As mais de 450 famílias do acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, Sul de Minas Gerais, vivem momentos de expectativa pela visita do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira (7). “É um dia que vai entrar para a história”, disse o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais, Silvio Netto.
“O presidente da República no território onde existe o maior conflito de terras do Brasil, depois de 27 anos que o MST reivindica esse direito. O presidente vem pagar essa dívida histórica. E com a expectativa que se abra um novo período não só para os trabalhadores, para as trabalhadoras em Campo do Meio, mas para a reforma agrária no Brasil, que seja um período em que a reforma agrária esteja no centro das prioridades desse governo”, disse Netto, destacando não só o assentamento das famílias sem-terra, mas de medidas estruturantes para os assentados da reforma agrária, como a compra institucional da produção agrícola desses territórios, a educação do campo, a assistência técnica, o fomento à agroecologia e o combate à especulação sobre a alimentação da população.
Essa é a primeira visita de Lula a um acampamento do MST ao longo do terceiro mandato do presidente. Há expectativa de que ele assine o decreto de desapropriação da área para a regularização do assentamento. Ceres Hadich, que também é parte da direção nacional do MST, recorda que a visita do presidente ao Quilombo Campo Grande é um desdobramento de reuniões realizadas entre Lula e dirigentes do MST desde o ano passado.
O movimento cobra um maior empenho do governo na agenda da reforma agrária, que, segundo a dirigente, está baseada em um tripé: o acesso à terra e assentamento das famílias acampadas; o desenvolvimento dos assentamentos a partir de programas de aquisição institucional de alimentos e o incentivo às agroindústrias e cooperativas; e, finalmente, o tema da educação nos territórios.
“Como a gente já vem construindo desde agosto do ano passado com o presidente, nossa expectativa é que esse momento de entrega [venha] justamente para poder contemplar iniciativas que venham no âmbito desses três grandes pilares que são a pauta do MST em relação à reforma agrária popular”, afirma Hadich.
Grande ato
A dirigente nacional afirmou ainda que está sendo preparado um grande “ato de massas” para receber o presidente Lula nesta sexta, com a presença de organizações e movimentos populares, além de parlamentares e lideranças políticas e que, embora ocorra em um assentamento específico, terá “caráter nacional”.
“A gente espera que a mensagem que se dará em Campo do Meio possa chegar à maioria dos acampamentos e assentamentos esparramados por todo o Brasil. E, por isso, será um grande ato, que acontece fora do Palácio [do Planalto], e que é muito simbólico”, destaca Hadich.
Uma das estratégias para ampliar o impacto dos anúncios que serão feitos nesta sexta é a transmissão ao vivo pelos canais oficiais do governo e pela TV Brasil.
Quilombo Campo Grande
O Acampamento Quilombo Campo Grande está localizado no município mineiro de Campo do Meio. A área pertencia à Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. A empresa decretou falência ainda nos anos 90, sem pagar os direitos trabalhistas aos funcionários, que decidiram ocupar a área e reivindicá-la para fins de reforma agrária.
Em outubro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela impossibilidade de recuperação judicial da companhia, o que foi comemorado pelo MST. “Esta decisão judicial, inclusive, mostra que o governador [Romeu] Zema, além de covarde e mentiroso, desrespeitou a lei ao promover um despejo ilegal, o que gerou um processo contra o estado de Minas Gerais na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, devido à sua covardia contra seu próprio povo”, afirmou Netto ao Brasil de Fato MG, referindo-se a uma das 11 tentativas de despejo que o acampamento sofreu ao longo de 27 anos.
Em agosto de 2020, em meio à pandemia de covid-19, a Polícia Militar de MG realizou tentativa de despejo violenta, que resultou na destruição de plantios e de uma escola, construída pelos trabalhadores. O Brasil de Fato entrou em contato com o governo de Minas para saber sua posição sobre a iminente desapropriação da área e a responsabilidade da gestão atual na tentativa de despejo de 2020, mas não obteve retorno.
Luta pela terra
Hadich destaca que cerca de 100 mil famílias acampadas estão à espera do assentamento definitivo em todo o país e que será preciso uma correção de rota para atender os interesses dos trabalhadores rurais sem-terra.
“A gente entende que há muitos limites ainda nas próprias entregas em relação à quantidade. Quando a gente olha para o universo de 100 mil famílias acampadas no Brasil, número do próprio Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], há um passivo muito grande em relação aos territórios de assentamentos que há muito tempo estão limitados no acesso das políticas públicas. Então, há um passivo grande que é difícil de ser resolvido”, destaca a dirigente, que considera uma boa sinalização os anúncios que devem ser feitos em Minas Gerais.
A dirigente ressalta ainda a importância de políticas agrárias no contexto do aumento do preço dos alimentos e a perda de áreas cultivadas no Brasil. “Segue sendo um dos maiores desafios para o nosso governo e para nós, povo brasileiro, efetivamente ter capacidade de aumentar a produção de alimentos no país. E a gente acredita que isso só vai ser feito com reforma agrária e com incentivo à produção de comida”, afirmou Hadich.