Centenas de mulheres marcharam neste sábado (8) em Caracas para apresentar pautas no marco do Dia Internacional da Mulher. Duas concentrações foram registradas na capital. Se por um lado o pedido era por melhores condições de trabalho, por outro, as venezuelanas levantaram bandeiras que ainda têm uma discussão incipiente no país.
Algumas organizações sindicais foram ao centro de Caracas para falar sobre salário e condições dignas de trabalho. De acordo Raquel Figueroa, professora e dirigente do Sindicato dos Professores da Venezuela, as mulheres venezuelanas são as que, proporcionalmente, ocupam a maior parte do mercado informal de trabalho.
“Lembramos a data histórica que deu origem ao Dia Internacional da Mulher. Essas mesmas bandeiras são as que hoje levantamos em 2025 na Venezuela. Historicamente, dentro de um contexto de exploração do trabalho, as mulheres são um dos grupos mais explorados. O mesmo acontece na Venezuela. A mulher venezuelana está na economia informal, no trabalho de rua, explorador, além do trabalho de casa”, afirmou ao Brasil de Fato.
Segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi) de 2023, levantamento anual realizado por três universidades venezuelanas, os homens recebem, em média, 7,7% a mais que as mulheres na Venezuela. As marchas também ressaltaram o papel de jornada tripla das mulheres, que, além de ter que trabalhar, cuidam das casas e das famílias.
Segundo Judith Leon, presidenta da Federação de Colégios Bioanalistas da Venezuela, essa diferença salarial, somada a violência de gênero, colocam a mulher ainda em uma condição de vulnerabilidade, ainda que com avanços.
“Marchamos não por ser o dia da mulher, mas também para reivindicar nossos direitos. Primeiro em relação à igualdade de gênero, porque há uma série de situações que nos diferenciam como mulheres e homens, tanto a questão do trabalho e dos salários quanto a própria condição social de violência de gênero”, disse ao Brasil de Fato.
Outra marcha também reuniu mulheres chavistas que também levantaram a pauta da violência de gênero e da formação. O grupo ressaltou que as transformações são lentas em qualquer espaço, e que um processo entendido como revolucionário precisa abarcar cada vez mais esses debates. Elas afirmam que já há uma série de leis que garantem que essa discussão esteja sendo feita e que há um caminho a ser trilhado.
A Venezuela tem uma regulamentação chamada Lei Orgânica Sobre o Direito das Mulheres a Uma Vida Livre de Violência. A norma tem 43 páginas e define os direitos no país, além de estabelecer mecanismos de proteção à vida das mulheres venezuelanas. Primeiro com a criação de ferramentas de proteção e segurança. Depois com a definição de organismos que sejam responsáveis pela formação. O texto cria, por exemplo, o Instituto Nacional da Mulher e Institutos Regionais e Municipais.
Yoney Gonzalez faz parte do Movimento Parto Humanizado e participou da marcha neste sábado. De acordo com ela, há um respaldo institucional para esses debates, mas faltam avanços ainda nas discussões da própria sociedade.
“As políticas públicas existem, mas falta um processo de transformação, no qual elas realmente sejam efetivas. Lamentavelmente o feminicídio é a forma mais extrema do homem sobre a mulher. Nas zonas mais distantes falta o processo de formação para construir algo novo e enfrentar essas violências. O processo revolucionário também é lento nesse sentido porque é processual e que vai propondo mudanças de acordo com o que nós mesmas estamos reivindicando”, afirmou.
Aborto fora de pauta
Um dos principais temas do movimento feminista em diversos países da América do Sul, o direito ao aborto ainda está fora de discussão na Venezuela. A reportagem esteve nas duas marchas e não viu nenhum cartaz com menção a interrupção da gravidez como um direito das mulheres.
A Venezuela proibe o aborto em qualquer situação. Outras nações como Argentina e a vizinha Colômbia já permitem o aborto de maneira livre e legal até um determinaddo período da gravidez. De acordo com Figueroa, esse debate ainda gera muita divisão dentro do próprio movimento feminista venezuelano.
“O aborto é uma questão que as mulheres não têm uma posição unificada no país. Há um setor que quer ampliar a discussão, mas há muitas outras mulheres que tratam esse tema como um tabu. Da minha forma de ver, o Estado tem que discutir a integralidade da saúde da mulher, o que envolve fazer a avaliação sobre o aborto também”, disse.
Para o setor que apoia o aborto, uma oportunidade para discutir esse tema é a reforma constitucional proposta pelo presidente Nicolás Maduro. A ideia do governo é promover essa votação ainda este ano. Brigytte Perty faz parte do movimento Las Hermanas Mirabal do partido Alianza para El Cambio e afirma que esse será um espaço possível para as mulheres que defendem o direito ao aborto, mas que é algo que o governo vai decidir se inclui ou não isso na reforma.
“A Venezuela não permite o aborto em nenhum caso. Há um setor que pede essa mudança já no contexto de uma reforma constitucional. A ideia seria permitir em algumas situações de violência. Mas cabe a sociedade fazer a proposta. O governo é responsável por incorporar ou não”, afirma.