A Prefeitura de São Paulo inaugurou nesta semana um placar com o número atualizado em tempo real de criminosos foragidos e presos pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade, denominado “Prisômetro”.
O painel de três metros de altura e um de largura está localizado no em frente ao Centro de Comando do Smart Sampa, na rua XV de Novembro, no Centro Histórico da capital paulista. Também será exibida a quantidade de pessoas desaparecidas e de veículos roubados e furtados apreendidos pela GCM.
Para Alan Fernandes, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a iniciativa faz parte dos “afagos que o prefeito [Ricardo Nunes, do MDB] faz ao seu eleitorado”.
O pesquisador considera a medida pouco efetiva em termos de política de segurança pública, mas pondera que ela atende a um anseio da população por resultados na área, ainda que de uma “forma muito mal elaborada”.
“Me lembra o Velho Oeste dos filmes norte-americanos em que ‘matamos mais um, prendemos mais um’, com a ideia de uma cidade policiada e vigiada. É uma forma mal feita de mostrar resultados de segurança pública, até porque as prisões são a face pouco importante das políticas de segurança pública. Esse ‘Prisômetro’ só realça uma política que visa a prisão das pessoas”, diz Fernandes.
“Na prática, em termos de entrega de resultados e de política é zero. O único, e aí é bastante interessante, é o marketing político. Ao contrário, não tem nenhuma entrega. O ‘Prisômetro’ não tem efetividade alguma”, conclui.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) classificou a iniciativa como “mais uma ação de transparência” a fim de “ofertar respostas efetivas e imediatas à população sobre o trabalho desempenhado em prol da segurança”.
De acordo com a prefeitura, “a atualização do ‘Prisômetro’ será feita em tempo real, com base no levantamento realizado pelas equipes de inteligência do Smart Sampa a partir do encerramento das ocorrências atendidas pela Guarda Civil Metropolitana”.
A partir do Smart Sampa, que utiliza 23 mil câmeras com tecnologia de reconhecimento facial espalhadas pela cidade, 1.902 pessoas e 20 foragidos da justiça foram presos em flagrante e 41 desparecidos foram localizados desde o dia 16 de outubro de 2016, quando a operação foi iniciada.
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: O que representa esse ‘Prisômetro’ em termos de política de segurança pública?
Alan Fernandes: O ‘Prisômetro’ é uma tentativa do prefeito de mostrar para os seus eleitores algum tipo de trabalho que a Guarda Civil esteja produzindo a partir do Smart Sampa. Isso tem dois aspectos. Por um lado, tem um aspecto que eu considero positivo porque as pessoas se sentem mais seguras na medida que, em geral, quaisquer forças mostram que estão prendendo pessoas. As pessoas anseiam por isso.
Mas essa é uma forma muito mal elaborada de se fazer isso. Me lembra o Velho Oeste dos filmes norte-americanos em que ‘matamos mais um, prendemos mais um’, com a ideia de uma cidade policiada e vigiada. É uma forma mal feita de mostrar resultados de segurança pública, até porque as prisões são a face pouco importante das políticas de segurança pública. São essenciais ao fazer valer a lei penal, mas quaisquer outras ações de segurança pública ficam em segundo plano. E esse prisômetro só realça uma política que visa a prisão das pessoas.
O Smart Sampa utiliza câmeras com a inteligência de reconhecimento facial, o que vem sendo alvo de críticas por parte de instituições ligadas aos direitos humanos e à segurança pública. A análise é que o programa reforça vieses racistas da política de segurança pública adotada no Brasil. Como você analisa esse programa que abastece os dados do ‘Prisômetro’?
Eu acredito que o Smart Sampa é uma ferramenta bastante interessante. Essa ideia de reconhecimento facial existe em várias cidades do mundo. Agora, como qualquer ação de segurança pública, exige uma vigilância muito atenta da sociedade, porque pode descambar para um instrumento de autoritarismo e de vigilantismo.
O Smart Sampa traz muitos riscos e exige que a sociedade e os órgãos de controle estejam muito atentos a isso. Olhando para a experiência internacional, eu acho que o Smart Sampa é uma boa ferramenta, mas é preciso muita atenção, vigilância, transparência e accountability [conjunto de práticas relacionadas à prestação de contas].
Mas nós temos as ferramentas necessárias para garantir esse controle social?
Eu não sei como está o desenho do projeto, mas o papel da Defensoria Pública em colocar essa questão judiciária, como aconteceu nesta semana, é uma prova que o Brasil dispõe de instituições que estão atentas a isso. É preciso sempre que estejamos atentos para que não de fato descambe para racismo e preconceitos, o que a literatura também aponta como um risco sempre presente.
Tem uma tentativa do prefeito Ricardo Nunes em transformar a Guarda Civil Metropolitana em uma polícia municipal. Como essa medida está relacionada com o ‘Prisômetro’, seguindo essa linha de políticas de segurança pública efetivas?
O caráter eleitoreiro é o que eu vislumbro de forma mais preponderante. Tem recentes pesquisas mostrando que a segurança pública é em alguns locais a principal preocupação dos brasileiros. Então tem aí uma agenda em aberto para políticos para que possam surfar diante desse medo da população, dessa preocupação com a segurança pública. O Ricardo Nunes, mas eu poderia citar outros, é um dos que estão tentando dar respostas para esse receio.
O ‘Prisômetro’ é um exemplo de resposta, assim como o projeto de lei municipal de transformar a Guarda Civil Metropolitana em polícia urbana ou polícia municipal. São afagos que o prefeito faz ao seu eleitorado. São medidas que eu considero pouco eficazes, mas são tentativas de responder a esse medo que a população tem em relação à segurança pública seguindo uma retórica pouco efetiva e que traz poucos resultados.
Marketing político. Na prática, em termos de entrega de resultados e de política é zero. O único, e aí é bastante interessante, é o marketing político. Ao contrário, não tem nenhuma entrega. O ‘Prisômetro’ não tem efetividade alguma.
A gente sabe que Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas são aliados e caminham juntos em muitas políticas, inclusive algumas que dependem uma da outra, e a segurança pública é uma delas. Quais são as semelhanças entre esses dois políticos nessa área?
As semelhanças começam pelo staff deles. O vice-prefeito do Ricardo Nunes [o coronel aposentado da Polícia Militar Ricardo de Mello Araújo] foi um oficial do Batalhão Tobias de Aguiar, da Rota de São Paulo. O secretário de Segurança Pública do governador Tarcísio [Guilherme Derrite] foi da Rota.
Em termos de retórica e de política, mais uma vez outras semelhanças, como a aposta na prisão como ferramenta para ganho de segurança pública e o abandono de quaisquer outras perspectivas em segurança pública. Mesmo pensando só em polícia, existem diversas outras possibilidades, mas que ficam num plano muito inferior frente à ideia de prender pessoas.
A alta letalidade da violência policial no estado de São Paulo é um reflexo disso?
Existe a ideia de que o trabalho policial precisa ser feito a qualquer custo e que se não se poderia, segundo essa perspectiva, fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos. É a ideia de que a letalidade policial é uma consequência da maior proatividade da polícia, o que eu discordo. Ambas as coisas devem ser feitas: uma polícia que seja proativa com bons resultados à população e que conjugue uso moderado da força e o respeito a direitos humanos.
Eu acredito que o ‘Prisômetro’ também reforça uma retórica de que a culpa da insegurança pública é do Judiciário, porque vale aquela máxima de que a “polícia prende, e a Justiça solta”. O próximo passo é falar: “A culpa não é nossa. Nós estamos fazendo o nosso papel, mas a culpa é da Justiça”, o que é uma retórica que tem vindo muito forte do campo político do Ricardo Nunes.