As mídias sociais se tornaram instrumentos decisivos, não somente de opinião política, mas de difusão do pensamento. Se na década de 2000 o que mais influenciava o pensamento social eram as grandes indústrias de comunicação – jornalismo em TV e jornal ou mesmo o cinema – atualmente qualquer pessoa, em qualquer cidade do país ou do mundo, pode produzir um conteúdo expondo não só uma posição pontual da conjuntura política, mas seus ideais de mundo, e com isso encontrar dezenas, centenas, milhares ou até mesmo milhões de pessoas com esses mesmos ideais.
Que a direita está na nossa frente na capacidade do uso dessas ferramentas de mídias, como o Instagram, Whats, Facebook e Youtube, todos já sabemos. Eles apostaram nesses formatos há praticamente 10 anos para a disseminação das suas opiniões e suas bandeiras.

Com o passar do tempo e suas experimentações nesses ambientes digitais, identificaram que são também espaços para construção de um senso de comunidade, e recuperaram a organização das suas bases utilizando essa lógica: pautas e bandeiras políticas + formação de influenciadores políticos + disseminação de opinião = aglutinação de pares (comunidade).
Isso fez eles constituírem além de algumas figuras pontuais que espalham opiniões, uma estrutura enorme de produção de “influenciadores” conservadores. Com isso a disputa de opinião política não se restringiu mais aos períodos eleitorais, em que todos os políticos vão às ruas apresentar suas agendas, mas um processo permanente.
Mundo Digital
A ideia de “angariar votos” no período eleitoral se tornou uma perspectiva ultrapassada, que deixa o candidato quilômetros atrás de outros. Além disso, a disputa da opinião do eleitor durante a eleição já não existe mais. O eleitor já chega no período eleitoral com uma opinião formada, com uma visão consideravelmente consolidada de quem ele é contra e quem ele apoia. O cidadão se tornou eleitor 365 dias do ano, todos os anos, e estudos comprovam que depois que uma pessoa tomou uma decisão (como o voto) é muito difícil ela mudar de ideia, pelo menos no curto prazo.
E a extrema direita consegue alcançar mais essas pessoas, justamente porque compreendeu isso e apostou nessas ferramentas, formatos e linguagens, investiu recursos de verdade, para ocupar as mídias sociais aproximando, aglutinando e organizando essa base da sociedade, além de todas instituições que existem de forma presente e cotidiana, como as igrejas.
Até aí me parece que é uma compreensão básica do campo da esquerda, por mais que mesmo entendendo tudo isso ainda não conseguimos obter o nível de estrutura e alcance que eles chegaram, talvez porque estejamos em negação. Eles conseguiram emplacar um presidente da República e milhares de parlamentares e governantes Brasil afora, com votações crescentemente mais organizadas e expressivas.
O que eles têm avançado mais, e que me parece ser uma “novidade” no entendimento do campo da esquerda, é que a extrema direita compreendeu que as mídias sociais não servem apenas para expressar temas da “ordem do dia”, e organizar um senso de comunidade com isso, aglutinando eleitores, mas servem para produzir uma comunidade e influenciadores que seguem integralmente um estilo de vida conservador.
Toda essa visão tem conseguido produzir organicamente uma perspectiva de life style nas mídias sociais, capturando especialmente as gerações mais jovens, que daqui 20/30 anos serão adultos ainda mais conservadores e radicalizados do que os atuais. A partir do pilar da teologia da prosperidade, articulando com a cultura de saúde do wellness, o cuidado excessivo e estético do corpo (geralmente sem embasamento científico), e do ponto de vista econômico a do mercado financeiro/empreendedor, com os coachs. Tudo isso balizado, obviamente, por valores capitalistas como individualismo, competição, egoísmo, vaidade, etc.
Ou seja, agora eles alcançaram uma lógica que não é só de um “militante” nas redes ou de uma comunicação de pautas divulgada organicamente, agora a pessoa torna-se uma concepção integral do projeto conservador, que supostamente cuida da sua saúde, da sua alimentação, que vai à igreja, que é uma “pessoa família” e que faz seus investimentos. Tudo isso sendo compartilhado com orgulho, nas redes sociais.
Assim eles chegaram a mais uma camada de disputa cultural nas redes, compreendendo seus formatos e linguagens, convencendo outros perfis de pessoas de que “ser conservador” é a melhor forma de viver.
Política nas redes
Enquanto a esquerda não entender e aceitar que essa forma de comunicar é tão importante quanto outras, a ponto de realmente colocar recursos para produzir essas condições, seguiremos entrando nas eleições com milhares de eleitores atrás, porque enquanto a esquerda acha que fazer a disputa de porta-em-porta nos meses eleitorais é o suficiente para convencer o eleitorado, como nos anos 1990 e 2000, essas pessoas já estão sendo convencidas cotidianamente de uma eleição até a outra, não apenas sobre o candidato, mas sobre uma visão de mundo.
O que antes era um encontro semanal com a igreja, por exemplo, agora o algoritmo faz com que essas pessoas recebam os mesmos tipos de conteúdos de segunda a segunda. Furar essa bolha é ter organização para estarmos presencialmente e constantemente, indo nas casas não tentando “catequizar” as pessoas (como no “vira-voto”), mas ajudando-as quando precisam, de forma solidária e cotidiana, mas também ocupando as redes de forma massiva, com estratégia, com dinheiro, produzindo uma variedade abundante de conteúdos, porém nenhuma dessas abordagens se sustenta com a pura “disposição militante”.
Para isso tudo ser efeito na disputa cultural – que é atualmente onde está posicionada a disputa política – é preciso ter uma concepção a ser apresentada: o que queremos expressar? Qual o “nosso” estilo de vida? Quais são os nossos valores de sociedade? No que acreditamos para o país e como queremos colocar em prática? Nesse aspecto é necessário ter projeto, para ter o que dizer.
* Frederico Lemos, servidor público federal, Secretário de Comunicação – PT POA/RS
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
