Na semana do Dia Internacional da Mulher, artistas, produtoras e ativistas encerraram o 8º Fórum de Mulheres no Hip Hop do Distrito Federal com encaminhamentos e demandas voltadas à equidade de gênero, combate à violência e garantia de direitos das mulheres no rap, breaking, graffiti e na profissão de DJ. O encontro foi sediado no Sesc Setor Comercial Sul, Brasília-DF.
Foram três dias de encontro, de 7 a 9 de março, reunindo cerca de 158 participantes em torno de debates sobre a cultura hip hop, atividades artísticas, produção dos grupos de trabalho e o anúncio da concessão da Casa da Mulher do Hip Hop no Distrito Federal, a segunda do país. O evento contou com a presença de Integrantes da Frente Nacional Mulheres no Hip Hop (FNMH2), como Iza Negratcha (SE), Sharylaine (SP), Lunna Rabetti (SP), Debora Schulz (ES), Edd Wheeler (RJ) e Deejay Lu (GO), personalidades conhecidas pela comunidade.
O Fórum foi organizado pela Frente Nacional Mulheres no Hip Hop (FNMH2), Instituto Periferia Livre e o Instituto Palco Cultura, em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal. O evento teve a coordenação de representantes do Fórum Nacional no DF, Vera Veronika e Ravena Carmo.
Durante o Fórum, foram formados grupos de trabalho para debater desafios e apresentar propostas para sete segmentos da cultura hip hop: rap, conhecimento, breaking, graffiti, DJ, direitos humanos, entre outros.
Entre os principais encaminhamentos do encontro, destaca-se a proposta de criação de mecanismos de inclusão para mulheres em editais de hip hop, com a adoção de cotas, assim como a criação de editais específicos para mulheres que atuam no enfrentamento de violência doméstica e de gênero e pontuação maior para mulheres que estejam sob medida protetiva. Segundo a coordenadora geral do Fórum e representante da FNMH2 no DF, Ravena Carmo, ainda há barreiras na contemplação de mulheres nos editais da categoria.
Ravena, pioneira do hip hop no DF e com uma trajetória de 20 anos no movimento, conhece de perto os desafios enfrentados pelas mulheres.
“Ainda somos vistas como mulheres que ficam atrás da cortina, que só fazem rima. Mulheres contempladas por editais ainda são minoria. É importante quebrar a narrativa de que são poucas mulheres dentro do Hip Hop”, aponta Ravena.
O Fórum também discutiu o combate ao machismo dentro da cultura hip hop, que se reflete na desigualdade de oportunidades e na falta de representatividade feminina nos palcos e eventos.
“Temos jornadas triplas, nós estamos sempre um passo atrás dos caras por causa das demandas diárias que nós mulheres temos e isso já nos afasta dos palcos, muros e livros. É uma luta constante para provar que a gente também sabe fazer”, desabafou a coordenadora Ravena Carmo.
Outro ponto central foi a diferença salarial entre artistas homens e mulheres. Segundo as participantes, há casos em que mulheres recebem até 50% a menos pelo mesmo trabalho.
“Discutimos maneiras de garantir nossos direitos e mecanismos para fiscalizar contratações dentro do circuito cultural do Hip Hop. Isso inclui a formulação dos contratos, a equipe técnica e a igualdade nos cachês, entre outros”, explica DJ Ketlin, moradora de Águas Lindas e mediadora do GT Breaking e DJs.
Além disso, foram levantadas propostas para aumentar a segurança das mulheres nos eventos, que precisam se deslocar com equipamentos e a própria segurança física, assim como a criação de espaços para crianças e mães lactantes, garantindo maior inclusão das mulheres na cena cultural.
“Queremos um Hip Hop mais igualitário, onde mulheres tenham oportunidades reais. Precisamos incluir temas como educação e saúde feminina nas políticas públicas. Por isso, o Fórum Distrital e Nacional são essenciais para dar visibilidade à nossa luta”, ressalta Thais Brito, B-Girl e produtora cultural de Águas Lindas de Goiás.
Casa da Mulher do Hip Hop no DF
O encontro também foi marcado por uma grande conquista: a criação da Casa da Mulher do Hip Hop no Distrito Federal. Localizada em Planaltina do DF, a unidade será a segunda do Brasil, sendo a primeira Casa, no Rio Grande do Sul. A iniciativa é uma parceria com o Ministério da Gestão e Inovação, por meio do programa Imóvel da Gente.
“Essa conquista levou 10 anos de luta. Agora, a nossa meta, como Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop, é ampliar esse projeto para outros estados”, destaca Ravena Carmo, coordenadora do Fórum.
A Casa da Mulher do Hip Hop será mais do que um espaço cultural. Além de atender às demandas artísticas, o local também oferecerá apoio jurídico e psicológico, programas de segurança alimentar, saúde mental e dignidade menstrual para mulheres em situação de vulnerabilidade e da cultura hip hop.
“Será um espaço de acolhimento. O foco é na mulher, mas a casa estará aberta a toda a comunidade. Quando atendemos mulheres, também atendemos crianças, adolescentes e famílias”, explica Ravena.
Cena do graffiti feminino
O Fórum também foi marcado por um momento importante para as mulheres do graffiti. O Sesc do Setor Comercial Sul, onde ocorreu o evento, cedeu paredes e o portão externo do prédio para intervenções artísticas, garantindo visibilidade à produção feminina no grafite.
A artista Thuzia Oliveira Rocha, conhecida como Scorpia, grafita desde os 20 anos e foi responsável pela identidade visual do evento.
“Hoje é a coisa que eu mais amo fazer e o meu trabalho e cada vez mais estamos alcançando novos espaços e isso atrai mais mulheres. Estamos conquistando o nosso espaço pouco a pouco. Estou muito feliz de estar aqui”, destacou Scorpia.
Atualmente, mais de 70 mulheres grafitam no DF, segundo Naiana Nati, produtora cultural e uma das precursoras do movimento feminino no grafite na capital.
“A cena do grafite feminino no DF aumentou muito e tem crescido cada dia mais. As novas gerações de mulheres estão se interessando pelo grafite”, afirma Nati.
A artista foi mediadora do GT de Graffiti e relata que entre as principais reivindicações da classe estão a ampliação da participação de mulheres em editais, a comercialização de produtos das artistas em eventos e feiras, a precificação justa dos trabalhos e a descriminalização do grafite.
“Hoje estamos no fórum com 32 mulheres de diferentes cidades e demandas, estamos com três artistas surdas, cada uma de nós tem suas singularidades e particularidades. Então o Fórum se torna muito importante para a unificação de pautas para enviarmos à Secretaria de Cultura e outros órgãos competentes”, destacou Nati.
O evento foi encerrado no domingo (09) com apresentações culturais, incluindo um show de adolescentes do Projeto RAP (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), iniciativa que busca transformar a vida de adolescentes que passaram pelo sistema socioeducativo por meio do Hip Hop.
“O trabalho do RAP é tentar romper o ciclo da vida infracional, advindo da vulnerabilidade social e passar a inseri-las em um ciclo virtuoso da cultura e da economia criativa e gerando renda para elas”, destacou o idealizador do projeto e professor, Francisco Celso L. Freitas.
Após o Fórum, todas as propostas elaboradas pelos grupos de trabalho serão compiladas em uma Carta de Recomendações das Mulheres do Hip Hop, que será enviada à Secretaria de Cultura do DF e a outros órgãos públicos.
“Eu espero que essas demandas cheguem nas pessoas que podem trazer essas melhorias para a cena feminina do Hip Hop e que alcancemos os resultados esperados. Esperamos ser ouvidas”, diz a mediadora do GT de Breaking e DJs, DJ Ketlen.











