O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou por cima de uma decisão judicial e impôs uma promessa de campanha ao deportar 238 venezuelanos no domingo (16). Eles são acusados de fazer parte do grupo criminosos Trem de Aragua. Com isso, os denunciados foram levados à prisão de segurança máxima conhecida como Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot).
A decisão do republicano foi posta em prática no sábado, após a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. A legislação estabelece que qualquer pessoa que esteja nos Estados Unidos e seja considerada de uma organização terrorista está sujeita a ser deportada como “inimigo estrangeiro”. Esses cidadãos, no entanto, precisam ter mais de 14 anos e não podem ser naturalizados ou residentes permanentes dos EUA.
Segundo Trump, o grupo expandiu as operações para os EUA depois da imigração massiva de venezuelanos nos últimos anos. O republicano afirmou os integrantes do Trem de Aragua invadiram o país e estavam “conduzindo guerras irregulares e tomando ações hostis” com o objetivo de desestabilizar os Estados Unidos.
A lei, no entanto, foi barrada pelo juiz federal de Columbia, James Boasberg, ainda no sábado (15). De acordo com ele, a decisão “não tem uma base para a proclamação do presidente, dado que os termos invasão, incursão predatória realmente se relacionam a atos hostis perpetrados por qualquer nação e proporcionais à guerra”.
Mesmo assim, o secretário de Estado, Marco Rubio, confirmou no domingo a deportação dos venezuelanos acusados de integrarem o grupo. Em publicação nas redes sociais, ele agradeceu o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, por receber os “primeiros” 238 deportados. O salvadorenho respondeu afirmando que os Estados Unidos “pagarão uma taxa muito baixa pelos deportados, mas uma taxa alta por nós”.
Bukele faz referência ao acordo entre seu governo e a Casa Branca para a recepção dos venezuelanos. Os EUA pagarão US$ 6 milhões (R$ 35 milhões) para El Salvador prender 300 supostos integrantes do Trem de Aragua por um ano.
O Departamento de Justiça dos EUA recorreu da decisão. Segundo a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, não houve descumprimento de medida judicial por parte do governo. “A ordem, que não tinha base legal, foi emitida depois que estrangeiros terroristas do Trem de Aragua já tinham sido removidos do território dos EUA”, afirmou.
Caracas responde
O governo venezuelano criticou a medida. Em dura nota diplomática, o Ministério das Relações Exteriores disse que a lei criminaliza de forma “infame e injusta” a migração venezuelana. Ainda de acordo com o texto, o ato faz referência aos episódios “mais sombrios da história da humanidade”.
Na nota, o governo chama a lei de “anacrônica” e afirma que a medida viola não só as leis fundamentais e atuais dos Estados Unidos, mas também o sistema jurídico internacional relativo aos Direitos Humanos, a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias e a Declaração sobre os Direitos Humanos de Indivíduos.
A chancelaria venezuelana afirmou ainda que a saída de venezuelanos para outros países está diretamente relacionada ao bloqueio econômico imposto pelos próprios Estados Unidos sobre a Venezuela. De acordo com o texto, as sanções contra a economia do país criaram uma série de dificuldades ao povo.
“Os migrantes venezuelanos que cruzaram nossas fronteiras em busca de alternativas de vida o fizeram por razões econômicas, consequência das dificuldades impostas ao nosso povo pelo bloqueio criminoso de nossa economia, imposto pelos governos ocidentais contra toda a sociedade venezuelana para executar seus planos de mudança de regime na Venezuela. A grande maioria dos migrantes são homens e mulheres trabalhadores, dignos e honestos. Eles não são terroristas, criminosos ou ‘estrangeiros inimigos’. Elas são vítimas”, afirmou o texto.
Ainda de acordo com o governo, os venezuelanos estão sendo perseguidos nos EUA, que usam de mais uma ferramenta de sanção contra a Venezuela. A nota afirma também que lideranças da oposição de extrema direita são responsáveis por criar uma rede criminosa que leva venezuelanos para outros países do mundo. O texto termina pedindo apoio de organismos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos contra esse tipo de medida.
“É um precedente perigoso para toda a nossa região. A unidade e a solidariedade da nossa América são a única resposta possível a essa tentativa de segregação, perseguição e desapropriação em massa”, afirmou.
O secretário-geral da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba-TCP), Jorge Arreaza, também se manifestou e disse que a decisão do governo de El Salvador de receber os deportados é uma prática de “neonazismo” contra os migrantes e viola os direitos humanos. Ele disse também que, ao prender deportados em presídios de segurança máxima, El Salvador cria “campos de concentração”.
O que diz a Lei
A Lei de Inimigos Estrangeiros foi criada em 1798 e dá aos presidentes estadunidenses a prerrogativa de ordenar a prisão e expulsão de cidadãos de países que estejam em guerra com os EUA ou que mantenham “hostilidades reais”. A regulamentação foi aprovada pelo Congresso com apoio do presidente John Adams em um período em que os EUA mantinham conflitos marítimos com a França, no que foi chamado de “Quase-guerra”.
A ideia, na ocasião, era evitar a atuação de espiões no país. Desde então, a lei foi usada apenas 3 vezes. A primeira em 1812, durante a guerra com o Reino Unido. No conflito, a Casa Branca chegou a ser incendiada depois de um ataque dos britânicos.
As outras duas ocasiões foram na Primeira (1914-1919) e na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na primeira, o governo estadunidense usou a lei para prender mais de 6 mil “inimigos estrangeiros”. Eles foram mantidos em campos de concentração, sendo a maioria alemães.
Já na Segunda Guerra Mundial, a lei foi usada para prender alemães, japoneses e italianos que viviam nos Estados Unidos. Ao todo, mais de 30 mil pessoas foram presas e acusadas pelo governo de serem “potencialmente perigosos”.
Agora, Trump justificou a medida afirmando que o Trem de Aragua promove ações “perpetrando e ameaçando uma invasão ou incursão predatória contra o território dos Estados Unidos”. No dia de sua posse, em 20 de janeiro, Trump já havia assinado uma ordem executiva enquadrando o Trem de Aragua como uma “organização terrorista estrangeira”.
De acordo com o documento assinado pelo republicano, a organização venezuelana ameaça a segurança dos EUA e tem uma atuação “tanto dentro quanto fora” do território estadunidense.
“Outras organizações transnacionais, como o Trem de Aragua e La Mara Salvatrucha, representam ameaças semelhantes aos Estados Unidos. Suas campanhas de violência e terror nos EUA e internacionalmente são extraordinariamente violentas, cruéis e ameaçam similarmente a estabilidade da ordem internacional no hemisfério ocidental”, diz o texto.