Em Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, o pré-carnaval contou com uma figura bastante celebrada: o Boi de Pano. Personagem folclórico, ele saiu pelas ruas de pedra do Centro Histórico da cidade no dia 23 de fevereiro, cercado de músicos e brincantes, ao som de marchinhas compostas por artistas locais.
Com o corpo branco, saia florida e enfeitado com fitas coloridas, o boi desfilou pela segunda vez desde o seu batismo, realizado em novembro de 2024, quando, após meses de confecção, ficou pronto e recebeu um nome.
“A gente iniciou esse boi a partir de relatos antigos. Esse boi sempre teve em Paraty, sempre existiu”, conta o cirandeiro e pesquisador caiçara Fernando Alcântara, um dos responsáveis por fazer reviver essa tradição. “Porém, o que estava precisando era desse impulso, dessa força para ele poder se fortalecer novamente”, diz.
Entusiasta da cultura popular caiçara, Alcântara procurou a unidade local do Sesc para pedir apoio para o movimento que ficou conhecido como “levante do boi”. Com o suporte da unidade, consolidou-se um grupo de pesquisadores da tradição com a proposta de reviver uma figura que estava, como diz o pesquisador, “sem força”.
“Os bonecos sempre existiram, nunca deixaram de existir”, conta, mencionando figuras como a boneca Miota e o Cavalinho, que circulam pela cidade em celebrações tradicionais, como a Festa do Divino Espírito Santo e o Festival da Cachaça. O boi, no entanto, estava desaparecido desde a década de 80, de acordo com os registros encontrados na pesquisa.
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Por meses, os pesquisadores buscaram material histórico, como fotos, vídeos e relatos de moradores da cidade e, junto do mestre artesão João José da Silva Junior, conhecido como Jubileu, se dedicaram à confecção do boi.
“Eu vi, em criança, meu pai fazendo um boi de pano”, lembra Jubileu, artista local conhecido pelo trabalho de confecção de bonecos.
Para fazer o corpo do Boi de Pano, ele usou cano PVC, mas lembra que, antigamente, o brinquedo era estruturado sobre os ossos de um boi verdadeiro. “Geralmente, pegava uma caveira já de verdade e fazia ali a montagem, botava no boi e aí as pessoas iam se divertir.”
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Durante o desfile do Boi de Pano no pré-carnaval de Paraty, um amigo de Alcântara ouviu uma pessoa que assistia à brincadeira dizer que aquele era o verdadeiro carnaval da cidade, “que não se via mais”.
O comentário agradou o pesquisador. “Eu não falo que a gente fez um resgate, a gente faz uma manutenção e dá uma força”, avalia.
A tradição do boi pelo Brasil
Mudam as cores, as músicas e os bonecos que acompanham a brincadeira, mas a figura do boi está presente em várias regiões do Brasil.
“Em Ubatuba (SP) se chama Boi de Conchas, em Santa Catarina, Boi de Mamão”, conta Alcântara. “Lá em Pernambuco, o do Helder Vasconcelos, que foi um mestre aqui do boi também de Paraty, chama Boi Marinho. Cada região do Brasil ele toma um nome”, explica.
Ator, dançarino e “fazedor de festa e buscador de alegria”, como se define, Vasconcelos acompanhou o levante do boi. “Você imagina uma brincadeira que é tão plural quanto um país. Mas a magia dela tá numa simplicidade tão grande que é quase uma mágica”, avalia, em um vídeo publicado no perfil do Instagram do Boi de Pano de Parati. A letra I no final é uma referência à grafia original do nome do município, Paratii.
A pesquisa teve também a contribuição da artista e pesquisadora Juliana Manhães, do Maranhão. “O levante do boi nasce de memórias que já existem ”, diz a pesquisadora, no vídeo publicado no perfil do Instagram.
Em Paraty, o boi sai acompanhado de personagens como a boneca Miota, o Cavalinho e o Capinha, figura que representa a capa de um toureiro. Nas ruas, os bonecos interagem entre si e com que acompanha a brincadeira. Para Jubileu, a manifestação é uma alegria para quem faz e para quem assiste.
“Enquanto a gente tiver essas manifestações, que animem a cidade, que tragam pessoas para ver, para assistir e que essas visitas demandem serviços dentro da economia paratiense, isso é bom para todo mundo, né?”, avalia Jubileu. “A gente fica como uma referência, porque a tendência são essas manifestações folclóricas aos poucos irem acabando”, diz.