As famílias indígenas que vivem em uma área no Setor Noroeste, na altura da quadra 308, região do Plano Piloto do Distrito Federal, denunciaram o uso da força policial durante uma operação da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), realizada nesta quinta-feira (27).
A ação, que envolveu mais de 50 policiais e maquinário pesado, tinha como objetivo a abertura de uma via pública na Quadra 308. Segundo indígenas, que residem na área conhecida como Aldeia Areme Eia, a intervenção ocorreu sem aviso prévio e resultou em confrontos, deixando idosos, crianças e mulheres grávidas expostos à violência.
“Fomos surpreendidos por uma tropa, mais de 50 policiais e quatro tratores. Eles entraram na nossa reserva, derrubaram tudo, jogaram spray em idosos, crianças, grávidas e até em pessoas com câncer. Estamos lutando e precisamos de reforço urgente”, relatou uma indígena que presenciou a ação.
Maria Cícera Salustriano, mais conhecida como Patira Xucuru, também criticou a falta de transparência na condução da operação. “Tentamos conversar, mas eles já chegaram usando a força”, afirmou em uma rede social.
No mesmo vídeo, Maria apelou para as autoridades e chamou a ação de “genocídio”. “Eu queria pedir apoio às autoridades competentes a esse genocídio que está acontecendo aqui, esse desmatamento é crime ambiental no coração do Brasil a 15 minutos do Planalto”.
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A Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (NDH), esteve presente no local durante a ação para acompanhar as famílias indígenas e evitar conflitos e violência institucional.
A comunidade recebeu apoio de movimentos sociais e entidades ligadas à causa indígena, além de instituições como Defensoria Pública do Distrito Federal (PDF) e Defensoria Pública da União (DPU).
Nesta sexta-feira (28), a comunidade se mobilizou em um ato na região para reivindicar atenção das autoridades perante a situação das famílias da aldeia Areme Eia. A Polícia Militar acompanhou as manifestações, mas sem conflitos.
Entenda o caso
A situação das comunidades indígenas no Setor Noroeste de Brasília é uma disputa antiga. Parte do território foi formalmente reconhecida por meio de um acordo judicial firmado em 2018, garantindo a posse de uma área de aproximadamente quatro hectares para quase 40 famílias indígenas, chamado de Santuário dos Pajés.
Mas nem todas as comunidades indígenas e famílias foram contempladas nesse acordo. Os indígenas das etnias Boe Bororo, Guajajara e Yepá-Mahsã ainda lutam pelo reconhecimento do território.
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As 15 famílias indígenas que foram surpreendidas com a ação do GDF na última quinta-feira(27), entre elas representantes dos povos Fulni-Ô, Boe Bororo e Xucuru, não estão incluídas no acordo de demarcação. Elas estão em uma outra área, que faz parte da quadra 308 do Noroeste. A comunidade enfrenta questionamentos sobre a legalidade de sua permanência no local.
O que a Terracap diz?
Em nota, a Terracap afirmou que a operação foi realizada para a abertura de vias e obras de infraestrutura na Quadra 308 do Setor Noroeste. A empresa declarou que o local é uma área pública de domínio do Distrito Federal e que sua ocupação é irregular.
A Terracap também alegou que os ocupantes não fazem parte do acordo firmado na Ação Civil Pública nº 2009.34.00.038240-0, que reconheceu a posse de parte do Santuário dos Pajés a outra comunidade indígena. Segundo a empresa, há decisões judiciais desfavoráveis às famílias que reivindicam a área.
“Os ocupantes não integram a comunidade reconhecida judicialmente e não têm amparo legal para permanecer na área”, diz a nota. A empresa também justificou o uso da força policial citando ameaças sofridas por funcionários e terceirizados em ações anteriores na região.
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Posicionamento da DPU
A Defensoria Pública da União (DPU) tem acompanhando o caso e informou que tomará todas medidas cabíveis diante da atuação do Governo do Distrito Federal. O defensor público federal, Eduardo Queiroz, destacou a preocupação com a condução da ação.
“A DPU avalia como abusiva a operação realizada, uma vez que foi feita em desrespeito a todos os esforços prévios de negociação e participação dos indígenas na busca de soluções conciliatórias para liberação do local almejado pela Terracap”, afirma Queiroz.
Apesar dos pedidos expressos da DPU, os órgãos envolvidos não ofereceram esclarecimentos às comunidades antes da execução da operação. “não houve oportunidade de prévio esclarecimento às famílias indígenas do teor da ação realizada no dia”, esclarece Queiroz.
A DPU entende que ações como a ocorrida hoje, que inflijam injusto temor às moradias de pessoas em situação de hipossuficiência, configura violação de direitos humanos, nos termos já reconhecidos pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos em sua Resolução nº 10/2018.
Ainda reforça que as famílias indígenas possuem direitos contra remoções forçadas e qualquer ação que as constranja injustamente, conforme recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADPF 828.
Sobre o argumento da Terracap de que as famílias não fazem parte do acordo firmado na Ação Civil Pública de 2009, Queiroz explica que “o acordo relacionado ao Santuário dos Pajés não contém nenhuma limitação ou negação às demandas de outras etnias que buscam garantir seus direitos territoriais na região”.
A Defensoria lembra ainda que já houve soluções conciliatórias para outras comunidades indígenas no Noroeste, o que demonstra que é possível um caminho sem confronto, baseado no respeito e na proteção dos vulneráveis.
“Tanto a Legislação brasileira e internacional estabelece o direito de participação e escuta dos povos indígenas para solução de seus conflitos territoriais, bem como a primazia das soluções conciliatórias e não-violentas pelo Poder Público, sempre com apoio do órgão de política indigenista encarregado de sua proteção”, ressalta Eduardo Queiroz .
O órgão informou que tomará todas as medidas judiciais e administrativas para que a situação seja resolvida” Tomaremos todas a medidas para o avanço das discussões sobre a permanência dos indígenas passe a se dar em ambiente respeitoso e acolhedor à voz das comunidades envolvidas, prevenindo e impedindo novas ações de truculência como vistas hoje”, finalizou Queiroz.
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