Após vários dias de costuras, a Câmara dos Deputados instalou, nesta quarta-feira (19), as 30 comissões permanentes da Casa. A engenharia política resultou em uma distribuição que deixou partidos do campo progressista no comando de nove colegiados. O equacionamento deixou a divisão da seguinte forma: PT (4), PCdoB (1), PV (1), Psol (1), PSB (1) e PDT (1). Em outra via, partidos de direita assumiram a liderança de comissões que estão entre as mais importantes e estratégicas da instituição. É o caso da Comissão de Constituição & Justiça (CCJ), agora a cargo do União Brasil, por meio do deputado Paulo Azi (BA).
A distribuição da presidência das comissões segue a lógica da proporcionalidade partidária: as legendas com maiores bancadas revezam o comando dos colegiados de maior peso político e mais disputados, enquanto as menores assumem as demais. O mesmo método é adotado na distribuição das cadeiras de cada colegiado: os partidos ocupam os postos seguindo a representatividade que têm na Casa. Por ter apenas cerca de 130 dos 513 parlamentares da Câmara, o campo progressista deve seguir enfrentando desafios no jogo de forças entre as siglas.
Opositor ferrenho do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), o novo presidente da CCJ, por exemplo, é também uma das principais vozes de oposição à gestão petista dentro do partido. Apesar disso, parlamentares do campo da esquerda acreditam que em 2025 o segmento tende a encontrar um terreno menos árido na CCJ do que enfrentou ano passado, quando a comissão estava a cargo da bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC), que agora assumiu a vice-presidência do grupo. É o que afirma, por exemplo, a líder do Psol, Talíria Petrone (RJ).
“Acho que a gente vai seguir com muitos desafios por conta da complexidade que temos hoje no Congresso por causa da composição do governo, mas a gente tem uma forte expectativa de conseguir tirar a CCJ do extremismo, da disputa ideológica, que não interessa ao Brasil, e de que a gente consiga ter alguma condução democrática do colegiado mais importante da Casa para que ele sirva para se avançar com as agendas das quais o Brasil precisa.”
As comissões voltam à tona em um momento em que tendem a ganhar maior relevância nos debates da Casa, uma vez que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem dito que pretende evitar votações em regime de urgência de forma corriqueira, como ocorreu no plenário nos últimos anos. A tramitação mais célere evita que os projetos sejam debatidos nas comissões, pois os textos saltam direto para análise do plenário. Se a promessa de Motta se confirmar, ao longo do ano as comissões devem, então, ter mais agendas e atividades do que tiveram na gestão de Arthur Lira (PP-AL).
Mulheres
É nessa conjuntura que a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) assumiu nesta quarta a presidência da Comissão dos Direitos da Mulher. O colegiado existe desde 2014 e esta é a primeira vez que ele será liderado por uma indígena.
Em conversa com o Brasil de Fato, a deputada disse considerar a novidade como algo simbólico na luta da esquerda e também em sua jornada política. “É certamente uma coisa muito significativa. Presidir a Comissão das Mulheres agora é, para mim, presidir uma comissão de um Brasil plural, de um Brasil que começa por nós e que agora tem essa história continuada. É de maneira histórica que assumimos essa comissão.”

Outro ponto de realce na formação das comissões foi a escolha da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) para o comando da Comissão do Esporte. A parlamentar é a primeira mulher a assumir o posto no colegiado, fundado em 2014. Ao discursar durante a instalação da comissão, ela disse que o partido se engajou em uma “reunião muito dura”, em meio à disputa entre diferentes partidos, para garantir que ela fosse a primeira deputada no cargo.
“Estou muito feliz. É uma comissão que sempre foi integrada por homens – temos poucas mulheres – e presidi-la será uma honra. Não é uma tarefa fácil. São temas muito masculinos, mas eu tenho certeza de que a capacidade pessoal das mulheres que compõem a comissão vai reafirmar que mulher pode está onde ela quiser”, disse Laura.
A pessedista informou que em breve pretende colocar em pauta os ataques racistas contra atletas brasileiros no mundo. Ela também mencionou a importância de o colegiado discutir a questão das “bets”, empresas de apostas eletrônicas, e sua influência sobre pessoas socialmente vulneráveis.

Relações Exteriores
Teve destaque ainda, em meio às disputas na Câmara, a alçada do PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, à liderança da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN). Inicialmente, o colegiado foi disputado por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que acabou barrado pelo próprio partido. Na sequência, o vento soprava para a escolha de Zucco (PL-RS), mas as costuras se encerraram com a nomeação de Filipe Barros (PL-PR) para o cargo. Uma parte do PL busca orientar o colegiado para uma relação mais afinada com o governo Trump, dos Estados Unidos, objetivo que também está no foco de Eduardo.
Integrante titular do colegiado, Luciene Cavalcante (Psol-SP) avalia que a comissão será um terreno desafiador para a esquerda. Atualmente nos Estados Unidos, de onde anunciou na terça (18) que irá se licenciar temporariamente do mandato, Eduardo Bolsonaro busca estreitar laços com o governo Trump para obter o eventual engajamento da gestão em prol da anistia para os golpistas que atuaram no 8 de janeiro no Brasil. O deputado também mira a busca por sanções do país ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nós avaliamos que seria muito estratégico estarmos nessa comissão para somar esforços, o que vai ser muito difícil porque a gente já inicia a comissão com a esquerda sendo minoria, se comparada com a extrema direita. Mas vamos buscar diálogo com outras forças que defendam a democracia para não permitir que essa comissão seja usada como forma de ataque à soberania nacional, como forma de desestabilizar as instituições democráticas ou ainda para viabilizar qualquer projeto de anistia por meio de uma coação internacional das nossas autoridades legitimamente constituídas.”

O colegiado tem apenas sete dos 35 atuais membros ligados a partidos de esquerda. Membro titular da CREDN, Zeca Dirceu (PT-PR) acredita que, apesar da assimetria no jogo de forças, haverá freios para eventuais excessos da ala bolsonarista na comissão. “Nenhuma comissão na Câmara dos Deputados tem dono. Já provamos isso, por exemplo, na Comissão de Educação. O Nikolas virou presidente [em 2024] porque era a vez do partido dele, chegou lá achando que ia pintar e bordar, mas nós reunimos a maioria dos membros da comissão, demos um breque e ele acabou tendo uma postura razoável e serena. Isso vai acontecer agora com quem for presidir a CREDN, com quem for presidir qualquer outra comissão”, projeta.
O petista, que atua ainda como suplente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul), diz esperar que a CREDN não deixe de lado temas que estão no radar do bloco. “A comissão tem um papel diretamente ligado a isso e eu espero debater os temas do Mercosul, acordos com a União Europeia, pautar a relação com os Estados Unidos, as tarifas, dar uma outra dimensão para os debates, para as discussões e para as prioridades da comissão.”
Das 30 comissões permanentes da Câmara, 28 já escolheram seus presidentes – as exceções são as comissões de Administração e Serviço Público e de Desenvolvimento Urbano, que devem eleger os novos presidentes na próxima semana.
Veja abaixo a lista das comissões da Câmara e os presidentes escolhidos:
- Comissão de Administração e Serviço Público – Avante
- Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – Rodolfo Nogueira (PL-MS)
- Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais – Dandara (PT-MG)
- Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação – Ricardo Barros (PP-PR)
- Comissão de Comunicação – Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF)
- Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Paulo Azi (União Brasil-BA)
- Comissão de Cultura – Denise Pessôa (PT-RS)
- Comissão de Defesa do Consumidor – Daniel Almeida (PCdoB-BA)
- Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher – Célia Xakriabá (Psol-MG)
- Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa – Zé Silva (Solidariedade-MG)
- Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Duarte Jr. (PSB-MA)
- Comissão de Desenvolvimento Econômico – Lafayette de Andrada (Republicanos-MG)
- Comissão de Desenvolvimento Urbano – MDB
- Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial – Reimont (PT-RJ)
- Comissão de Educação – Maurício Carvalho (União-RO)
- Comissão do Esporte – Laura Carneiro (PSD-RJ)
- Comissão de Finanças e Tributação – Rogério Correia (PT-MG)
- Comissão de Fiscalização Financeira e Controle – Bacelar (PV-BA)
- Comissão de Indústria, Comércio e Serviços – Beto Richa (PSDB-PR)
- Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional – Yandra Moura (União-SE)
- Comissão de Legislação Participativa – Fred Costa (PRD-MG)
- Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Elcione Barbalho (MDB-PA)
- Comissão de Minas e Energia – Diego Andrade (PSD-MG)
- Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família – Ruy Carneiro (Podemos-PB)
- Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional – Filipe Barros (PL-PR)
- Comissão de Saúde – Zé Vitor (PL-MG)
- Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado – Paulo Bilynskyj (PL-SP)
- Comissão de Trabalho – Leo Prates (PDT-BA)
- Comissão de Turismo – Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG)
- Comissão de Viação e Transportes – Maurício Neves (PP-SP)