Nesta quarta-feira (26), enquanto as câmeras filmavam com expectativa a “subida do Galo” na Ponde Duarte Coelho, um grupo de 30 mães protestava sob as asas do maior símbolo do Carnaval do Recife. São mães de crianças e adolescentes neuroatípicos, gritando para que a Prefeitura do Recife garanta que seus filhos, com transtorno do espectro autista (TEA), tenham direito à educação na sala de aula.
O Galo da Madrugada deste ano traz no pescoço o cordão com desenhos de peças de quebra-cabeças, símbolo do TEA, como forma de pautar a inclusão. As mães protestaram com cartazes dizendo que não querem ser “apenas um símbolo, queremos a verdadeira inclusão”. O Galo da Madrugada recebe recursos públicos da Prefeitura do Recife, do Governo de Pernambuco e do Governo Federal. “Falar de inclusão é fácil, mas queremos a inclusão na prática”, reclamou Cleide Alves.
Os grupos de mães Vivendo com Autismo, União Atípica e outras mães afirmam que o protesto não é contra o Galo. “O que queremos é um atendimento e educação de qualidade para os nossos filhos”, diz Dandara Keyse, uma das mães presentes no ato. As queixas são sobre atendimento à saúde das crianças e mães atípicas e também falta de acesso dessas crianças atípicas à rede municipal de educação. O problema é relatado no Brasil de Fato Pernambuco há alguns anos.
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Por lei, essas crianças têm direito a um acompanhamento profissional que as auxilie no desenvolvimento escolar, mas a prefeitura não conta com esses profissionais nas escolas. “Nós estamos sendo obrigadas a assinar um termo concordando que nossos filhos tenham só um dia por semana na sala de aula e sem acompanhamento” denunciou Cleide Alves. “Queremos apoio na sala de aula de segunda a sexta-feira”, clamou.
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A Prefeitura do Recife realizou um concurso público para a seleção de 400 profissionais de nível médio para cumprirem a função de Agente de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial (AADEE). As provas já foram realizadas e, segundo o cronograma da instituição realizadora, o Instituto AOCP, os resultados das provas objetivas e discursivas devem ser divulgados na terça-feira (4), durante o Carnaval, seguido da comprovação de títulos. A partir da segunda quinzena de março a Prefeitura do Recife já poderá convocar os aprovados.
Saúde
Outra queixa das mães é em relação à “avaliação global” – com psicólogo, terapeuta ocupacional, psicoterapeuta e fonoaudiólogo – etapa necessária para o diagnóstico do autismo nas crianças. “Muitas estão tendo que esperar uma fila de dois anos para serem avaliadas, sem saber se a criança tem autismo ou não. Só após o resultado é que podem iniciar a terapia”, explica Dandara Keyse, lamentando que toda a espera pelo diagnóstico é tempo perdido em que a cirança poderia estar recebendo acompanhamento profissional para o seu desenvolvimento.
Sem esconder sua revolta, Cleide Alves diz que “autismo não é bonito, não é fofo”. “Nossos filhos não são coitados e nós não somos coitadas. Estamos protestando pelos direitos dos nossos filhos à qualidade de vida no presente e no futuro. Isso não é um favor, isso é direito”, cobrou, enquanto outras mães gritavam em coro “queremos terapias” e “autista na escola”.
A saúde mental das mães também é um tópico. “Muitas de nós estamos vendo nossos filhos sem medicação, sem terapia. Como a gente fica? Será que nós, mães, também não estamos precisando de apoio e terapia?”, questionou, em discurso para outras mães. “Estamos sobrecarregadas e há mães se suicidando por não suportarem a pressão”, completa Dandara.
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