Atualmente com 513 membros, a Câmara dos Deputados pode ampliar o número de cadeiras a partir de 2027, quando se inicia a próxima legislatura. O tema compromete os interesses de algumas bancadas e deve ser colocado em pauta na Casa ainda neste semestre para atender a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao julgar um pedido do governo do Pará, a Corte entendeu que há atualmente no parlamento uma “assimetria representativa” em virtude da não redistribuição das cadeiras com base no aumento populacional. Agora, o Legislativo tem até 30 de junho deste ano para aprovar uma norma que atualize o tamanho das bancadas.
O STF entendeu que, em caso de omissão do Congresso, o assunto fica a cargo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que poderá, nessa hipótese e até a data-limite de 1o de outubro de 2025, fixar o novo número de deputados federais de cada estado e do Distrito Federal (DF). A ideia é de que a atualização passe a valer já para os parlamentares a serem eleitos em outubro de 2026, quando o país irá novamente às urnas para eleições proporcionais. Como a decisão do STF já transitou em julgado, não há mais janela jurídica para uma reformatação do entendimento da Corte. Agora, a pauta fica a cargo do jogo político no Legislativo.
Legislação
A Constituição Federal de 1988 prevê que nenhuma unidade da Federação tenha menos de oito ou mais de 70 deputados na Câmara, estipulando a dimensão populacional de cada estado como parâmetro para o cálculo de tamanho das bancadas. Por regra constitucional, os números precisam ser definidos por meio de lei complementar e atualizados no ano anterior às eleições, mas desde 1993 o Congresso Nacional não volta ao assunto. Na época, a Lei Complementar nº 78/93 fixou o atual número de 513 deputados federais – antes disso, eram 503. Paralelamente, a população brasileira passou de 146,8 milhões em 1991 para cerca de 230 milhões em 2022, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nesse meio-tempo, alguns estados registraram aumento populacional, enquanto outros tiveram queda no número de habitantes. Ao ingressar com ação no Supremo em 2017, o Pará alegou que a demora do Congresso em atualizar os números estaria prejudicando o estado, que desde 2010 teria direito a mais quatro cadeiras na Câmara.
O cálculo que define o tamanho das bancadas estaduais é feito a partir do quociente populacional nacional (QPN), obtido a partir do montante populacional do país dividido pelas 513 cadeiras da Câmara. A operação também considera a divisão entre a população de cada unidade da Federação – são 26 estados e o Distrito Federal –, e o QPN, cujo número final serve de norte para se chegar à quantidade de assentos aos quais cada unidade tem direito.
Considerando a referência populacional, se fossem considerados os dados do Censo de 2022, as bancadas de deputados federais dos diferentes estados viveriam a seguinte mudança no número de membros: Santa Catarina (+4), Pará (+4), Amazonas (+2), Ceará (+1), Goiás (+1), Minas Gerais (+1) e Mato Grosso (+1), Rio de Janeiro (-4), Rio Grande do Sul (-2), Piauí (-2), Paraíba (-2), Bahia (-2), Pernambuco (-1) e Alagoas (-1). A projeção foi feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
É em meio a esse cenário que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem acenado no sentido de buscar um acordo com o STF para, em vez de impor perdas de cadeiras a alguns estados, ampliar em 14 o número total de postos de deputados federais para atender as bancadas cujos estados registraram aumento populacional. Com isso, a Casa passaria a ter 527 membros. Motta vê a ideia como via de solução para reequacionar o tamanho das bancadas sem alterar as proporções que hoje marcam o jogo político. A Paraíba, seu próprio reduto eleitoral, perderia dois parlamentares caso fosse aplicada a matemática exposta no levantamento do Diap.
Diante dessa conjuntura, o diretor de documentação da entidade, Neuriberg Dias, acredita que o Legislativo tende a rumar para o lado da proposta de Motta, dado o conflito de interesses entre representantes de diferentes estados. Nas projeções do analista, o jogo político tende a ser muito mais árduo em caso de tentativa de aprovação de uma engenharia de lugares que não altere o número de 513 deputados.
“As bancadas de estados como o Rio de Janeiro, por exemplo, que são impactados, tendem a se negar a votar essa alteração porque elas perderiam representação na Câmara dos Deputados”, comenta Dias, ao mencionar o estado que tem a terceira maior bancada da Casa. Em primeiro e em segundo lugar estão São Paulo, hoje com 70 membros, e Minas Gerais, que ocupa 53 cadeiras.
Impactos
A Constituição Federal dita que o número de deputados federais deve servir de base para que se calcule a quantidade de deputados estaduais, que deve corresponder ao triplo da representação do estado na Câmara dos Deputados e, “atingido o número de 36, será acrescido de tantos quantos forem os deputados federais acima de 12”. Com isso, assim como existe hoje um teto de 70 assentos na Casa para o estado de maior população, existe um teto de 94 membros para assembleias estaduais, situação que ocorre na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Se o Congresso Nacional decidir aumentar o número de parlamentares da Câmara, os sete estados que ganhariam novos postos seriam, então, os mesmos a ampliar o número de vagas em suas casas legislativas locais.
Outros impactos são possíveis. Considerando o mapa da Câmara dos Deputados e um recorte regional, a eventual redistribuição dos 513 postos entre as 27 bancadas estaduais imporia à região Nordeste a perda de oito cadeiras, enquanto o Sul ganharia quatro. O Diap vê mudanças de ordem política no jogo de forças da Câmara diante da mudança. “O Nordeste, em geral, tem mais parlamentares alinhados ao governo. Já Santa Catarina, que é um estado muito de oposição ao governo atual, ganharia quatro cadeiras e tenderia a ser um estado ainda mais bolsonarista. Essa questão ideológica em relação a governo e oposição também pode pesar na hora da votação da pauta na Câmara”, analisa Neuriberg Dias.
Custos
Ao mencionar que pretende construir um acordo com o STF para abrir o caminho para a Câmara ampliar o número de cadeiras de deputados, Hugo Motta disse, no mês passado, que a Casa faria isso sem aumento de custo para os cofres públicos, mas não se sabe se isso será possível. “Se forem acrescentados [ao mapa da Casa] os 14 assentos com uma redistribuição do atual do orçamento que está destinado ao Poder Legislativo para esses parlamentares, não se teria impacto [financeiro], de fato. Mas será que os demais vão abrir mão de parte desses recursos para dividir com os que entrariam? A discussão gira em torno do que vai ser adotado pelo Legislativo”, ressalta Dias.
Segundo a página oficial da Câmara, cada deputado federal recebe atualmente um salário de R$ 46.366,19. Além disso, cada gabinete tem direito a um montante de mais de R$ 133 mil por mês para pagar os salários de até 25 secretários parlamentares. Valores de encargos trabalhistas das equipes, como auxílio-alimentação e outros, são pagos com recursos da Câmara, e não das verbas a que os mandatos têm direito. Os parlamentares recebem ainda auxílio-moradia de R$ 4.253 quando não ocupam um dos 447 apartamentos funcionais que a Casa tem à disposição na capital federal. Somente este ano a Câmara desembolsou mais de R$ 810 mil com gastos do tipo.
Diante desse cenário, o alto custo de manutenção dos membros do Legislativo tende a impulsionar a opinião pública a rejeitar a proposta de aumento do número de cadeiras, aumentando o desgaste entre setores civis e parlamento. Uma pesquisa divulgada em dezembro pelo PoderData mostrou, por exemplo, que 48% dos brasileiros avaliam o trabalho da Câmara dos Deputados como “ruim” ou “péssimo”, 34% o consideram “regular” e apenas 9% disseram ser “bom” ou “ótimo”.
“Acho que a opinião pública pode pesar muito, caso a Câmara siga por esse caminho de garantir orçamento a mais para esses novos parlamentares, especialmente porque nos últimos governos foi imposta uma agenda de restrição fiscal e orçamentária, problema que ainda persiste no atual governo. Isso cairia muito mal e geraria muita repercussão, tendo em vista que as pesquisas sobre a avaliação da instituição e dos parlamentares têm mostrado que vem caindo a confiança no Legislativo. Isso pode pressionar o presidente da Câmara no sentido de calibrar a condução da negociação sobre a pauta”, projeta Dias.
Os parlamentares ainda não têm data para votarem a lei complementar que deverá alterar os assentos da Câmara.