A Câmara dos Representantes da Colômbia aprovou nesta quinta-feira (6) a reforma da saúde proposta pelo Executivo em segundo turno. A aprovação foi uma vitória para o presidente Gustavo Petro, que tem minoria no Congresso. A reforma na saúde era um dos principais objetivos do seu mandato, além das reformas trabalhista e da aposentadoria.
A proposta foi aprovada por 90 votos favoráveis e 28 contra. O texto tem 62 artigos e será votado agora em dois turnos no Senado. A nova regulamentação propõe uma ampla transformação na gestão da saúde colombiana. O primeiro ponto é que as unidades de saúde terão um atendimento prioritário para a região onde moram os cidadãos. Ou seja, o local de residência dos colombianos vai determinar quais são os principais hospitais e postos de saúde a que eles poderão recorrer.
Para isso, os moradores terão que fazer uma inscrição no Centro de Atenção Primária em Saúde (CAPS) mais próximo. Esses lugares funcionarão como centros de saúde onde os usuários vão quando precisam de um atendimento imediato. Os colombianos também terão acesso a uma Equipe Básica de Saúde Territorial, que são brigadas de saúde que estarão ainda mais capilarizadas nos bairros para garantir um atendimento primário.
Esses grupos serão compostos por médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais que fazem um atendimento direto na casa das pessoas. O diferencial destas brigadas é que elas não atuam somente em zonas urbanas, mas também em zonas rurais. A ideia é fazer uma avaliação do estado de saúde dos pacientes.
Outra mudança é uma maior transferência de responsabilidade da gestão da saúde para os estados, e não só de maneira nacional.
A reforma também propõe uma mudança nas entidades gestoras da saúde. Durante os últimos 30 anos, a gestão da saúde no país é feita pelas Entidades Promotoras de Saúde (EPS), que são empresas responsáveis por garantir os serviços do Plano Obrigatório de Saúde. A partir de agora, essa gestão será feita pelas Entidades Gestoras de Saúde e Vida (EGSV), que coordenarão hospitais e clínicas de média e alta complexidade.
Essas novas entidades também farão um trabalho de auditoria nas contas do Estado que correspondem aos serviços prestados. Elas ainda serão responsáveis por encaminhar os pacientes que são atendidos nos níveis básicos da rede para os de maior complexidade.
Outro ponto é a criação dos Serviços Sociais Complementares na Saúde, que são os serviços de que uma pessoa precisa para ter acesso à uma unidade de saúde e que dependem de outros fatores, como transporte, hospedagem, cuidado ou um assistente pessoal.
A reforma também tem um artigo que contempla uma ajuda econômica para maternidade, paternidade e por incapacidade derivada de uma doença de origem comum. O Ministério da Saúde ainda será responsável por definir um procedimento para o pagamento desses auxílios.
Batalha no Senado
Petro celebrou a aprovação em suas redes sociais. Segundo o mandatário, o texto é importante para garantir a “universalidade dos direitos fundamentais” ao povo colombiano.
“Agradeço o esforço da Câmara para aprovar a reforma da saúde. A Casa tem cumprido o objetivo de aprovar grandes reformas que garantam a universalidade dos direitos fundamentais na Colômbia. É o início do Estado Social de Direito”, disse em publicação.
Para o professor de Sociologia da Universidade de Antioquia Javier Sanchez, a aprovação na Câmara é uma vitória para o governo em um momento de crise interna e de diferentes conflitos para resolver. Ele afirma, no entanto, que a discussão no Senado pode ser mais dura do que na Casa Baixa.
“É um resultado fundamental para o governo, um respiro, mas vem a segunda parte da discussão no Senado, onde há agentes antiprogressistas muito mais fortes. Primeiro porque a presidência do Senado é totalmente oposta ao governo de Petro e disse que tentará impedir qualquer projeto que venha do governo. Mas essa aprovação atual dá um segundo fôlego em um momento de tensão”, afirmou ao Brasil de Fato.
O presidente do Senado hoje é o opositor Efrain Cepeda, do Partido Conservador. Há três semanas, ele afirmou que “não aprovaria coisas que considera nocivas aos colombianos”. O recado ao governo foi respondido com a nomeação de Armando Benedetti para o Ministério do Interior. Ele passou a negociar com Cepeda para destravar as reformas no Congresso. O governo entende que a atuação dele foi fundamental para a aprovação na Câmara e será importante no Senado.
A nomeação de Benedetti foi criticada por setores da esquerda já que ele é, historicamente, ligado a setores liberais e empresários colombianos.
A professora de Direito Constitucional da Universidade de Antioquia Dora Saldarriaga também entende que essa é uma vitória para o governo. Ela afirma que o tempo de Petro era curto para essas aprovações, já que a Colômbia terá eleições presidenciais em agosto de 2026, o que faz com que o Congresso deixe de priorizar temas estruturais.
“É muito positivo, embora tenha faltado a aprovação de questões fundamentais como a dignidade dos trabalhadores do setor da saúde. Acho que o governo Petro sempre esteve na incerteza nas decisões do Congresso, onde não tem maioria. Ainda há o fator da falta de tempo, já que em um contexto pré-eleitoral é muito mais difícil ter a aprovação desse tipo de projeto”, afirmou ao Brasil de Fato.
Dentro das suas principais pautas de campanha, Petro havia conseguido só a aprovação da reforma das aposentadorias no Legislativo. Ainda assim, o texto está parado na Corte Constitucional que avalia a legalidade da proposta, antes de entrar em vigência.
Além das pautas de reforma, Petro enfrenta também duas crises internas. A primeira envolvendo a escalada de violência na região do Catatumbo e o fim dos diálogos de paz com o Exército de Libertação Nacional (ELN). A outra partiu de uma reunião ministerial televisionada. No encontro, o presidente cobrou compromisso dos ministros com o seu projeto e disse que muitos dos projetos estão travados por inabilidade das pastas.
A cobrança levou à saída de quatro ministros, que pediram para deixar os cargos. Segundo o cientista político colombiano e integrante do Pacto Histórico Alberto Villa, pelo perfil conservador da política colombiana, Petro teve que costurar alianças desde a campanha eleitoral para conseguir se eleger e governar o país.
“Petro teve que se aliar com diferentes setores desde o começo, já que a esquerda é um setor minoritário. Tanto para ser eleito quanto para governar foi algo importante. Para as reformas não foi diferente, ele precisou de Benedetti para ter esse contato mais próximo com setores liberais e sociais democratas”, disse.