Nesta sexta-feira (14), Dia Internacional de Luta Contra as Barragens, pelos Rios, pela Água e pela Vida, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou diversos atos em defesa dos direitos das populações impactadas por esses empreendimentos. As manifestações terão continuidade no sábado (15), atingindo 14 estados brasileiros.
Em uma das ações mais significativas, representantes do movimento participaram de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Belo Horizonte, onde apresentaram denúncias contra a mineradora Vale.
A empresa é envolvida em dois dos maiores desastres ambientais do Brasil: o rompimento das barragens de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, que deixou 19 mortos; e da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em 2019. Este último caso resultou em 272 mortos e esteve no centro do debate na audiência.
Os manifestantes questionaram o encerramento do Programa de Transferência de Renda (PTR), que garante auxílio emergencial aos atingidos pelo crime ambiental em Brumadinho. O programa, que estabelece pagamento mensal de até meio salário mínimo aos beneficiários, será encerrado em 2026.
No entanto, de acordo com a denúncia do movimento, algumas pessoas já tiveram o valor cortado pela metade.
“Isso cria um impacto muito grande, porque as pessoas passam a voltar à fome”, afirma Joceli Andrioli, integrante da coordenação nacional do MAB.
Além de pedir a reversão do fim dos pagamentos, o movimento exige a continuidade das indenizações. De acordo com o MAB, apenas 10% dos atingidos foram indenizados. Além disso, os projetos comunitários e a recuperação ambiental e socioeconômica da área seguem paradas.
“A água continua contaminada, os planos de saúde têm aumentado, e também os direitos coletivos, que até hoje as instituições de justiça não conseguiram implementar os projetos coletivos que estão prevendo o acordo”, denuncia Andriolli.
Após a audiência, os manifestantes caminharam até o Fórum Cível e Fazendário Raja Gabaglia (TJMG) para uma reunião com o juiz do caso.
Na ocasião, o MAB ajuizou uma Ação Civil Pública solicitando que a Vale seja condenada a continuar pagando renda emergencial aos atingidos pelo crime em Brumadinho até que a reparação integral seja alcançada.
Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a Vale informa que realizou o depósito de R$ 4,4 bilhões referentes ao acordo estabelecido em justiça para a reparação dos danos.
“O PTR foi acordado como uma ‘obrigação de pagar’ da Vale, ou seja, a Vale faz o pagamento e não participa da gestão dos recursos nem da execução do programa. Em outubro de 2021, a empresa realizou o depósito de R$ 4,4 bilhões previstos para esta obrigação e, desde novembro de 2021, o programa foi implementado e é gerido pelas Instituições de Justiça, e gerenciado pela Fundação Getúlio Vargas (sem a participação da Vale). Com o depósito em juízo do valor correspondente ao PTR, foi encerrada a obrigação da Vale referente ao tema”, informa a nota.
Barragens prejudicam rotina de comunidades
Atualmente, existem 29.370 barragens cadastradas no Sistema Nacional de Segurança de Barragens da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), de diferentes usos e em todos os estados brasileiros.
Embora o Brasil tenha casos emblemáticos, como o rompimento das barragens em Minas Gerais, a luta do MAB chega a outras comunidades que sofrem com diversos problemas decorrentes de empreendimentos com impactos socioambientais.
Um exemplo são as barragens feitas na instalação de hidrelétricas, que exigem muitas vezes a remoção de famílias e alteram o modo de vida de comunidades inteiras.
De acordo com o MAB, quase 1 milhão de pessoas vivem perto de barragens potencialmente perigosas no Brasil. “Barragem não só para geração de energia elétrica, tem barragem para acúmulo de rejeitos da mineração, barragens para acúmulo de água relacionadas ao saneamento no Brasil”, enumera Francisco Kelvim, da coordenação nacional do MAB.
Os projetos de hidrovias, que envolvem barragens e alteração em curso e profundidade de rios, são um exemplo de empreendimento nocivos às comunidades tradicionais. Em Marabá, os manifestantes saíram em barquetas pelo rio Tocantins, levantando faixas em protesto contra a hidrovia Araguaia-Tocantins que interliga as regiões Centro-Oeste e Norte.
O projeto, idealizado na década de 90, surgiu como uma alternativa para atender, principalmente, ao transporte de commodities, como a soja e o minério. A obra prevê modificações no rio e pode trazer prejuízos para comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
Em Macapá, a instalação de uma hidrelétrica causou a morte de diversas espécies de peixes. A tragédia vem sendo observada há cerca de nove anos.

Neste dia 14, manifestantes realizaram um ato em frente ao prédio da Justiça Federal reivindicando justiça após nove anos da mortandade de peixes no Rio Araguari.
De acordo com os relatos de moradores da região, a morte dos peixes aconteceu após o nível da água baixar rapidamente por conta da operação da barragem da hidrelétrica Cachoeira Caldeirão.
A tragédia causa prejuízos para moradores das comunidades próximas ao Araguari, especialmente pescadores e ribeirinhos, cujo sustento depende diretamente do rio.
Outras manifestações
Em Francisco Beltrão (PR), o MAB realizou o encontro regional de 34 anos do movimento, com o tema “É Tempo de Avançar”.
Em Porto Alegre (RS), o movimento realiza a mostra de bordados “Águas para a vida: mulheres atingidas bordando a luta”, na Biblioteca Pública do Estado (BPE). Os trabalhos foram feitos por mulheres de comunidades atingidas pela enchente de 2024 e pelo rompimento de barragens no Rio Grande do Sul.
As peças incluem trabalhos com bolsos costurados. Dentro deles, há cartas dessas mulheres explicando o que as motivou a fazer o bordado. A exposição segue aberta ao público até o dia 31 de maio.
Em Rondônia, o MAB organiza assembleias e reuniões de coordenações regionais de atingidos por barragens nos municípios de Candeias do Jamari, Porto Velho e Machadinho do Oeste.
Entre as principais demandas do movimento está a regulamentação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), lei 14.755, sancionada em 2023, mas ainda sem implementação efetiva.
A política delimita quem são as populações atingidas por barragens, estabelece os direitos dessas pessoas e propõe mecanismos para reparação nos processos de construção, operação ou em virtude de rompimento de barragens.
Para Kelvim, a articulação em defesa dos direitos das comunidades atingidas por barragens em diferentes regiões do Brasil se faz ainda mais necessária em um cenário de crise climática.
“É preciso que haja todo um processo de assessorias técnicas nas comunidades atingidas, pra gente compreender não só do ponto de vista socioeconômico, mas o o que é necessário de reparação para as populações nessas diferentes realidades do Brasil nos próximos anos”, avalia.
O Dia Internacional de Luta Contra as Barragens estabelecido em 1997, durante o 1º Encontro Internacional dos Atingidos por Barragens, realizado em Curitiba (PR).