A saída da Chevron da Venezuela ainda gera debate sobre o futuro da economia venezuelana. Se por um lado a oposição afirma que a medida terá impactos desastrosos para a economia venezuelana, o governo diz que o país está preparado para lidar com uma queda na produção e tem instrumentos suficientes para suprir a falta de dólares.
A Venezuela chegou em janeiro e fevereiro a produzir 1 milhão de barris de petróleo por dia. Esse valor representa uma retomada depois de 8 anos de sanções contra o mercado petroleiro venezuelano e era uma meta da gestão de Nicolás Maduro. Desse total, cerca de 200 mil barris eram produzidos por dia pela empresa estadunidense Chevron, que atua no país por meio de empresas mistas com a estatal venezuelana PDVSA.
No final de fevereiro, Trump anunciou que a Casa Branca não renovaria a licença para que a Chevron atuasse na Venezuela. A empresa então teria 30 dias para encerrar suas atividades no país. Os impactos econômicos para Caracas não estão claros e ainda são difíceis de ser calculados. Considerando os valores do barril de petróleo desta quarta-feira (12), a Venezuela deixará de receber US$ 13,5 milhões (R$ 78,6 milhões) por dia só com a saída da Chevron.
O governo venezuelano teve que se mobilizar e preparou um “plano de produção autossuficiente”. Em um primeiro momento, a vice-presidente e ministra do Petróleo, Delcy Rodríguez, disse que lançaria um Plano de Independência Produtiva para combater a medida da Casa Branca. No entanto, ela não explicou como funcionará o plano e não deu detalhes sobre as atividades.
Para alguns setores chavistas, o anúncio foi uma forma de responder de maneira rápida para evitar um sentimento de “ansiedade” na população. Nesta quinta-feira (13), Maduro disse que o plano para produção própria envolveria diferentes frentes.
Primeiro, o governo fará um processo de certificação para reservas de petróleo e novas descobertas. Com isso, a meta é aumentar a especulação sobre a produção venezuelana e passar um recado ao mercado de que o país continua como a grande referência em termos de reservas.
O presidente disse também que o país começou uma parceria com a Universidade de Ciências Humberto Fernández Morán, a Universidade de Hidrocarbonetos e o Instituto de Tecnologia Venezuelana para o Petróleo, para desenvolver tecnologias que garantam um menor custo de produção.
Outra parte do plano envolve a empresa mista PetroZamora. A companhia tem a participação da petroleira dos Emirados Árabes Gazmin International (40%) e foi autorizada a reativar 780 poços no país. De acordo com Maduro, a projeção é que a empresa passe de 60 mil barris extraídos diariamente para 100 mil nas próximas semanas.
Jogada dos EUA
Para analistas venezuelanos ouvidos pelo Brasil de Fato, a decisão de tirar a estatal petroleira do país é parte de uma jogada dos Estados Unidos para exercer maior pressão sobre o governo de Nicolás Maduro. David Paravisini é engenheiro e especialista em políticas públicas de energia e afirma que a Chevron investiu durante quase 100 anos em uma infraestrutura que vai ficar na Venezuela, que pode ser usada pela PDVSA, que já tem empresas mistas com a companhia estadunidense.
“A Chevron é uma espécie de jogada, uma peça dos EUA, não é independente dos interesses dos EUA. Essa é a situação que está colocada, os investimentos ficaram, há um espaço para o crescimento de 200 mil barris de petróleo por dia da própria Venezuela. Para mim é óbvio que há um ajuste da indústria petroleira para os interesses nacionais, por isso a vice-presidente [Delcy Rodriguez] está como ministra do Petróleo”, disse ao Brasil de Fato.
A queda no valor arrecadado por si só não tem um impacto significativo para o país. O que realmente pode prejudicar são outras questões estruturais e, principalmente, de inserção no mercado internacional. Para o engenheiro e pesquisador Johny Hidalgo, a medida de Trump representa uma sinalização para outros investidores que pretendem atuar na Venezuela.
“O país tinha uma produção de cerca de 3 milhões de barris por dia. O que me parece importante é a referência que deixa para outros investidores. Os problemas da indústria petrolífera venezuelana são muito mais profundos do que a simples participação de investidores estrangeiros. Há outras questões que precisam ser resolvidas, principalmente de inserção no mercado internacional”, afirmou ao Brasil de Fato.
A Chevron atua na Venezuela desde 1922, quando ainda se chamava Standard Oil. Naquele momento, a Venezuela era governada por Juan Vicente Gómez, que foi responsável por uma série de concessões a empresas petroleiras estrangeiras. As empresas petroleiras começaram a ter, ao longo do tempo, uma interferência cada vez maior na política da Venezuela
Hoje, a Chevron atua no país por meio de 4 empresas mistas: Petroindependência, Petropiar, Petroboscán e Petroindependiente. As renovações automáticas foram sendo cumpridas até hoje, mas serão interrompidas a partir de agora. Na época, a decisão de permitir esses contratos foi um alívio na política de “máxima pressão” exercida pelos Estados Unidos sobre a economia venezuelana.
Essas petroleiras pertencem majoritariamente à PDVSA (60%), mas têm participação de 34% da Chevron. De acordo com a lei de hidrocarbonetos da Venezuela, as empresas mistas devem pagar 33% de royalties para a PDVSA e 50% de imposto de renda para o Estado.
As medidas coercitivas unilaterais contra o setor petroleiro venezuelano começaram a ser emitidas em 2017 pelo próprio Donald Trump em seu primeiro mandato, mas, desde 2022, a Chevron tinha uma licença para atuar na Venezuela que contava com renovações automáticas. Essas renovações foram sendo cumpridas até hoje, mas serão interrompidas a partir de agora. Na época, a decisão de permitir esses contratos foi um alívio na política de “máxima pressão” exercida pelos Estados Unidos sobre a economia venezuelana.
Desde o começo das sanções, a Venezuela experimentou uma baixa na produção petroleira. Se em 2012 o país chegou a produzir e exportar cerca de 3 milhões de barris de petróleo por dia, em 2019 essa produção baixou para 300 mil. Agora, o governo começa a retomar a produção, atinge uma média de 1 milhão de barris diários e se diz preparado para enfrentar um novo golpe na economia com a saída da Chevron.
O deputado federal e ex-presidente da Comissão de Petróleo da Assembleia Nacional, Ángel Rodríguez, afirma que essa decisão não é uma surpresa para o governo depois da eleição de Trump, mas que pode afetar o próprio mercado estadunidense.
“O mercado energético mundial está muito desequilibrado e essa decisão afeta os próprios EUA. Mas além disso, a Venezuela tem condições materiais que vai conseguir suprir qualquer empresa que seja sancionada. A Venezuela cresceu a sua produção independente disso. Terá uma baixa na produção de maneira momentânea, mas não a médio, longo prazo”, afirmou ao Brasil de Fato.
Dentre os artifícios usados pela indústria petroleira venezuelana nos últimos anos esteve a triangulação para vender petróleo no mercado asiático. A ideia foi vender petróleo para uma empresa terceira que revenderia para outros países. Mesmo sendo uma forma de garantir a entrada de dólares em um contexto de proibição da venda do petróleo, o produto tinha um desconto de quase 40% se comparado aos preços do mercado internacional.
Paravisini afirma que o objetivo de Trump é exercer pressão sobre o governo venezuelano, mesmo depois de uma experiência frustrada em seu primeiro governo. Ele afirma que o prejuízo será a venda de petróleo por um preço mais baixo que o do mercado.
“Os objetivos dessas sanções é provocar uma situação política para exercer pressão. O resultado pode ser que, no final, o petróleo saia com algum desconto e com isso seja prejudicial para a Venezuela”, disse.
Além da Chevron, outras empresas estrangeiras ainda atuam no país. Mesmo com uma presença que não é tão expressiva, a espanhola Repsol e a italiana Eni mantêm uma presença na Venezuela e produzem, juntas, cerca de 70 mil barris diários de petróleo. Segundo Rodriguez, é possível que o espaço da Chevron inclusive seja ocupado por outras empresas estrangeiras que têm interesse em exportar petróleo.
“Há um conjunto de associações entre empresas nacionais e internacionais que estão trabalhando. Com a saída da Chevron, terá outra empresa que vai substituir. Isso tem um efeito na campanha midiática, mas não tem efeito político prático. A triangulação já era feita no momento mais crítico. Agora, há outros clientes que vieram nos últimos tempos que podem permitir que esses recursos”, afirmou.
O impacto para os trabalhadores do petróleo também é avaliado como pequeno. De acordo com o Conselho Produtivo de Trabalhadores (CTP), há 86 mil pessoas que trabalham diretamente com operações do petróleo na Venezuela e apenas 2.600 estão ligados à Chevron.
Para Manuel Páez Moreno, dirigente do CTP afirma que há uma preocupação com a questão salarial para os trabalhadores do petróleo com a saída da Chevron. Mas, de acordo com ele, o governo conversou com a categoria e garantiu compromisso não só na manutenção, como também na ampliação dos auxílios para os funcionários.
“Nossa condição salarial é uma coisa. Nosso salário está diminuto, mas os ingressos integrais estão acima dos 400, 500 dólares mensais, o que é um respiro para os trabalhadores. Ouvimos que há o compromisso do governo de fazer isso mesmo com a saída da Chevron”, disse ao Brasil de Fato.
Recuo de Trump?
Os especialistas ouvidos afirmam ser possível que a Casa Branca dê passos atrás se não conseguir o efeito esperado. Segundo Angel Rodriguez, a necessidade de ter petróleo também pode pesar para um retrocesso nessa medida.
“A necessidade vai obrigar os EUA a estabelecerem um tipo de relação para conseguir petróleo. A rota mais próxima é a Venezuela, é a mais fácil para eles. Então eles podem ser empurrados para isso. Somos testemunhas de como os investimentos internacionais estão buscando maneiras de investir no país e isso não mudou. O petróleo segue sendo um fator importante e determinante para a qualidade de vida de muitos países e nós não vamos deixar de comercializar”, disse.
Para David Paravisini, a Chevron aceitou entrar no sistema de empresas mistas depois da nacionalização promovida pelo ex-presidente Hugo Chávez, o que colocou a petroleira em um outro patamar de relações com o próprio Estado venezuelano, que passou a entender a empresa como uma entidade importante para a produção nacional.
“Isso foi um impacto porque a Chevron não rompeu com a Venezuela em 2007 quando houve a nacionalização, aceitou uma participação minoritária. Aceitou as medidas e passou a trabalhar com isso. Quando dá a licença ela retoma a exploração”, afirmou.
O presidente da Chevron, Andy Walz, afirmou em um evento nesta semana que a companhia pode buscar substituir o petróleo venezuelano em outros mercados, como no Brasil, México e Oriente Médio. A empresa, no entanto, tem um problema para isso. As suas refinarias que trabalham com o óleo venezuelano estão formatadas para refinar petróleo pesado. Ou a empresa encontra outra fonte de petróleo pesado, ou terá que reformatar grande parte da sua estrutura.