A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) formalizou a venda de mais quatro usinas hidrelétricas para a Âmbar Hidroenergia Ltda., empresa do grupo J&F, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. O contrato, assinado em 21 de fevereiro, ocorre em um contexto de judicialização de um lote anterior de 15 usinas, cuja venda foi suspensa pela Justiça em dezembro de 2023 por descumprir exigências legais, como a consulta popular e o quórum qualificado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
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As usinas vendidas estão localizadas em Juiz de Fora e Manhuaçu, na Zona da Mata; Águas Vermelhas, no Norte de Minas; e Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A Âmbar pagou R$ 52 milhões pelo pacote, com um ágio de 78,8% — valor adicional cobrado em operações financeiras — em relação ao preço mínimo esperado. A operação, no entanto, ainda depende de aprovações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A venda ocorre em meio a uma das maiores crises hídricas dos últimos anos em Minas Gerais, o que levanta questionamentos sobre a estratégia do governo de Romeu Zema (Novo) de alienar ativos estratégicos do Estado. Nos últimos 24 meses, a Cemig já vendeu 19 usinas, sendo 15 apenas em 2023. Para o deputado estadual Betão (PT), a prática é parte de um projeto de desmonte das estatais mineiras.
“Isso é um desrespeito ao direito constitucional de consulta pública e referendo popular. Algumas dessas usinas estão em áreas estratégicas para o estado. É como estarmos no deserto, com sede, e vendermos a água para quem tem um reservatório em casa”, criticou o parlamentar.
Judicialização e descumprimento da lei
A venda das quatro hidrelétricas repete o mesmo padrão de descumprimento da Lei Estadual 15.290/2004, que exige consulta popular e aprovação por maioria qualificada na ALMG (48 dos 77 deputados) para a alienação de subsidiárias da Cemig ou de participações societárias da companhia. A legislação foi criada durante o governo Itamar Franco (1998-2002) e visa garantir o controle público sobre ativos estratégicos.
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Em agosto de 2023, a Cemig vendeu 15 hidrelétricas à Mang Participações e Agropecuária Ltda. sem seguir esses requisitos. A operação foi suspensa em dezembro pela 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, atendendo a uma ação popular da Federação dos Urbanitários de Minas Gerais. A Cemig recorreu da decisão, e o caso ainda está em tramitação.
Apesar disso, a empresa seguiu com a venda do novo lote, ignorando novamente as exigências legais.
Impactos para trabalhadores e população
Para Emerson Andrada, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), as privatizações representam um ataque direto aos direitos dos trabalhadores e à população mineira.
“No setor elétrico, esse processo tem um histórico já conhecido de demissões em massa, terceirização e precarização das condições de trabalho, com aumento de acidentes fatais. Empresas privadas operam sob a lógica do lucro máximo, o que leva à redução de postos de trabalho e à flexibilização de direitos”, afirmou.
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Ele também destacou que a privatização tende a aumentar as tarifas de energia e piorar a qualidade do serviço, além de comprometer a universalização do acesso à eletricidade.
“Empresas privadas não têm compromisso com o desenvolvimento regional. Elas investem apenas onde há maior rentabilidade, o que pode deixar áreas mais pobres desassistidas”, explicou.
Estratégia de desmonte fracionado
De acordo com Emerson Andrada, o governo Zema tem adotado uma estratégia de venda fracionada de ativos da Cemig e de outras estatais, como a Copasa, buscando burlar a necessidade de consulta popular e aprovação legislativa. Em novembro de 2024, o governo encaminhou à ALMG propostas para eliminar a exigência de referendo e quórum qualificado na venda de subsidiárias.
“O que o presidente da Cemig está fazendo é o mesmo que Zema tem feito com a Copasa: ir vendendo pouco a pouco, de forma fatiada”, denunciou o deputado Betão. Ele ressaltou que a população mineira não apoia a privatização de serviços essenciais, como energia e água, e que a tendência mundial é a reestatização desses setores.
“No mundo inteiro, sobretudo na Europa, serviços públicos têm sido reestatizados diante do fracasso da iniciativa privada em equilibrar a ganância do capital com a necessidade de garantir o acesso da população a requisitos básicos de cidadania”, afirmou o parlamentar.
Resistência e mobilização
O Sindieletro-MG e outras entidades têm intensificado a resistência contra as privatizações, com ações jurídicas, mobilizações e campanhas de conscientização.
“Já acionamos juridicamente os órgãos competentes e mantemos diálogo constante com o Ministério Público e a ALMG para impedir que essas operações ocorram sem cumprir os requisitos legais”, disse Emerson.
Ele também destacou que a categoria não descarta a possibilidade de greve, caso o governo insista no desmonte das estatais. “Se Zema continuar com essa estratégia, nossa resposta será ampliar as mobilizações e fortalecer a unidade entre sindicatos e movimentos sociais”, afirmou.
Especialistas pontuam ainda que a população mineira segue à mercê de decisões tomadas sem transparência ou participação popular, em um contexto de crise hídrica e aumento dos custos de vida. A venda das hidrelétricas não apenas coloca em risco o patrimônio público, mas também o futuro energético e social de Minas Gerais.
O outro lado
O Brasil de Fato MG questionou a Cemig e o Governo de Minas Gerais sobre o descumprimento da lei, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O espaço segue aberto para manifestações dos órgãos.