O governo federal lançou nesta segunda-feira (10), dois programas voltados para ampliar o acesso de grupos sociais minoritários à educação superior e técnica: o PartiuIF, que visa preparar estudantes do ensino fundamental para o médio técnico e profissional da rede federal de educação, e o CPOP, que cria a Rede Nacional de Cursinhos Populares preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ambos os programas priorizam jovens negros, indígenas de periferia e pessoas com deficiência.
Para o PartiuIF, o governo destina R$ 463 milhões em investimento até 2027, com uma expectativa de atender 78 mil estudantes. Já para o CPOP haverá, segundo o MEC, o investimento de R$ 74 milhões até 2027 para apoiar 324 cursinhos populares em todo o Brasil, que receberão, por turma, R$ 230 mil reais. Também foi criado um prêmio para os cursinhos com melhor desempenho.
A cerimônia de lançamento aconteceu em Natal (RN) e contou com a presença de autoridades e movimentos de defesa da educação. Em entrevista coletiva, o ministro da Educação, Camilo Santana, explicou a escolha do Rio Grande Norte para o lançamento dos programas.
“Aqui estão presentes pessoas do Brasil inteiro. Nós escolhemos o Nordeste, que representa o maior percentual de instituições que aderiram ao programa e que terá o maior número de turmas integrando essas ações”, disse o ministro. “Nós estamos querendo dar oportunidade para que as pessoas negras, quilombolas, pessoas com deficiência, de baixa renda, possam ter acesso ao ensino superior”, afirmou, explicando ainda como vão funcionar os programas.
“Os próprios Institutos Federais vão preparar os alunos do 9º ano para ingressar nesses IFs. Além disso, o aluno também vai receber uma bolsa, no mesmo valor do Pé de Meia, para poder garantir a permanência dele no cursinho”, explicou, sobre o PartiuIF. “São 600 unidades dos Institutos Federais que estão participando dessa ação. As aulas vão começar no dia 15 de março”, completou.
Sobre os cursinhos populares, o ministro fez referência às organizações sociais que inauguraram essas iniciativas por diversas periferias das grandes cidades brasileiras. “São ações criadas por organizações sociais, por entidades, por pessoas, para dar oportunidade a quem não tem oportunidade de fazer um cursinho, para que faça uma boa prova do Enem e consiga acessar a universidade”, disse Santana, destacando que os programas se somam a outras iniciativas federais, como a política de cotas, o Enem e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
“O Brasil é o país mais desigual do planeta”, declarou o ministro Camilo Santana, destacando ainda o reflexo desse dado na educação. “480 mil jovens abandonaram o ensino médio no último ano. Nós estamos falando de meio milhão de pessoas”, afirmou. “Um terço da população brasileira não concluiu o ensino básico nesse país. Esses números deveriam nos envergonhar”, concluiu. Santana ainda informou que o governo federal vai criar uma bolsa dirigida para a permanência dos estudantes indígenas nas universidades federais.
A governadora do Rio Grande do Norte (RN), Fátima Bezerra (PT) destacou o papel inclusivo dos programas lançados nesta segunda-feira. “São iniciativas muito importantes para que a gente possa avançar cada vez mais na inclusão social e na democratização do acesso à educação”, disse a governadora. “Esses programas significam trazer cada vez mais esperança e, sobretudo, oportunidades para que nossos jovens possam ter uma formação ainda melhor e ingressar exatamente nos Institutos Federais.

Programas são ‘alavanca’
Joelson Santos, coordenador da organização Educafro, dirigida à formação continuada de jovens negros periféricos, afirma que os programas são uma alavanca para um trabalho de mais de meio século realizado pela entidade. “A gente trabalha há mais de 50 anos fazendo cursos preparatórios. Agora, com esse programa [CPOP], vamos ampliar nossas ações e mudar a vida dessas pessoas”, disse.
“Eu sou filho do pré-vestibular comunitário, e acho que esse é um passo para transformar a realidade socioeconômica das nossas comunidades”, destacou Marcle Nascimento, integrante da Educafro. “Uma das diretrizes da Educafro é que as pessoas se formem e retornem a suas comunidades para formar outras pessoas, outros alunos. Então esses programas são uma alavanca não só para os estudantes, mas para todas as comunidades negras e periféricas do Brasil”, pontuou Andreza, que também é egressa da Educafro.

A potiguar Julia conta que passou pelo Cursinho Popular Dona Militana, que hoje coordena, e celebra a iniciativa do governo. “Para nós, é uma oportunidade única, porque a gente vê que é onde a educação de fato transforma a vida das pessoas. A gente está aqui maravilhada. É uma oportunidade que a gente vem muitos anos lutando para que a educação popular, de fato, chegue nas pessoas que precisam dela”, afirmou.
“Esse projeto poder fazer com que mais filhos da classe trabalhadora estejam nas universidades, para esses espaços cada vez mais possam tenham a cara no Brasil, e a gente sabe que isso transforma nas vidas, como transformou a minha”, disse, emocionada.
Karen viajou de São Paulo a Natal para acompanhar o lançamento dos programas. Ela integra a rede Podemos de cursinhos populares, e fala da dificuldade de seguir com os trabalhos sem apoio do poder público. “A realidade dos cursinhos populares hoje é um pouco complicada porque é totalmente voluntária, não tem recursos, e isso dificulta a permanência tanto dos professores quanto dos alunos”, relatou.
Paulo Mansan, coordenador da Rede Mãos Solidárias e membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destaca que a iniciativa deve contribuir com os projetos de educação no campo, que enfrentam uma realidade difícil diante da desconstrução dos programas. “A nossa luta constante é para garantir que as escolas não fechem, mas não está fácil, é preciso mais investimento, tanto do governo federal, mas em especial do estadual e municipal”, defende.
Segundo Mansan, o lançamento de programas com foco na juventude das periferias, além de indígenas e quilombolas, é um passo inicial para garantir um maior acesso à educação de qualidade. “Esse é mais um passo para garantir educação pública gratuita de qualidade e, especialmente, para a classe trabalhadora, porque o foco central dessa rede de cursos populares é fazer com que os jovens do campo e da cidade consigam acessar a universidade, em especial universidade pública e a rede de Institutos Federais”.
Em nota enviada à imprensa após a apresentação dos programas, a UNEafro, União de núcleos de educação popular pré-vestibulares e Enem para a juventude negra, indígena e periférica, que compareceu ao lançamento, destacou que “a criação da CPOP atende a uma demanda histórica de coletivos e movimentos sociais”.
“Organizações pressionaram o Estado para criar políticas que garantam o direito à educação para a população negra. A Uneafro Brasil, que atua há 16 anos na educação popular, faz parte dessa trajetória ao estruturar cursinhos comunitários em periferias do país. Essas iniciativas reduziram desigualdades e ampliaram o ingresso de estudantes negros no ensino superior”, reforça o texto.
*Texto atualizado às 16h15 do dia 10 de março para adição de posicionamento da Uneafro.