Na noite da última quinta-feira (27), a entidade Aliança em Prol da Área de Proteção Ambiental (APA) Pedra Branca realizou uma audiência pública popular, para debater os impactos da possível instalação de um empreendimento de mineração de terras raras no município de Caldas, localizado no sul de Minas Gerais.
O objetivo do encontro foi possibilitar um espaço efetivo de participação da sociedade civil e elaborar propostas de condicionantes para qualquer autorização municipal ao avanço da mineração no território.
Para Talita do Lago Anunciação, vice-presidente do grupo e que conduziu a coordenação da audiência, o espaço foi essencial, pois a prefeitura municipal e o Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema) negaram a inclusão de participação popular na tramitação do projeto.
“Infelizmente, não houve espaços que possibilitassem uma participação democrática sobre esse projeto em curso. A possível vinda da mineração vai mudar nossas vidas e precisamos opinar e ter poder de decisão sobre os rumos do projeto”, explicou.
Entenda
A mineradora australiana Meteoric Resources pretende instalar em Caldas o projeto Caldeira, que prevê a abertura de nove cavas, de aproximadamente 40 metros de profundidade, para extração de 5 milhões de toneladas de argila por ano durante 10 anos.
O processo de beneficiamento será realizado no mesmo município, ao lado da mineração desativada de urânio da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), onde será instalada uma usina. A previsão é de que a argila seja processada com uso de ácidos, extraindo as terras raras. Segundo a empresa, pretende-se extrair 1,5 kg de terras raras para cada tonelada de argila lixiviada e lavada.
Impactos
Para Daniel Tygel, presidente da Aliança, o projeto é só o início da exploração e a cidade pode sofrer gravemente os impactos da mineração, se não houver um controle e zoneamento para a realização da atividade.
“Esse primeiro projeto prevê nove cavas e a instalação da unidade de beneficiamento, mas depois deverá demandar a ampliação para novas cavas cada vez mais espalhadas pelo município, prejudicando ainda mais o conjunto de comunidades de Caldas, Andradas e Poços de Caldas”, explica.
“Se a mineração for instalada, vamos sentir os impactos nas águas; na saúde, com a grande emissão de poeira; e riscos associados ao trânsito de milhares de toneladas por dia por dentro da INB, onde há barragens com milhões de toneladas de metais pesados e material radioativo. A dinâmica da cidade será toda alterada”, continua Daniel.
Os moradores também temem que o empreendimento impacte, por exemplo, nos preços dos aluguéis e na qualidade dos serviços públicos, uma vez que a tendência, em casos como esse, é aumentar o fluxo de pessoas na cidade, com a chegada de centenas de trabalhadores de fora.
Juraci Luz, engenheiro civil que realizou uma análise técnica sobre o projeto, alerta que outro impacto pode ser contaminação, em razão da proximidade do empreendimento com as estruturas da INB.
“O projeto está muito ruim. Moro em Poços de Caldas e estou muito preocupado, pois os impactos serão sentidos também por lá. A planta da mina passa dentro das estruturas da INB, vai ter contaminação e estamos falando de urânio, ou seja, é grave. Além disso, me preocupa a questão da água, que não é tão abundante assim na região. A mineradora apresenta a absurda proposta de captar água da barragem da INB, que é sabidamente contaminada por inúmeros metais pesados”, comenta.
Diante desse cenário, Vagner Guerreiro, juiz aposentado e morador de Caldas, avalia que apenas a Compensação Financeira para a Exploração de Recursos Minerais (CFEM) não será suficiente para compensar o conjunto de impactos.
“Eu vim morar em Caldas há mais de 10 anos, estava procurando sossego e qualidade de vida e encontrei aqui. Se essa mineração for instalada, vai estragar tudo, nossa tranquilidade, nossas águas, afetar nossa saúde e todo conjunto da comunidade. Estão falando da renda que a mineração pode trazer para o município, mas o dinheiro que pode entrar pelo CFEM não vai compensar toda a destruição e impactos que serão causados por essa mineradora”, relata.
Ele chama a atenção para o fato de que, em outros municípios onde há empreendimentos minerários, a chegada da mineração não significou melhora na qualidade de vida da população.
Disputa internacional
Daniel Tygel lembra, ainda, que há em curso no cenário internacional uma corrida pelo controle das terras raras no mundo, já que são consideradas importantes para as tecnologias destinadas para a transição energética e para a indústria bélica.
“Somos um município que prega a paz, terra de Fernando Brant que compôs com Milton Nascimento a música Coração Civil. Não podemos e não queremos permitir que nosso território seja afetado para alimentar guerras no mundo. A Meteoric já possui, por exemplo, um Termo de Compromisso de fornecimento de no mínimo 20% da produção de Caldas para a empresa Ucore, financiada pelo governo canadense e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com o propósito de garantir a ‘segurança nacional’ destes países, ou seja, armas”, comenta.
“O presidente dos EUA, Donald Trump, vai realizar um acordo com a Ucrânia para ter o controle completo das terras raras em território ucraniano, esse debate está no centro da disputa internacional, e o que nós vamos fazer? Entregar de bandeja as jazidas minerais que possuímos para uma empresa estrangeira? Deixando um rastro grande de destruição para Caldas e toda região?”, questiona Daniel, que é físico nuclear e ambientalista.
Diante desse cenário, para Luiz Paulo Siqueira, da coordenação estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o projeto da Meteoric atenta contra a soberania nacional e prejudicará toda a região.
“Entregar as jazidas de terras raras para uma multinacional australiana é um crime lesa-pátria, que atenta contra os interesses de um projeto nacional de desenvolvimento. Esses minerais têm de estar sob controle do povo brasileiro e não ser entregues ao capital internacional para aprofundar um projeto de subdesenvolvimento. Precisamos tornar esse embate como uma pauta política nacional e disputar o que está em jogo, não podemos permitir que nossos territórios sejam destruídos por um projeto que não tem nada a nos oferecer”, defende.
A audiência contou com ampla participação da comunidade de Caldas, além da presença de moradores de Andradas e Poços de Caldas, municípios que também serão afetados pela mineração.
Os presentes puderam aprofundar o debate sobre os impactos da mineração na região e aprovar um conjunto de 19 propostas de condicionantes que serão encaminhadas para o Codema, os órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento ambiental e ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
O outro lado
O Brasil de Fato MG procurou a Prefeitura Municipal de Caldas para comentar sobre as denúncias. A reportagem será atualizada, caso haja um posicionamento.