A Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, apresentou na quarta-feira (5), na 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, o Relatório sobre sua visita ao Brasil, de 8 a 19 de abril de 2024, denominado Fora da vista: Defensores dos Direitos Humanos em contextos rurais, remotos e isolados.
“Há enormes desafios para os defensores dos direitos humanos e eles correm o risco de assassinatos, ataques físicos violentos, ameaças e desapropriação. As raízes desses riscos são históricas, mas cabe à atual administração lidar com elas”, avalia.
Segundo ela, existe uma grande oportunidade para o Brasil com a COP30 em Belém este ano. “A COP do Clima tem sido historicamente um lugar hostil e arriscado para defensores dos direitos humanos. Estou pedindo às autoridades brasileiras que mudem essa maré e a tornem um espaço seguro onde eles possam participar significativamente”, afirmou a relatora em seu discurso.

O governo brasileiro pronunciou-se na sessão através do coordenador-geral do Programa de Defensores de Direitos Humanos, Ambientalistas e Comunicadores, Igo Martini. Ele destacou que o relatório reforça a necessidade urgente de ações concretas para garantir a segurança daqueles que dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos, especialmente em contextos de graves violações, como em territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, além de áreas rurais e urbanas afetadas por conflitos de terra e violência contra jornalistas e ativistas.
“Defensores de direitos humanos no Brasil enfrentam uma realidade desafiadora, com ameaças constantes, seja no campo, seja nas grandes cidades. O governo brasileiro tem consciência dessa realidade e tem trabalhado para adotar medidas estruturais que respondam a esses riscos de forma eficaz”, afirmou Martini. Mencionou, ainda, o avanço na construção de uma política nacional de proteção a defensores que, desde janeiro de 2023, tem buscado garantir respostas mais rápidas e adequadas aos defensores em situação de risco.
O representante do Brasil destacou duas ações do atual governo: a primeira delas o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Ambientalistas e Comunicadores – que restabeleceu a participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo Federal do programa, atendendo a uma demanda histórica dos movimentos sociais. A segunda, o Plano Nacional de Proteção a Defensores elaborado pelo Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta que está estruturado em três eixos principais: a proteção estatal, que fortalece as instituições de segurança e amplia a cobertura do programa; a proteção popular, que reconhece e fortalece as redes comunitárias e as organizações da sociedade civil; e a garantia de acesso a direitos e combate à impunidade.
“No meu relatório, concentro-me na situação dos defensores mais em risco: aqueles envolvidos em lutas pela terra – defensores indígenas, defensores quilombolas, trabalhadores rurais e defensores de outras comunidades tradicionais; mulheres defensoras dos direitos humanos, particularmente aquelas que enfrentam violência interseccional, como mulheres negras da classe trabalhadora; jornalistas que cobrem questões de direitos humanos em nível local; defensores trans em todas as áreas; ativistas sociais e culturais que trabalham com os mais vulneráveis na sociedade brasileira; e muitos outros”, disse Mary Lawlor, na sessão.
O texto do Relatório ressalta também que os defensores de direitos humanos enfrentam múltiplas frentes de luta contra a injustiça e que estas facetas estão interligadas, citando como exemplo “mulheres negras combatem o sexismo e o racismo, ao mesmo tempo em que combatem as mudanças climáticas. Os trabalhadores rurais estão lutando simultaneamente pelo acesso equitativo à terra e pelos direitos da comunidade LGBTQI+”.
“Há recomendações detalhadas no relatório e peço ao Estado que tome medidas sobre elas: a demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas deve ser priorizada, o Estado deve garantir que o direito ao consentimento livre, prévio e informado seja respeitado nas atividades empresariais, incluindo o direito de dizer não, e o programa de proteção aos defensores dos direitos humanos deve ser aprimorado”, afirmou a relatora em sua apresentação. Interessante observar que neste item a proposta do Relatório é de transferir integralmente a responsabilidade pela implementação do Programa de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos ao Governo Federal e em cooperação com as autoridades estaduais.
Lawlor afirmou que não quer que isso seja apenas mais um relatório que simplesmente não seja acionado. “Defensores dos direitos humanos que conheci no Brasil me disseram que esse era o medo deles – que eles falariam comigo e eu escreveria e que nada aconteceria. Estou pedindo às autoridades brasileiras que garantam que isso não aconteça.”
Visita ao Brasil
Em sua visita ao Brasil a relatora se reuniu com aproximadamente 130 pessoas defensoras de direitos humanos que incluíram defensores indígenas, quilombolas, de comunidades ribeirinhas e outras comunidades tradicionais, defensores LGBTQI+, de direitos humanos de mulheres negras, dos direitos dos trabalhadores rurais, jornalistas e ativistas culturais e climáticos.
No âmbito governamental ocorreram reuniões com autoridades do Governo Federal, incluindo os ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania, Mulheres, Relações Exteriores, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Povos Indígenas, Justiça e Segurança Pública, Igualdade Racial e Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar como também conversas com Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal e o Conselho Nacional de Justiça.
Além de Brasília a relatora viajou a Bahia, São Paulo e Mato Grosso do Sul, estados onde se reuniu tanto com defensores como com autoridades estaduais. Estes estados foram escolhidos porque segundo avaliação da relatora os defensores de direitos humanos enfrentam desafios particularmente graves.
Segundo o Relatório a situação enfrentada pelas pessoas defensoras dos direitos humanos no Brasil “está longe de ser nova: é histórica. Aqueles que se levantam para defender seus direitos no Brasil sempre o fizeram correndo risco. Isso foi verdade na luta contra a escravidão, na luta pela superação do colonialismo, na campanha contra a ditadura militar e ao longo do século XXI, inclusive no governo anterior, quando os riscos para defensores aumentaram drasticamente”.
Evento debate a implementação do relatório da visita da relatora especial

Além da apresentação oficial do Relatório Especial sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos a relatora Mary Lawlor participou do side evento Defensores dos direitos humanos no Brasil, implementação do relatório da visita da relatora especial, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direitos humanos, juntamente com Itahu Kaapor, liderança indígena do Maranhão, Diogo Cabral, advogado da Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão (Fetaema) e de Isabela Corby, advogada da Assessoria Popular Maria Felipa.
O diretor executivo do Instituto promotor do evento, Paulo Lugon Arantes, afirmou que o Relatório apresentado por Mary Lawlor é um marco importante para o Brasil por apoiar a luta dos defensores de direitos humanos do país. Ao organizar a composição da mesa de debates o Instituto teve por objetivo dialogar sobre o Relatório apresentado através da ótica de três defensores de direitos humanos brasileiros, urbanos e rurais.
“O convite para Itahu Kaapor se deve a que os povos indígenas são agentes de mudança e contribuem, entre outros aspectos, para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) das Nações Unidas, pois os povos indígenas não só defendem os direitos deles, mas também a toda a humanidade. Quando convidamos Isabela Corby que é defensora dos presidiários e suas famílias nosso objetivo foi trazer à mesa de debates o contexto de mulheres, periféricas, urbanas e que enfrentam a extrema pobreza. No caso específico do advogado Diogo Cabral a escolhe deste nome foi vincula ao contexto do próprio relatório e por tratar-se de um defensor que vem atuando tanto na área rural como dos povos indígenas para defender os direitos humanos destes dois seguimentos”, afirmou Lugon.
Ao apresentar o Relatório na reunião a relatora comentou que os defensores de direitos humanos no Brasil vivem em altíssimo risco e que é preciso melhorar os mecanismos de proteção para apoiar a luta destas pessoas. A relatora disse ter muito respeito aos defensores de direitos humanos brasileiros e citou como um exemplo a mulher brasileira que acaba de completar 100 anos (Elizabeth Teixeira) – que teve seu marido morto pela ditadura militar – e que teve que se esconder para seguir lutando em defesa dos direitos humanos.
O líder indígena Itahu Kaapor relatou aos presentes que é ameaçado constantemente e que há dois anos a liderança do grupo foi assassinada e que o governo brasileiro além de não aceitar dialogar, nada faz para proteger aos indígenas que vêm lutando ao longo das últimas décadas com madeireiros, mineradores e nos últimos tempos com empresas responsáveis pelos créditos de carbono. Kaapor relatou também que a municipalidade é favorável a qualquer exploração das mineradoras e que se eles reagem aos invasores, mas são criminalizados nas suas ações. “Nós somos Kaapor e sem a natureza não tem Kaapor”, ressaltou a liderança indígena.
Diogo Cabral advogado da Fetaema relatou que no Maranhão houve 170 assassinatos de defensores de direitos humanos ao longo dos últimos anos e que menos de 5% deles foram investigados. O advogado também comentou sobre o uso de agrotóxicos como arma química de combate aos povos indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais como uma das práticas existentes na região. Diogo denuncia que os cotidianos ataques e ameaças vêm afetando profundamente a saúde mental destas populações e provocando doenças tais como depressão, ansiedade e estresse na população, fato este que é novo na vida cotidiana deste grupo de pessoas.
Isabela Corby solicitou à relatora que as famílias de presos que vêm lutando por melhores condições nos presídios e respeito aos familiares dos presidiários sejam incluídas como defensoras de direitos humanos. Em resposta à solicitação, a relatora explicou como funciona a designação de defensores de direitos humanos e solicitou a Isabela o envio de casos específicos para que sua equipe possa analisar a possibilidade de inclusão.
Ao encerrar sua fala no evento, Mary Lawlor solicitou a Itahu Kaapor mais dados e informações sobre os abusos das empresas responsáveis pelos créditos de carbono citados por ele e que pretende que eles sejam inseridos em um relatório que ela está finalizando sobre defensores de meio ambiente. Lawlor parabenizou Diogo Cabral pela maravilhosa luta que vem travando de modo especial no que se refere ao uso de pesticidas como armas químicas nos territórios indignas e plantações rurais.
No Relatório cita que as indústrias identificadas como ligadas a riscos para os defensores de direitos humanos no Brasil incluem mineração, agronegócio, turismo, habitação e o emergente mercado de crédito de carbono. No país muitos destes setores são impulsionados por investimentos estrangeiros, como por exemplo os realizados por empresas canadenses e americanas. Ao finalizar sua participação no evento a relatora disse que “deploro o comportamento do Canadá e eu estive em visita ao país para me encontrar com as autoridades relevantes para falar sobre o tema da mineração”.
