A oposição de centro-direita venceu as eleições legislativas de terça-feira (11) na Groenlândia, marcadas por apelos pela independência da Dinamarca e sob as ameaças de anexação do território feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Segundo os resultados oficiais definitivos, o partido Democratas, autoproclamado “social-liberal” e favorável à independência a longo prazo, recebeu 29,9% dos votos, mais do que o triplo do resultado obtido nas eleições de 2021. O partido nacionalista Naleraq, que pede o rompimento imediato de todos os vínculos com Copenhague, ficou em segundo lugar com 24,5% dos votos.
A atual coalizão de governo formada pelos partidos Inuit Ataqatigiit (IA, ecológico de esquerda) e Siumut, social-democrata, foi punida pelos eleitores, que compareceram em massa às urnas. O IA perdeu 15,3 pontos e Siumut 14,7 na comparação com a eleição anterior.
Esta foi a eleição na Groenlândia que despertou mais interesse internacional, diante do desejo de Trump de tomar o controle do território. Coberta em 80% por gelo, a enorme ilha do Ártico de 57 mil habitantes, quase 90% deles do povo originário inuit, possui hidrocarbonetos e importantes minerais para a transição energética que despertam a cobiça de Trump.
O historiador Vijay Prashad, intelectual marxista indiano e diretor executivo do Instituto Tricontinental para Pesquisa Social aponta que o interesse de Trump na Groenlândia está relacionado a seu interesse de aumentar sua pressão contra a China.
“A Europa e os Estados Unidos importam 95% dos minerais e metais raros da China, que são muito úteis para a produção de alta tecnologia para melhorar as forças produtivas. Portanto, o desejo de Trump de anexar a Groenlândia, onde há um grande reservatório não explorado de minerais e exigir US$ 500 bilhões (quase R$ 3 bi) dos mesmos metais da Ucrânia é porque os EUA querem se dissociar da China e depois pressioná-la, para reverter seu desenvolvimento”, disse ao Brasil de Fato.
“OS EUA querem que a China pare de se desenvolver, essa é a agenda de Trump. Portanto, esse é realmente o projeto imperialista atual: interromper as outras guerras e concentrar a atenção na China.”
Convencido de poder adquirir “de uma forma ou de outra” o território autônomo dinamarquês, Trump tentou influenciar até o último minuto as eleições que renovarão as 31 cadeiras do Inatsisartut, o Parlamento local
“Nosso país está no olho do furacão”, disse na segunda-feira o primeiro-ministro Mute Egede. “O mundo exterior está nos observando de perto e vimos recentemente até que ponto eles tentam influenciar”, acrescentou.
Na madrugada de segunda-feira, Trump prometeu novamente em sua rede ‘Truth Social’ segurança e prosperidade aos groenlandeses que desejam “fazer parte da Maior Nação do mundo”. Contudo, uma pesquisa publicada em janeiro mostra que 85% dos groenlandeses rejeitam a opção.
O primeiro-ministro Mute Egede pediu respeito a Trump e lamentou que seu caráter “muito imprevisível” faça com que “as pessoas se sintam inseguras”. Por outro lado, os nacionalistas opositores do Naleraq veem no presidente estadunidense um possível apoio antes de negociar com a Dinamarca.
Formação de governo
Como nenhum dos partidos está em condições de assegurar a maioria dos 31 assentos do Parlamento, eles deverão negociar para formar uma aliança. A coalizão deverá delinear os procedimentos e o calendário que conduzam à independência desejada pela maioria de sua população.
Além do presidente dos Estados Unidos, os debates eleitorais se concentraram em saúde, educação e na relação com a Dinamarca, que conserva as competências diplomáticas, militares e monetárias da ilha ártica. Os habitantes da Groenlândia reclamam de ser tratados como cidadãos de segunda categoria pela Dinamarca, da qual todos os principais partidos desejam obter a independência.
No entanto, o consenso esbarra em fissuras a respeito do calendário: os nacionalistas do Naleraq desejam uma independência rápida, enquanto os membros da atual coalizão de governo condicionam o processo ao progresso econômico. Atualmente, o território depende economicamente da pesca, que representa quase todas as suas exportações, e da ajuda anual de quase 530 milhões de euros (R$ 3,366 bilhões) fornecida por Copenhague, o que representa 20% do PIB local.
Os independentistas mais impacientes consideram que a Groenlândia será autossuficiente com a exploração de seus recursos minerais, especialmente as terras raras. Porém, as reservas do território são modestas a nível mundial e o setor de mineração é muito embrionário, afetado pelos custos elevados de exploração provocados pelo clima hostil e pela falta de infraestrutura.
*Com AFP