Kelvin Willian Vieira dos Santos, 16, e Wender Natan da Costa, 20, foram mortos a tiros na noite de 15 de fevereiro, na Favela da Bratac, em Londrina (PR). Segundo as famílias, os jovens, que eram colegas de trabalho, voltavam de uma comemoração quando foram executados. A Polícia Militar alega que houve confronto, mas as mães das vítimas contestam a versão e denunciam que ambos eram inocentes.
A letalidade policial no Paraná cresceu 19% em 2024, segundo dados do Ministério Público do Estado (MPPR). Foram 413 mortes causadas por policiais entre janeiro e dezembro, contra 348 registradas no ano anterior. Entre as vítimas, metade (50%) era negra e algumas tinham entre 12 e 17 anos.
A Polícia Militar foi responsável por 98% dos óbitos e ferimentos em confrontos, que somaram 433 casos no período. Além disso, 112 pessoas ficaram feridas nessas ações.
Londrina lidera o ranking da violência policial proporcional, com 7,7 mortos a cada 100 mil habitantes. Na cidade, onde Kelvin e Wender foram mortos com 15 tiros de fuzil, a repressão policial provocou indignação e manifestações.
O Ministério Público do Paraná solicitou a ampliação das investigações sobre as mortes dos jovens, atendendo a um pedido das famílias. O requerimento foi feito pela promotora Susana Broglia Feitosa de Lacerda um dia após o ocorrido.
No pedido encaminhado à Justiça, a promotora fez quatro solicitações: a elaboração de croquis com a trajetória dos projéteis nos corpos e a distância dos disparos; fotografias dos corpos, ferimentos e vestimentas; encaminhamento dos laudos de necropsia ao Instituto de Criminalística para análise da dinâmica do caso; e apreensão de imagens da ocorrência.
A advogada da família também requisitou exames residuográficos e balísticos no Instituto Médico Legal (IML) de Londrina para esclarecer a conduta dos policiais e as circunstâncias do confronto.
Em nota, a Polícia Militar informou ter instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o caso, garantindo que segue protocolos e a legalidade. A Secretaria de Segurança Pública (Sesp) afirmou que a investigação do confronto está sob responsabilidade da Polícia Militar, enquanto a Polícia Civil conduz apurações sobre os civis envolvidos. Ambas as investigações são acompanhadas pelo MP. Informações sobre os disparos só serão divulgadas após a conclusão dos laudos periciais.
Quem eram os jovens?
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Kelvin Santos era estudante do ensino médio. Wender Costa trabalhava em um lava-rápido. Os dois eram colegas de trabalho. Segundo as famílias, na noite de sábado (15), saíram para comprar bebidas após uma comemoração.
Vanessa, mãe de Wender, conta que o filho trabalhava desde os 16 anos e, aos 20, três semanas antes de morrer, conseguiu realizar o sonho de abrir um negócio próprio. “O sonho dele era mexer com carro. Ele fez cursos e abriu seu próprio negócio. Ele realizou o sonho, mas infelizmente foi executado”, diz emocionada.
Sirlene, mãe de Kelvin, lembra que os meninos cresceram juntos pelas ruas da comunidade. “O Kelvin era um menino muito bom, sempre ensinei que deveria estudar e seguir o caminho certo. Não usava drogas, não tinha antecedentes”, afirma.
As mães das vítimas rejeitam a versão da Polícia Militar e negam qualquer envolvimento dos filhos com crimes. “Executaram nossos filhos. Dois meninos inocentes que voltavam do trabalho”, afirma Sirlene.
Na noite posterior ao crime, as duas foram juntas reconhecer o corpo. “Tinha muita bala no corpo. No Wender, eu contei pelo menos dez tiros. Ninguém deveria ser executado dessa forma”, lamenta Vanessa.
As mães lembram que foi cruel verem os filhos daquela forma. “Nós nos unimos e acreditamos que Deus está nos dando força e sabedoria para lidar com esse sistema corrupto”, diz Vanessa. “Nós queremos justiça acima de tudo”.
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Sirlene relata o impacto das mortes na comunidade e diz que os jovens da Favela Bratac têm medo de sair nas ruas “A gente sempre foi discriminado, como se favelado não pudesse ser alguém na vida. Os pais estão cansados de perder seus filhos”, afirma.
Haydee Melo, do Justiça por Almas, também contesta a versão da PM. “Nunca existiu confronto. Essa narrativa apenas dá legitimidade para que vidas sejam interrompidas. Não acreditamos nessa versão”, disse. Segundo ela, a organização cobrará transparência na apuração do caso.
Câmeras corporais teriam evitado as mortes
A deputada federal Carol Dartora (PT-PR) denunciou a ação da PM na Câmara dos Deputados e cobrou a responsabilização do governador Ratinho Júnior (PSD). O deputado estadual Renato Freitas (PT) também pediu investigações e defendeu o uso obrigatório de câmeras corporais. “Exijo do governador e da Assembleia Legislativa que reformulem a Polícia Militar para obrigá-la a usar câmeras corporais, como já foi feito em São Paulo, reduzindo mortes provocadas por policiais”, afirmou.
Em vídeo nas redes sociais, Sirlene reforçou o pedido. “Mães do Brasil, olhem pra mim! Hoje eu perdi um filho, mas amanhã pode ser você”, disse.
Para Alisson Poças, do Centro de Direitos Humanos de Londrina (CDH-Londrina), o controle da atuação da PM passa pela adoção de câmeras corporais e pela realização de exames toxicológicos aleatórios em policiais.
“O governo Ratinho Júnior anunciou recentemente a compra de um ‘canhão’ para conter distúrbios civis, o que reforça um viés autoritário e desconectado da realidade da população. Mas só isso não basta. É preciso criar mecanismos de controle da PM, que hoje responde apenas à Justiça Militar, com baixa responsabilização na esfera comum”, afirmou.
Segundo ele, há diferença na abordagem policial em bairros nobres e nas periferias, o que contraria normas do Ministério da Justiça. “Dois jovens morreram com 15 tiros de fuzil, apenas pela suspeita de estarem armados. É necessário responsabilizar os policiais envolvidos, os comandos da PM e o governador do Estado”, afirmou.
A organização avalia entrar com uma Ação Civil Pública contra o governador Ratinho Júnior (PSD).