“Excesso de termos em Iorubá”. Essa foi uma das justificativas usadas por um dos jurados para descontar pontos do samba-enredo da Unidos de Padre Miguel, escola que acabou sendo rebaixada para a Série Ouro do Carnaval carioca na última quarta-feira (5).
Na justificativa para a retirada de 0,1 ponto da escola em samba-enredo consta que “há trechos de difícil entendimento devido ao excesso de termos em iorubá (muitas estrofes)”.
O caso gerou polêmica nas redes sociais e indignação da Unidos de Padre Miguel. Pelo X, a escola se manifestou dizendo que “despontuar uma escola por fazer a utilização do dialeto da sua cultura é minimamente uma avaliação despreparada. Esquecer nossa oralidade para atender um acadêmico, não negro não está nos planos da nossa escola.”
Na avaliação, a jurada alega também, para retirar mais 0,1 pontos, que o trecho do samba “Vou voltar mainha, eu vou, Vou voltar mainha, chore não, Que lá na Bahia Xangô fez revolução”, deixa dúvidas sobre a narrativa. Ela também retirou 0,1 pela melodia: “A obra apresenta encadeamento linear, sem maiores inovações dentro da linguagem do samba-enredo”, escreveu.
A Unidos de Padre Miguel apresentou um enredo que contou a história de protagonismo de Francisca da Silva, a Iyá Nassô, ialorixá fundadora do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, no século 19. Sua liderança feminina é reconhecida por ter introduzido o “modelo de candomblé” no Brasil.
Para o historiador Luiz Antônio Simas, que estuda as tradições ancestrais brasileiras, o rebaixamento da escola foi uma aberração e a justificativa apontada pela jurada ressalta a necessidade de formação do corpo de avaliadores das escolas de samba.
“Um critério desses, que a meu ver nem deve ser personalizado na figura de um ou outro jurado; é um déficit educacional brasileiro e uma questão de letramento racial que jurados de escolas de samba precisam ter, é arriscado, inclusive, para quem compõe samba-enredo. Quase tudo pode ser carnavalizado, evidentemente, mas o samba precisa se adequar ao enredo proposto. O tema não é afro-religioso? Não cabem expressões litúrgicas. É afro-histórico-religioso? Cabem”, destacou.
Nesta sexta-feira (7), a agremiação informou, por meio de nota divulgada em suas redes sociais, que entrou com um recurso junto à Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) após o resultado final da apuração.
“A agremiação reforça que seu objetivo não é prejudicar qualquer outra escola, mas garantir uma avaliação justa e transparente. Durante a revisão das justificativas, foram identificadas inconsistências graves, incluindo penalizações em quesitos específicos devido a uma falha técnica no caminhão de som – um problema alheio à responsabilidade da Unidos de Padre Miguel e que, portanto, não deveria ter resultado em perda de pontos”, informa o comunicado.