Embora represente um avanço nas investigações, a prisão preventiva de quatro suspeitos de participarem do atentado ao Assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Tremembé (SP), ainda não chegou a todos os envolvidos no crime, de acordo com representantes do movimento.
“Nossa avaliação é a seguinte: além dos executores, tem mandantes. Por isso, as investigações precisam ter continuidade para se chegar efetivamente a quem está por trás dessa chacina”, afirma Gilmar Mauro, que integra a direção nacional do movimento.
Os quatro acusados tiveram a prisão decretada nesta quarta-feira (12), após denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e acatada pela 2ª Vara da Comarca de Tremembé.
Um dos acusados é Antônio Martins dos Santos Filho, conhecido como Nero do Piseiro, o primeiro a ser identificado pelas investigações. Ele estava detido desde o dia 11 de janeiro, um dia após o crime, em prisão temporária. O filho dele, Ítalo Rodrigues da Silva, também foi denunciado. Ele está foragido.
Os outros dois envolvidos, que também estão foragidos, são Geonatas Martins Bispo e Gilson da Silva Santos. De acordo com Mauro, todos são moradores da região de Tremembé.
“Num primeiro momento o delegado queria fechar a investigação só com o cara que está preso”, informa Mauro, que avalia que a pressão do movimento contribuiu para o avanço das investigações.
De acordo com depoimentos de vítimas e testemunhas, várias pessoas estavam na investida contra os agricultores.
“A nossa preocupação é que a Polícia Civil encerre as investigações apenas com a identificação desses quatro autores do crime, porque é sabido que houve um número muito maior”, diz Nilcio Costa, advogado que trabalha no caso. “Então é inadmissível que se conclua uma investigação indicando apenas quatro autores deste crime”, ressalta o advogado. Para ele, o crime conta com mais de um mandante.
De acordo com nota publicada pelo MP-SP, as investigações prosseguirão para a identificação de outras pessoas que participaram dos crimes. A Polícia Federal também trabalha no caso.
O caso
Por volta das 23h do dia 10 de janeiro de 2025, um grupo de pessoas armadas se aproximou da cerca de um dos lotes do assentamento Olga Benário. Quando os sem-terra se aproximaram, foram alvejados por diversos disparos. De acordo com as vítimas, os agressores estavam em pelo menos cinco veículos.
O ataque resultou na morte de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, de 52 anos, e Gleison Barbosa de Carvalho, de 28 anos. Outras seis pessoas foram baleadas.
Valdirzão era o coordenador do assentamento Olga Benário e uma das mais importantes lideranças do MST na região do Vale do Paraíba.
Em novembro de 2024, ele recebeu em seu lote a visita de Ítalo Rodrigues da Silva, que, segundo assentados, seria filho de Nero do Piseiro. Na conversa, Silva teria dito a Valdirzão que “comprou” uma área vaga dentro do assentamento e iria ocupá-la. O terreno é um dos 45 lotes do Olga Benário e tem cinco mil metros quadrados. De acordo com o movimento, a área pode valer até R$ 7 milhões.
O coordenador do MST teria explicado que a área não pode ser comercializada e nem ocupada por terceiros, pois pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que o movimento aguardava um parecer do órgão sobre quem deveria ocupar o terreno.
O artigo 189 da Constituição Federal estabelece que os lotes em assentamentos da Reforma Agrária não podem ser negociados pelo prazo de dez anos, mesmo que o beneficiário já tenha recebido título de posse da área. A venda de forma irregular pode ser considerada crime de estelionato e infração administrativa.
No dia 9 de janeiro deste ano, a coordenação do assentamento foi alertada por alguns assentados de que havia uma movimentação inesperada dentro do lote. Valdirzão convocou um grupo de integrantes do MST para ir ao terreno e notou que a bomba e o encanamento do poço artesiano que abastece o assentamento e irriga as lavouras haviam sido furtados.
Além do furto, os sem-terra notaram que a casa que ficava no lote estava sendo reformada. Novas janelas já tinham sido instaladas e havia entulho de obra espalhado pelo terreno.
O grupo de assentados, formado por 15 pessoas, entre elas crianças e mulheres, decidiu esperar o invasor para cobrar explicações. No dia seguinte, passava das 16h quando Silva surgiu em uma caminhonete e subiu o barranco que separa a cerca da propriedade da casa onde estavam os sem-terra.

Quando se encontram, segundo os sem-terra, a conversa foi tensa. Mais uma vez, Valdirzão avisou Silva sobre o lote não poder, por lei, ser ocupado sem a indicação e supervisão do Incra e o questionou sobre o furto da bomba que deixou o assentamento sem água. Irritado, o invasor partiu, mas prometeu retornar.
Diante da ameaça, os sem-terra mantiveram vigília no local. Horas depois, por volta das 23h, ocorreu o ataque. Os sobreviventes relatam aos policiais que entre os homens armados estavam Ítalo Rodrigues da Silva e seu pai, Antônio Martins dos Santos Filho, o Nero do Piseiro, que foi detido em flagrante no bairro Santa Tereza, em Taubaté (SP), cidade vizinha a Tremembé.
No dia 18 de janeiro, oito dias após o ataque ao assentamento, o MST organizou um ato em homenagem às vítimas, no Centro de Eventos de Tremembé. Com intervenções lúdicas, falas de militantes, autoridades políticas e religiosas, o ato ressaltou que o episódio não é um fato isolado, mas uma expressão “vil e covarde” de um cenário amplo de invasões criminosas de assentamentos da reforma agrária com interesses imobiliários.
Na ocasião, Mauro demostrou a insatisfação com as investigações até aquele momento. “Nós queremos não só a celeridade no processo, mas que se investigue a fundo os principais responsáveis, os mandantes daquilo que ocorreu aqui”, disse.