O pensador marxista Michael Löwy acredita que “o ecossocialismo parte da ideia de que um socialismo que não é ecológico não serve para nada, e uma ecologia que não é socialista, tampouco”. Portanto, explicou o pensador, “o ecossocialismo é um projeto de civilização, de mudança de paradigma da civilização atual”.
Em entrevista para o Brasil de Fato em parceria com o Clube de Aforismos, o filósofo brasileiro radicado na França acredita que o pensamento ecossocialista é a união as ideias-base do socialismo com as da ecologia, e que, portanto, é a resposta para o desastre ambiental que já estamos vivendo.
O processo de “catástrofe ambiental já começou. Inundações, ondas de calor cada vez mais insuportáveis, subida do nível do mar. Está evidente que o processo de estrago ambiental já começou e está se intensificando muito rapidamente”. Para ele, “o problema é o sistema vigente. É uma lógica sistêmica do modo produção capitalista, que exige expansão ilimitada, ocupação de mercados, produtivismo, consumismo, obsolescência programada, etc. Tudo isso é inerente ao sistema.”
A culpa da destruição ambiental “é de apenas um sistema econômico: capitalismo. Em particular na sua forma neoliberal, predominante nos últimos 50 anos. O processo de estrago ecológico e mudança climática já vem desde o século 18, mas se acelerou muito depois da Segunda Guerra Mundial e acelera ainda mais com o neoliberalismo. Mas começa na raiz do modo de produção capitalista”, enfatiza Löwy.
“A lógica do sistema exige isso, produtivismo, consumismo e, portanto, a destruição climática. Tudo isso é o sistema, seja na agricultura, no comércio, na indústria. E isso está nos levando à beira do abismo.”
Socialismo industrialista para industrialismo ecossocialista
O pensador marxista explica que o socialismo é parte essencial de uma eventual mudança que acabe com os desastres ambientais, mas que, o formato como o conhecemos atualmente deve ser repensado.
“É claro que o socialismo do século 21 recupera o que havia de mais humanista, revolucionário e democrático no sistema”, ressalta, “mas os modelos dominantes que se plantaram na Europa para esse socialismo de Estado, com a socialdemocracia, União Soviética e países do Leste Europeu, eram totalmente produtivistas e desastrosos”.
“O socialismo do século 21 precisa romper com a tradição de um socialismo produtivista com consequências ecológicas muito negativas. Temos que desenvolver um projeto e um programa socialista, que chamamos de ecossocialista, com uma crítica muito radical do que foi o processo industrialista da União Soviética”, pontuou Löwy.
“Crocodilo vegetariano”
Durante a entrevista, o pensador também falou sobre o Acordo de Paris e as reuniões ambientais, como a COP30 e a existência do chamado “capitalismo verde”. Segundo sua visão, “o acordo não serviu para nada”. Os países participantes “não cumpriram com as promessas, e não cumpriram porque não vai de acordo com o sistema de lógica capitalista de destruição. O Acordo de Paris não resolve nada, e as outras reuniões menos ainda.”
“Para parar com as emissões e com a destruição, temos que parar com a lógica capitalista. E disso eles são incapazes. Então, o capitalismo verde é como um crocodilo vegetariano […] é uma mistificação”, pontuou.
Segundo ele, romper com a destruição irreversível do planeta, caminho para o qual estamos caminho rapidamente, “implica romper com sistema capitalista e implica [colocar em prática] algumas ideias fundamentais do socialismo, que são a propriedade coletiva dos meios de produção e a planificação democrática, ou seja, as decisões serão tomadas pela população do que vamos produzir, levando em conta os limites do planeta e o movimento ecológico”.
“No ecossocialismo, os produtos serão reparáveis, duráveis e de acordo com as necessidades fundamentais. E quem vai decidir quais são as necessidades fundamentais será a população, e não o mercado. E isso suprimindo a publicidade, que impõe a você que consuma e compre. Assim, as pessoas vão descobrir o que faz parte das suas verdadeiras necessidades.”
A revolução ecossocialista
“Nós ecossocialistas estamos convictos de que precisamos de uma transformação revolucionária”, esclareceu Löwy. Walter Benjamin dizia que “Marx ‘definiu a revolução como locomotiva da história, mas quem sabe a revolução é um pouco diferente, com a humanidade puxando o freio para parar o trem’, e esse é exatamente o nosso caso. Nós somos passageiros de um trem suicida, que se chama civilização capitalista industrial moderna. então a revolução ecossocialista é isso, parar esse trem.”
Para ele, no entanto, “a revolução ecossocialista só pode resultar da vontade democrática da maioria da população, que pode começar com uma eleição, mas que só isso não é suficiente”. O filósofo pontuou que “a revolução socialista é uma revolução democrática, ou seja, se a maioria da população escolher esse caminho”.
A população mundial também tem muito a aprender com os povos tradicionais indígenas, segundo Löwy, que podem contribuir, e muito, com a revolução ecossocialista: “eles têm um modo de relação com a natureza totalmente diferente, de profundo respeito e harmonia com a natureza. Temos muito a aprender com essa relação harmoniosa com a natureza que os povos tradicionais têm.”
Sobre os planos do presidente Lula de exploração de petróleo na Amazônia, criticada pela grande maioria dos ambientalistas, além da própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Löwy vê exploração de petróleo como algo “com imensos perigos para a região da Amazônia”. Além disso, “você abrir mais um poço pra tirar mais milhões de litros de petróleo é um desastre ambiental”, assinalou.
A entrevista completa com o pensador marxista Michael Löwy está disponível no canal do Brasil de Fato no Youtube.