Em decisão liminar, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo acatou pedido de reintegração de posse impetrado pela Suzano Papel e Celulose contra a ocupação de mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em uma área da empresa na cidade de Aracruz (ES).
Na manhã desta sexta-feira (14), uma oficial de justiça entregou a ordem de despejo no acampamento de mil mulheres estabelecido no terreno de 38 hectares. “Nós não vamos sair, essa foi a nossa decisão. Vamos negociar, é lógico. Tanto essa como as outras áreas que estamos reivindicando para o assentamento das famílias”, declara uma porta-voz do acampamento e integrante da Direção Nacional do MST.
“Foi autorizada a reintegração imediata”, explica Patrícia Costa, da Rede Nacional de Advogadas Populares e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Segundo a equipe de advogadas, composta também exclusivamente por mulheres, a oficial de justiça informou que caso não haja uma desocupação voluntária, um efetivo policial será deslocado de Vitória (ES) para fazer a remoção forçada. “A qualquer momento pode acontecer, mas ainda com essa pendência de estrutura”, explica Costa.
A ocupação foi feita na manhã desta quinta-feira (13), como parte da jornada nacional de luta das mulheres do MST, que neste ano tem o lema “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital”. Em meio a uma paisagem tomada por fileiras de eucalipto a perder de vista, as sem-terra ergueram barracas, uma cozinha coletiva, um espaço de saúde e outro de ciranda, dedicado ao cuidado com as crianças.

Além de denunciar os impactos ambientais da maior produtora de celulose do mundo, entre os quais estão a escassez de água gerada na região e o uso de agrotóxicos como o glifosato, a ocupação visa pressionar que terras da empresa sejam destinadas para a reforma agrária.
O MST reivindica que a Suzano, em conjunto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cumpra um acordo firmado em 2011 e ceda 22 de suas áreas para serem transformados em assentamentos.
Na avaliação da porta-voz do movimento, a liminar de despejo foi fruto “de um rito acelerado da parte do judiciário pela própria articulação da empresa, que tem usado a nossa ocupação com a artimanha da ameaça”. De acordo com Joana, a Suzano diz que vai sair da mesa de negociação a respeito das 22 áreas caso o MST não se retire do novo território ocupado.
14 anos sem cumprir acordo
“A mesa de negociação que a empresa diz que existe, na verdade, nós não temos nenhum tipo de participação sobre ela”, rebate a porta-voz do MST. “É uma artimanha que a empresa nos coloca, mas não é legítimo. Não é legítimo ela querer se retirar de algo que vem em andamento já há muitos anos. E que, na verdade, está parada. A mesa de negociação neste momento não funciona. Então, queremos que ela funcione”, demanda.
“Estamos reivindicando que nossas áreas que estão em negociação sejam efetivadas. Que os pagamentos sejam realizados e as famílias regularizadas. Cabe aos órgãos responsáveis e à própria empresa rearticular o que não está andando. Para que daqui tenhamos no mínimo a efetivação ou a alocação das famílias em uma área em que tenham condições de permanecer”, defende a dirigente.
O Brasil de Fato pediu um posicionamento da Suzano Papel e Celulose a respeito da nova ocupação e da demanda pelo avanço da negociação que se arrasta há 14 anos. Não houve retorno até o fechamento da matéria, mas o texto será atualizado caso haja.
A área ocupada em Aracruz beira a rodovia ES-445, conhecida como rodovia das carretas, que faz ligação com a rodovia ES-010. De acordo com a própria Suzano, é por ali que é transportada cerca de 80% da madeira que abastece a fábrica da gigante papeleira. É “iminente o risco da sua paralisação”, argumentou a Suzano, no pedido de reintegração de posse.
Na decisão, a juíza Thaita Campos Trevizan afirma que “a continuidade da ocupação ilegal pode resultar em danos ambientais e patrimoniais significativos à parte autora”. Parte autora esta que, segundo apuração da DW a partir da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, enfrenta 262 prováveis processos civis e ambientais, além de 2.449 trabalhistas.

“Eles é que provocam o desequilíbrio ambiental”, ressalta a representante do Movimento. “A gente trabalha com recuperação de solo, com agroecologia. Temos outra perspectiva da relação com a própria água”, contrapõe a sem-terra.
No Brasil, o MST tem 1.925 famílias em 11.839 hectares de terra em conflito com a Suzano. Destas, seis áreas estão no Espírito Santo, onde as negociações estão paralisadas desde 2023, quando foi feita a última ocupação de terra, também na cidade de Aracruz.
Na tarde desta sexta-feira (14) será realizado um “café pela reforma agrária” na ocupação com aliados do movimento, em defesa da permanência no território.