigação. A partir daí, conseguimos até agora- é possível que sejam tomadas outras decisões de soltura – 1.896 solturas. É uma forma correta de processar judicialmente conforme seja merecido, buscando a paz e a reconciliação.
Acho que existe na Venezuela agora uma expectativa em relação às próximas eleições. Eleições de governadores, parlamentares da Assembleia Nacional etc. Acho que é algo bem importante. Vale destacar que nem toda a oposição é extremista e violenta. Existe uma oposição que acredita nas eleições. Porque, veja, o extremista utilizou o 28 de julho para uma insurreição. Eles achavam que os militares se rebelariam, que haveria uma revolta como em 27 e 28 de fevereiro e não aconteceu. Tentaram, então, matar e queimar. E, olha, frente a isso o Estado agiu segundo os índices que acabo de informar.
E quais são as principais acusações contra as pessoas que ainda serão julgadas?
Entre as pessoas detidas, há várias acusadas de homicídio, por de atentados contra pessoas. Por exemplo, aquelas que mataram os guardas nacionais, um em Nova Esparta e o outro em Aragua. Estão detidos. Também aqueles que feriram mortalmente comunicadores sociais em Lara. Há detidos, claro, eles têm que pagar pelo que fizeram. E assim sucessivamente.
Nos últimos dias, o governo fez uma série de denúncias sobre a participação da USAid especialmente para essa oposição, essa oposição na Venezuela, uma participação financeira, apoiando essa oposição historicamente aqui na Venezuela. Quais os caminhos para fazer essa investigação a partir de agora e o que fazer com as novas denúncias? Qual o papel do Ministério Público em relação a isso?
O FBI anunciou nos últimos dias que está investigando Guaidó e todos os colaboradores dele por corrupção, desvio de verba destinada a uma suposta ajuda humanitária, e as próprias autoridades dos EUA revelam que, de 100% do dinheiro que foi entregue, somente 2% foi destinado, supostamente, a essa ajuda humanitária. E eles roubaram 98%. Olha, estamos falando de uma gestão irregular de ativos venezuelanos superior a 40 bilhões de dólares. E tudo isso envolve o governo interino e corrupto de Guaidó.
Além de Guaidó, repito, aparece Carlos Mendes, vinculado ao canal de televisão EVTV Miami, Carlos Vecchio, que tinha o cargo fictício de embaixador da Venezuela nos EUA. O principal feito dele foi destruir a infraestrutura da embaixada venezuelana nos EUA. Vecchio inclusive recebeu, segundo informações oficiais, 116 milhões de dólares e roubou todo esse dinheiro. Ressaltam também Yon Goicoechea, Roberto Marrero, David Smolansky, Miguel Pizarro, e assim sucessivamente. Vêm surgindo muitas informações.
Nós já anunciamos que, no momento certo, quando ele ocorrer, as relações bilaterais entre EUA e Venezuela aumentarão, mas temos tudo preparado através da nossa diretoria-geral de cooperação penal internacional para trabalhar para a extradição de todos esses criminosos, dado que muitos deles vivem nos EUA. E pedir que as autoridades judiciais nos entreguem as informações que tenham, para começar um trabalho em tempo hábil para punir todos esses criminosos que tanto prejudicaram a Venezuela.
Só quero lembrar que o caso de Citgo levou o grupo de Guaidó a gerar uma perda de 19 bilhões de dólares para o país. Nós os processamos por traição à pátria, usurpação de função pública, apropriação indébita de recursos, valores ou bens públicos, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Eu disse que, inicialmente, temos 24 investigações abertas contra o governo interino e a essas somam-se mais 5 pelas irregularidades na empresa Monómeros. Então, trata-se de um total de 29 processos.
Portanto, eu sinto que estamos em um momento interessante para essa cooperação penal internacional na qual nós estamos com tudo preparado para quando ela seja ativada.
E você acha possível ativar essa cooperação com os EUA, dado o histórico entre os dois países?
Tudo é possível, já que nós cumprimos… Desde o dia 20 de janeiro, quando Donald Trump tomou posse, um enviado especial se reuniu com Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e cada acordo que fizemos vem sendo cumprido. Portanto, isso pode acontecer.