“Nós estamos passando por o pior do que já foi a enchente, porque a gente não tem mais vida, a gente vive abaixo de remédio. Quando a chuva está na metade do céu, a rua já está alagada. A gente não tem mais condições. Nós estamos precisando de ajuda urgente. Alguém tem que fazer alguma coisa por nós, porque não está dando mais.” O desabafo é da moradora do bairro Sarandi, em Porto Alegre, Maria Barbosa de Lima.
A moradora da rua do Povo era é uma da inúmeras manifestantes de um protesto realizado do final da tarde desta sexta-feira (7), no bairro da zona Norte da capital gaúcha. Com faixas, apitos e panelaços, os moradores e apoiadores pediam providências para a situação na região, marcada por constantes alagamentos.

“Temos que limpar os bueiros, arrumar as ruas, tá tudo assim, ó, por conta do jeito que a gente chegou. Tá cada um por si, Deus por todos. A gente vai nos bueiros, tira o que pode tirar, mas são eles que têm que limpar. A paga água e esgoto. Então eles tem que fazer alguma coisa por nós, porque nós somos os mais pobres, os mais afetados. Eles dizem tá limpo, mas eles olham só na entrada ali, mas lá por dentro, tá horrível”, expõe a moradora.
Com uma população de 91.366 habitantes, representando 6,48% da população da Capital, o Sarandi possui um área de 28,76 km², 6,48% do total da cidade, e com densidade demográfica de 3.176,84 habitantes por km². Na enchente de maio, mais de 26 mil pessoas do bairro foram afetadas.
“A gente saiu de casa, ficou quase dois meses fora de casa, voltamos pra casa, ficamos sem nada e não, não conseguimos recuperar as coisas porque a gente tem medo. A gente vive em prol do medo e a gente precisa de ajuda urgentemente, antes que chegue o inverno”, enfatiza Maria Barbosa.

Problemas persistem após 10 meses da enchente
Presidente e cofundadora da cooperativa de costureiras Unidas Venceremos (Univens) e integrante da Associação Comunitária Nossa Vila Aparecida, Nelsa Nespolo aponta que nada foi feito pelo poder público, mesmo tendo passado 10 meses da enchente de maio.
Diante deste contexto, explica Nelsa, a manifestação da comunidade é para que seja retirado o lodo acumulado dentro das redes de esgoto, e que seja construída a uma galeria para que ela possa dar escoamento à água que se acumula nas ruas da vila.

“As redes de esgoto estão cheias de lodo. Nós estamos precisando da construção de uma galeria para que possa escoar a água. Nas últimas chuvas alagaram as casas de novo. E agora vem um período de chuvas de inverno. A gente não pode ficar assim. A gente sabe que tem uma cidade toda que está abandonada. E a gente está aqui sem ser visto. Como não foi visto também no período da enchente”, afirma.
Morador do Sarandi, Luciano Vieira comenta que a situação dos bueiros é um problema recorrente na av. Bernardino Silveira Amorim. Conforme enumera, há mais de sete bueiros entupidos, com tampas caídas. “É só ir ali ver. Aqui na Bernardinho, principalmente agora, tem dois ali tudo entupido. A prefeitura não tá fazendo nada por nós aqui. A gente não vê ninguém organizando. Hoje que eles resolveram vir fazer alguma coisa. Mas daí precisa a gente fazer isso (manifestação). Hoje estiveram o dia todo ai na volta.”

“A gente é lembrado na hora do voto, depois esquecem”
“Queremos que as autoridades nos ouçam e nos enxerguem e enxerguem esse povo de Porto Alegre, esse povo da zona Norte. Não é só a nossa vila, Nossa Senhora Aparecida, mas o outro lado da Assis Brasil, da Asa Branca, da União. Precisam ter obras urgentes. E são obras de manutenção, não são pontes, não são grandes obras. O que estamos pedindo é possível ser atendido”, cobra Nelsa.
Maria Barbosa, reforça o pedido de ajuda, dessa vez para a imprensa. “A gente precisa de ajuda e a gente tem que pedir Socorro para vocês (imprensa) para nos ajudarem. Para vocês é mais fácil de chegar neles (poder público). Porque nós, para eles, somos nada. A gente é lembrado nas eleições, na hora do voto, depois eles esquecem, é muito complicado.”
Nas eleições municipais, o prefeito Sebastião Melo (MDB) ganhou em todas zonas eleitorais do Sarandi.
O que diz o representante da prefeitura
Presente na manifestação, o diretor executivo do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Vicente Perrone, afirma que o Executivo municipal tem trabalhado em toda a cidade, em todas áreas que foram alagadas. São realizados trabalhos de hidrojateamento, super sugadores, limpeza e manutenção das redes.
De acordo com o diretor, atualmente há mais de 30 equipes fazendo o trabalho em todas as áreas atingidas. “Desde o Guarujá, Lami, até a zona Norte. Em todo Sarandi, temos feito limpezas de galerias e de canais que dão acesso tanto a casas de bomba quanto às casas de bombas internas. No caso aqui a casa de bomba nove e a casa de bomba 10.”

Perrone informa que há uma particularidade no local: a rede foi feita por um agente privado, fora das diretrizes do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (Dep). “É um processo judicial que está correndo, movido pelo município para que o proprietário refaça ou seja cobrado dessa refação dessa rede, que impacta diretamente na Senhor do Bonfim, no fim do beco Paris.”
O diretor afirma que são realizados serviços recorrentes de limpeza de boca de lobo. “Cada uma dessas vezes que há um protesto, uma reivindicação da população, estamos presente, conversando. Tivemos reunião hoje com a população aqui circulamos, mostramos os bueiros inclusive limpos.”
Conforme informou ao Brasil de Fato, há uma reunião marcada na subprefeitura na terça-feira (11). “Todos os caminhões disponíveis para essa região estarão aqui a partir de segunda-feira (10). A gente acredita que é um trabalho recorrente de limpeza e melhoria das redes e também de conscientização.”

Segundo o diretor, há uma questão muito importante de salientar, que diz respeito aos resíduos, de não colocação em lugares irregulares, e da coleta seletiva. “Inclusive fizemos um vídeo nas redes sociais da prefeitura e do Dmae, retirando do canal da bomba 10, na sexta-feira passada, um sofá. E mesmo assim a gente vem fazendo essa limpeza recorrente desses canais e a gente pede essa parceria com a população.”
Remoção das famílias do dique
“Foi uma manifestação importante aqui, que repercute pela cidade como um todo. Tranca uma via importante da cidade e o que a gente vê aqui são os carros, os moradores do entorno se solidarizando com essas pessoas porque entendem a necessidade e o direito que essas pessoas têm de ser tratadas com dignidade”, afirma o presidente da Associação dos Atingidos pela enchente do Sarandi, Mauricio Lorenzato.

Morador da Minuano, Lorenzato, pontua que os moradores da região estão unidos. “Em defesa do direito à moradia, dos direitos dos atingidos pela enchente no bairro como um todo, e na cidade como um todo.”
Além da questão dos alagamentos outra preocupação dos moradores do bairro é a remoção de 57 famílias que vivem em cima do dique, na rua Aderbal Rocha de Fraga.

“A gente não é contrário às obras, mas o que a gente defende é o direito à moradia das pessoas e as pessoas que tenham que ser removidas saiam com a chave e o local onde vão morar. E com a segurança de que vão ter o direito de morar em um lugar digno, em um lugar seguro. É isso que essas pessoas reivindicam.”
Nesta segunda-feira (10), será realizada uma vigília na Aderbal Rocha Fraga, em defesa do direito à moradia dos moradores que estão sendo retirados por conta das obras no Dique do Sarandi. Agendada para acontecer no final de fevereiro, o prazo para a retirada das famílias foi prorrogado até 10 de março.
Famílias em remoção querem sair de forma digna
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acompanha as famílias da região e reforçam a necessidade de apoio às famílias da região. Integrnte do movimento, Maria Aparecida Luge, a Cida, destaca a relação dos moradores com o MAB e as reivindicações.
“O MAB está no Sarandi desde as enchentes de maio levando ajuda solidaria e quentinhas, organizou os grupos de família e estamos mobilizados na luta por direitos. Os atingidos da Rua Aderbal nos procuraram com as notificações e prazos que a prefeitura deu, acham injusto querem mais prazo, eles não são contra as obras do Dick, mas querem sair de forma digna com seus direitos respeitados”, afirma.
Segundo Cida, foi oferecido pela prefeitura uma estadia solidária no valor de R$ 1 mil, que eles acham insuficiente. Já o programa Compra Assistida, em que famílais se cadastram para que o Governo Federal compre uma residência, é muito burocrático. “Ficaram de fora pessoas que moram sozinhas, e também quem tem salário maior que R$ 4.700, todos tem que estar na lista da Compra Assistida da Caixa. Os critérios pra desastres deveriam ser diferentes, pois as águas não perguntaram quem tinha CadÚnico”, avalia.
A prefeitura afirma que a remoção é indispensável para que o município possa executar obras de restauração do sistema de defesa contra enchentes, que não operou de maneira eficaz durante o desastre climático de 2024. O prazo inicial para a desocupação era 28 de fevereiro, porém foi prorrogado devido à dificuldade das famílias em encontrar novas moradias.
Conforme o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), até o momento, 45 famílias tiveram seus registros aprovados pela Caixa Econômica Federal para a aquisição dos novos lares por meio dos programas Compra Assistida. Desses, 14 assinaram o termo concordando com a saída e autorizando a demolição dos imóveis que ocupam atualmente.







