Na manhã desta sexta-feira (7), no Ato Nacional em Defesa da Reforma Agrária, em Campo do Meio (MG), a professora de história Lourdes Maria, conhecida como Tata, não conseguia conter as lágrimas. “Tô chorando desde ontem”, diz.
A família dela é assentada desde 2015 em uma gleba desmembrada do território que, hoje, será anunciado pelo presidente Lula como um novo assentamento, o Quilombo Campo Grande, em área desapropriada.
A área pertencia à antiga usina Ariadnópolis, cujos proprietários decretaram falência em 1983. Os trabalhadores ficaram abandonados e sem direitos trabalhistas, e passaram a sofrer com as investidas de latifundiários. Em 2023, a justiça reconheceu a posse da terra por 459 famílias sem-terra acampadas no território.

Na área localizada no sul de Minas Gerais, vivem 459 famílias divididas em 11 acampamentos: Betim, Campos das Flores, Chico Mendes, Fome Zero, Girassol, Irmã Dorothy Resistência, Rosa Luxemburgo, Sidney Dias, Tiradentes e Vitória da Conquista. Eles aguardam pela regularização da terra há 27 anos, período no qual sofreram 11 despejos. A área é uma das mais emblemáticas da luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em 2020, durante a pandemia, os moradores viram a escola do território ser destruída durante uma ação de reintegração de posse realizada pela Polícia Militar (PM) do estado, que durou mais de 56 horas. Em 2022, a unidade de ensino foi reerguida.
Atualmente, os agricultores do Quilombo Campo Grande cultivam mais de 150 produtos, como café, goiaba, milho e outros orgânicos. No evento em defesa da reforma agrária, alguns vendiam, na feira do espaço, os alimentos cultivados.
Nilson Borges mora no acampamento há 15 anos. Ele acredita que, com os decretos assinados por Lula, terá mais facilidade em produzir. “A dificuldade em produzir sendo acampado é que a gente não consegue acessar as linhas de crédito rurais. Agora, com certeza isso vai melhorar”, diz.
No evento desta sexta-feira, Lula assinará sete decretos de interesse social para fins de reforma agrária, somando 13.307 hectares e R$ 189 milhões em investimentos, com potencial de atender cerca de 800 famílias. Além dos decretos, o presidente anunciará as entregas e atos do programa Terra da Gente, que destinará 12.297 lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos rurais, totalizando 385 mil hectares espalhados em 24 estados do país.

Moradora da área há 20 anos, a agricultora Fátima Meira planta milho e cria galinhas num lote onde ainda não há energia elétrica nem água encanada. “Para nós, representa muito esse decreto”, celebra. “Vai facilitar o acesso aos projetos, à água e à luz”, diz.
Ela mora no assentamento Nova Conquista II. “Por que esse nome? A gente foi despejado várias vezes, então foi uma vitória quando a gente conquistou aquele espaço lá”, conta.
Famílias viveram despejos violentos
Em 2009, a família de Tata passou pelo primeiro despejo ilegal, quando foi retirada com violência das terras ocupadas na região. “Esse despejo veio de uma forma muito agressiva, derrubando todas as nossas casas, árvores que estavam plantadas há mais de 20 anos, matando animais”, lembra.
Ela tinha sete anos quando viu um dos policiais matar sua cachorra de estimação. “O policial chutou a porta da minha casa. Na ideia de proteger, a cachorra mordeu ele. Ele deu um tiro na cabeça dela, na frente de todo mundo”, lembra.
De 2009 a 2015, a família viveu em acampamentos, “sem energia, morando em barraco de lona, não tendo nem ônibus pra buscar a gente pra ir pra escola”, lembra.
Atualmente, os pais de Tata produzem café e têm uma criação de gado em um dos 13 lotes entregues em 2015 da área desmembrada do Quilombo Campo Grande.
No evento do anúncio do assentamento, na manhã desta sexta, ela distribuía abraços e celebrava junto dos moradores da área, cuja luta acompanha há anos.
“Todo assentamento é uma vitória”, diz. “Só que hoje é uma vitória muito maior. Uma vitória de 459 famílias que estão aqui hoje e mais milhares de pessoas que contribuíram com essa luta. Muita gente morreu na trincheira da luta, muitas pessoas faleceram e não conseguiram ver essa vitória ser conquistada”.
Outras seis áreas estão previstas para a assinatura de decreto de desapropriação. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), as áreas abrangem mais de 13 mil hectares e estão localizadas em Minas Gerais, Pará, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul.