Nesta sexta-feira (7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a entrega de 12.297 lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos rurais espalhados em 24 estados do país. O anúncio, feito durante o Ato Nacional em Defesa da Reforma Agrária, em Campo do Meio (MG), marca a retomada da política de distribuição de terras no país.
“A terra tem que estar na mão do povo para que ele possa produzir”, disse Lula, que assinou sete decretos de interesse social para fins de reforma agrária, somando 13.307 hectares e R$ 189 milhões em investimentos, com potencial para atender cerca de 800 famílias.
O evento foi realizado no acampamento Quilombo Campo Grande, um complexo de 11 assentamentos, ocupado há 27 anos pelas famílias vinculadas ao Movimento do Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Desde o início das ocupações, os moradores passaram por 11 tentativas de despejo e tiveram uma escola e plantações destruídas.

Esta foi a primeira visita do presidente a um acampamento do MST em seu terceiro mandato. Lula disse que sua equipe levou os primeiros anos de governo para fazer o levantamento das terras disponíveis para a reforma agrária.
“A gente levou dois anos para colocar essa prateleira de pé”, diz o presidente, justificando a demora para o início de entrega das terras. “Agora é preciso fazer com que essa prateleira comece a disponibilizar as terras para que a gente comece a assentar, não apenas quem já está em acampamento, mas fazer com que outras pessoas que queiram tenham o direito de trabalhar”, diz.

No evento, o governo federal anunciou R$ 1,6 bilhão para Crédito Instalação em 2025, destinado a famílias recém-assentadas. O benefício pode ser aplicado em habitação, apoio inicial e fomento aos jovens e mulheres na reforma agrária.
“É uma emoção muito grande, fruto de muita luta”, celebra a agricultora Helen Mayara dos Santos, que mora na área há 18 anos e planta café, milho, feijão e outros alimentos. Sem a regularização da terra, além de sofrer violências, como as tentativas de despejo, os agricultores ficavam impossibilitados de acessar créditos e comercializar com cooperativas. “Nós temos uma cooperativa aqui e a gente não consegue se cooperar, porque a gente não tem um documento da terra. Nós somos acampados, não somos reconhecidos”, diz.
Para Nei Zavaski, da direção nacional do MST, os anúncios e decretos desta sexta-feira indicam o caminho da conquista da reforma agrária, “que é com organização popular, com mobilização e com luta”.
Quem produz alimentos ainda tem poucas terras
Durante o ato, Edjane Rodrigues Silva, secretária nacional de políticas nacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), citou dados do Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para ressaltar a concentração de terras no Brasil.
De acordo com Silva, o Brasil tem mais de 5,7 milhões de estabelecimentos agropecuários. Desses, os que têm áreas com menos de 100 hectares ocupam apenas 2,29% do território nacional. Já as áreas acima de mil hectares correspondem a 47% de todo território nacional, embora representem apenas 1% das propriedades rurais do país.
“É isso que tá errado nesse país, porque as propriedades que detêm até 100 hectares representam praticamente 70, 80% dos alimentos que consumimos no Brasil”, diz Lula.
A secretária da Contag destaca que “a agricultura familiar que vai acabar com a fome no Brasil, com preços justos tanto para quem vende quanto para quem compra”.
Compromisso com pagamento dos funcionários da usina
A área do Quilombo Campo Grande pertencia à Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. A empresa decretou falência ainda nos anos 1990, sem pagar os direitos trabalhistas aos funcionários, que decidiram ocupar a terra.
É o caso do agricultor Rubens Leal Batista, nascido no território. Na infância, ele chegou a trabalhar de graça para a usina. “O dono da empresa obrigava os pais da gente levar a gente trabalhar na fazenda de graça para eles”, conta. Ele lembra que os proprietários da empresa justificavam que as crianças, filhos dos funcionários, precisavam trabalhar sem pagamento “para aprender”.
Agora, além de ver a terra regularizada, Batista foi informado que poderá contar com o apoio do governo federal na busca pelos direitos trabalhistas que ficaram pendentes.

“Chegamos aqui e recebemos uma denúncia, que muitos companheiros aqui têm crédito para receber”, diz Jorge Messias, ministro da Advocacia Geral da União. “Nós estaremos ao lado de vocês buscando o Ministério Público do Trabalho, buscando a delegacia do trabalho, para reconhecer o direto de vocês”, prometeu.
Para Batista, o anúncio é de grande importância. “Muitos companheiros, ex-funcionários da Usina, já se tombou, foi embora décadas atrás, né?”, diz. Ele conta que, embora alguns ex-colegas já tenham falecido, outros que, assim como ele, trabalharam na usina sem carteira assinada, ainda estão vivos. “Se esse advogado fizer um trâmite para que a gente seja ressarcido, vai ser uma coisa fantástica”, diz. “Mas o mais importante agora da luta pra gente foi esse decreto, para que a gente fique em paz, trabalhe em paz no lote da gente”, comemora.