Nos últimos anos, a ilha do Combu, no Pará, se tornou referência para o turismo, proporcionando uma experiência de contato das pessoas com o rio e com as comunidades ribeirinhas que vivem na região. Mas os moradores denunciam que a falta de atenção por parte do poder público ao aumento de visitantes no território estaria contribuindo para o aumento da violência, da degradação ambiental e, consequentemente, a escassez de produtos essenciais para atividades extrativistas e ao modo de vida local.
A ilha do Combu faz parte da área ribeirinha de Belém, e como uma das principais rotas turísticas da cidade, será destino certo de muitas pessoas que vão à COP30, que será realizada em novembro na capital paraense.
Lideranças comunitárias do Combu argumentam que os governos municipal e estadual “passarão vergonha” caso, em plena conferência pelo clima, visitantes constatem que habitantes de uma das principais rotas turísticas da capital paraense convivem com a falta de água potável e impactos negativos para atividades extrativistas.
“Os moradores da ilha, historicamente, vivem do extrativismo e dependendo do período em que se dedica a uma cultura. Quando não está na época do açaí, ele pesca o camarão, ou peixe, mas com o aumento do fluxo de embarcações na ilha, sobretudo nos últimos sete anos, tanto o camarão e o peixe sumiram, como está perigoso para o ribeirinho pescar”, denuncia Iva Nascimento, presidenta da Associação dos Moradores do Igarapé Piriquitaquara.
Segundo ela, a navegação em alta velocidade de lanchas, jet ski e outras embarcações maiores já provocou diversos acidentes, e ameaça o pescador artesanal que utiliza barcos menores. “Nós, moradores, nos fins de semana, não podemos sair com a nossa rabetinha, porque a gente pode ir pro fundo. E a gente só vê a Capitania dos Portos quando o acidente envolve alguma lancha mais cara. Os próprios moradores da ilha adotaram a prática de tirar o escapamento do motor, para a voadeira fazer mais barulho. Hoje nossos idosos, crianças e doentes têm muita dificuldade de descansar, num lugar que costumava ser tranquilo”, pontua.
Iva admite que esse aumento do turismo também trouxe benefícios econômicos, como criação de cooperativas e novos empreendimentos por parte dos próprios moradores. Contudo, a pesquisadora Thainá Guedelha Nunes confirmou que um dos impactos sociais dessa mudança de rotina na ilha provocou a mudança de ocupação de alguns moradores, que deixaram de desempenhar exclusiva ou principalmente atividades extrativistas para fazer transportes em embarcações, trabalhar em restaurantes ou abrir seus próprios. O estudo está registrado em sua tese de doutorado, “Por um turismo decolonial, reflexões antropológicas a partir da turistificação da ilha do Combu”, do programa de pós-graduação em sociologia e antropologia da UFPA, de 2023.
Guedelha defende que o turismo na comunidade respeite o protagonismo dos moradores, nos aspectos social, político, econômico, de saúde, sob pena de que esse bum do turismo seja uma nova forma de colonização. Para isso, os moradores e empreendedores da ilha defendem que o poder público invista em políticas públicas, para incentivo ao manejo sustentável desses empreendimentos. “Esse manejo é para trazer de volta essa paz pra gente, mais segurança. Precisa orientar o próprio ribeirinho, pra não deixar que ele venda a terra dele para empreendedores que vêm de fora. Enquanto não houver uma regulação dessas atividades, os problemas tendem a aumentar”, argumenta Charles Gerson, idealizador do Espaço Igara, referência em vivências e trilhas, para que visitantes experienciem o modo de vida das comunidades.
Emergências climáticas e erosão
Com cinco comunidades, a ilha do Combu pertence a uma Área de Proteção Ambiental (APA). A maior parte dos empreendimentos visitados pelos turistas ficam no igarapé do Combu e na beira do rio Guamá. Mas os moradores de todas as regiões convivem com os impactos dessas atividades, além da falta de água potável e precariedade outras políticas públicas, como saúde e segurança pública. Por outro lado, quem depende exclusivamente das atividades extrativistas para sobreviver, já sente a falta de produtos sazonais além do peixe e do camarão, como o açaí, a andiroba e o mel de abelha.
“Este ano estamos tendo dificuldades para extrair o óleo da andiroba, porque percebemos que o verão prolongado, as chuvas que não foram suficientes para a época, e toda a poluição dos rios está afetando não só as andirobeiras. Percebemos a escassez do açaí e de outras frutas também”, analisa Iracema Soares, vice-presidenta da Associação das Mulheres Extrativistas do Combu. Segundo ela, o pai e a mãe, que costumavam pescar camarão na entressafra do açaí, já observaram que a iguaria está muito mais difícil de ser encontrada. Todos esses impactos afetam a economia das famílias, sobretudo as mais vulneráveis.
“A gente já precisa comprar água potável, tanto pra beber, como pra cozinhar, porque a água do rio não serve pra isso. Agora, produtos que antes a gente tinha na frente de casa ou no quintal, precisamos comprar, como açaí e camarão. E mesmo em casas que têm açaí, percebemos a falta de gente pra colher, porque os apanhadores agora estão trabalhando com outras coisas”, reforça Iracema.
A erosão das beiras dos igarapés e furos, devido ao aumento do fluxo de embarcações, além de espantar rios e acabar com nascedouros de camarão, também já provocou a queda de casas, árvores, e são ameaça constante às próprias embarcações. Apenas famílias e empreendimentos mais estruturados economicamente constroem proteção nas encostas.
O Brasil de Fato procurou a Capitania dos Portos para se posicionar sobre o tema, mas não teve retorno até o fechamento da reportagem. O texto será atualizado caso haja manifestação.