O Congresso Nacional votou e aprovou, nesta quinta-feira (13), a proposta que fixa regras para as chamadas “emendas parlamentares”, lotes de recursos do orçamento da União cujo destino é definido por deputados federais e senadores. O texto, que tramita como Projeto de Resolução do Congresso Nacional (PRN) n° 1/2025, resulta de uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Legislativo normatize o fluxo das verbas de forma a garantir maior transparência e rastreabilidade ao manuseio do dinheiro público. A proposta, apesar disso, suscitou controvérsias e recebeu duras críticas da Federação Psol-Rede e do partido Novo, que se opuseram ao PRN apontando fragilidades na medida.
Por se tratar de uma sessão conjunta do Congresso Nacional, a votação se deu em duas fases sequenciais ao longo da tarde: na Câmara, o texto foi aprovado por 361 votos contra 33; no Senado, a proposta foi chancelada por 64 parlamentares e rejeitada por três deles. A matéria não depende de sanção presidencial e deverá apenas ser promulgada pela mesa diretora do Legislativo federal, liderada pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP).
O texto em questão envolve a destinação de cerca de R$ 52 bilhões que serão distribuídos aos membros do Congresso se o orçamento de 2025 for aprovado da forma como está. No ano passado, o valor foi de R$ 49,2 bilhões. O montante tem vivido grande salto ao longo do tempo: em 2014, por exemplo, R$ 6,1 bilhões do orçamento da União tiveram o destino definido por parlamentares a partir da indicação de emendas.
Conteúdo
Em linhas gerais, o conteúdo do PRN 1/2025 modifica trechos da Resolução 1/2006 do Congresso para determinar um regramento para diferentes tipos de uso das verbas em questão. Para as emendas de comissão, por exemplo, o texto fixa pontos como restrição para obras de caráter estruturante, limite de oito emendas para cada colegiado e definição de um relator para analisar as sugestões de emendas recebidas por cada comissão. O projeto também prevê que as chamadas “emendas Pix”, que são transferências de recursos feitas em caráter especial, devem ser destinadas preferencialmente para a finalização de obras públicas inacabadas.
Entre outras coisas, o PRN prevê, paras as emendas individuais recebidas pelos parlamentares federais, um percentual de 2% da receita corrente líquida do exercício anterior. A proposta dita ainda regras para emendas de bancadas estaduais, determinando que as “indicações serão feitas pela bancada”, mas sem fixar a necessidade de indicação do responsável por cada sugestão.
Debate
A discussão do texto gerou críticas de parlamentares do Psol, que consideraram o PRN insuficiente para garantir a transparência no uso dos recursos. O partido é autor de uma das ações judiciais que questionam a legalidade da prática e que, em dezembro de 2022, fizeram o STF considerar o orçamento secreto como inconstitucional. As siglas PV, Cidadania e PSB também assinam ações judiciais com o mesmo questionamento junto à Corte. Sâmia Bomfim (Psol-SP) disse que o texto aprovado nesta quinta renova o fôlego da política do orçamento secreto, criada no governo Bolsonaro.

“É a repaginação do orçamento secreto, contra o qual nós estamos batalhando há anos aqui no Congresso Nacional. E, por mais que haja repúdio da sociedade, por mais que haja decisões do Supremo que sejam favoráveis ao nosso questionamento – afinal de contas, é inconstitucional, é má utilização dos recursos públicos –, o Congresso insiste em novamente fazer manobra para que se mantenha a irrastreabilidade, para que o povo brasileiro não saiba o que está sendo feito com o dinheiro público, com bilhões de reais, que novamente não obedecem ao arcabouço fiscal”, alvejou Sâmia.
A parlamentar também fez crítica de ordem comparativa sobre o que o Legislativo tem considerado como prioridade na hora de definir arrochos fiscais. “Tudo desrespeita as regras fiscais: dinheiro para a saúde, dinheiro para o Bolsa Família, dinheiro para a educação, tudo que é para melhorar a vida do povo tem que ter regra fiscal. Agora, emenda parlamentar, que é para fazer esquema – aqui não estou falando das emendas impositivas, e sim daquelas que são restritas, que o povo brasileiro não pode saber quem, nem para onde, nem quanto –, isso não tem limite de destinação, não tem limite imposto por regra fiscal, pela lógica do fiscalismo.”
Chico Alencar (Psol-RJ) disse que o Legislativo definiu “novas velhas regras” para a administração do dinheiro. “O céu é o limite. Vai se extrapolar até, sendo necessário, os limites do tal arcabouço fiscal. Parece que as emendas parlamentares viraram seiva e vida do exercício da atividade parlamentar. E [há] um elemento muito cristalino, compreensível para todo mundo, que nos traz uma grande interrogação: Por que não colocar a tabela com os nomes dos deputados [que indicam emendas]? Qual é a dificuldade disso? Por que não se quer isso? Nós temos que ser responsáveis por tudo o que fazemos, inclusive pelo acompanhamento para a eficiência. Esse é um dos princípios da administração pública, a publicidade e a eficiência, que estão na Constituição.”
Líder do partido Novo, a deputada Adriana Ventura (SP) reforçou as críticas e orientou a bancada a votar contra o PRN. “Isto é o modus operandi que a gente rechaça: sem transparência, sem critério, balcão de negócios. Esse projeto perdeu uma excelente oportunidade de tornar esse rito digno e transparente. A gente está chancelando a mesma coisa. É um projeto ‘me engana que eu gosto’, um projeto que desrespeita o dinheiro do cidadão brasileiro, uma vez que a transparência é zero. O nosso voto é ‘não’, com muita convicção.”
Do lado das siglas que votaram favoravelmente ao texto, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), por exemplo, disse que o PP vê no texto mecanismos que dão ao fluxo das emendas “a devida transparência”. “Agora, quero só dizer que o parlamento brasileiro, entre os Poderes, é o mais transparente deste país. Isso a gente tem aqui que destacar. Então, se alguém quiser falar em transparência, ninguém venha cobrar aqui desse parlamento. Nós não devemos, como parlamentares, estar aqui criticando esta Casa ou esse modelo. A gente deve estar construindo – e é o que estamos fazendo agora – e cada vez mais avançando e aperfeiçoando esses processos dentro desta Casa. Tem disputa de poder? Tem. A gente sempre tem, dentro da política, a disputa de poder. Isso é legítimo e faz parte desse processo. Mas acho que hoje já avançamos”, reagiu o ex-relator da reforma tributária na Câmara.
Líder do governo Lula no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) afirmou que o PRN “resulta de diálogo” entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. “O resultado desse diálogo foi essa resolução. Essa resolução é para cumprir todos os encaminhamentos e todas as exigências que o STF aqui fazia. É por conta disso que ela deveria e deve ser celebrada pelo conjunto do Congresso, pois é para resolver o que é de autonomia do Congresso, que é a utilização de recursos de emendas parlamentares, e para dar a essas emendas a garantia dos dois princípios que estão na Constituição: a transparência e a rastreabilidade.”
STF
Fora do Legislativo, o tema foi alvo de comentário por parte do ministro Flávio Dino, do STF, na manhã desta quinta (13). Ao abrir uma audiência de conciliação sobre outra ação judicial, o magistrado afirmou que as medidas tomadas em relação ao trâmite do uso de emendas “estão muito longe do ideal”, mas considerou que “passos concretos foram dados” nos últimos oito meses. O magistrado é o relator das ações sobre o orçamento secreto no STF.