O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no sul de Minas Gerais no dia 7 de março, anunciando novas entregas do programa para a aceleração da reforma agrária, o Terra da Gente. O ato aconteceu na antiga fazenda-usina Ariadnópolis, hoje Quilombo Campo Grande, desapropriada por decreto na mesma ocasião.
A área, que abriga mais de 450 famílias que resistem no território há 27 anos, já enfrentou 11 tentativas de despejo, o mais violento deles orquestrado pelo governador Romeu Zema (Novo) durante a pandemia de covid-19. O território produz mais de 160 variedades alimentares sustentáveis.
“Muitas vezes, esse território foi utilizado por grupos da extrema direita e pessoas contrárias à reforma agrária para difamar as famílias acampadas, para difamar o movimento, para difamar a própria política da reforma agrária. São terras extremamente férteis e bem localizadas, que foram abandonadas pelo agronegócio, mas que ainda eram objeto de cobiça dos latifundiários e da extrema direita do estado”, avalia o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Nei Zavaski.
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Para Miguel Enrique Stédile, coordenador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, a desapropriação do Quilombo Campo Grande representa uma conquista, uma vez que reconhece a legitimidade e a resistência de famílias que, há quase três décadas, lutam pela terra.
Ele acredita que a regularização permitirá ao assentamento “alcançar rapidamente um outro patamar e ser uma referência ainda maior na produção de alimentos saudáveis e organização popular”.
“Reforma agrária é democratizar o acesso à terra para produzir alimentos, em oposição aos grandes latifúndios, que não produzem alimentos”, ressalta.
Além das desapropriações dos quatro territórios que compõem o quilombo, foram anunciados mais 138 novos assentamentos em todo o país, por meio de aquisição de terras via Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No âmbito do crédito, foram anunciados R$ 1,6 bilhão e a liberação de uma nova rodada do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar A (Pronaf A).
Quanto à produção de alimentos, são R$ 900 milhões em verba para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), sendo R$ 100 milhões direcionados às cozinhas solidárias. Por fim, foi anunciado um orçamento de R$ 48 milhões destinados ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), ainda este ano.
Minas Gerais
Procurado pelo Brasil de Fato MG, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) ressaltou que, do total de 4,8 mil famílias beneficiadas pelos assentamentos, 582 são de trabalhadores rurais mineiros. Essas famílias estão distribuídas em dez territórios, que representam a disponibilização de 9,2 mil hectares.
Ainda segundo o MDA, nos dois primeiros anos de governo, foram criados 48 assentamentos; 26 mil famílias foram assentadas em assentamentos convencionais e ambientalmente diferenciados e mais de 125 mil famílias foram incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária.
“Nos últimos dois anos, o governo federal retomou a reforma agrária, após quase uma década de paralisação. Até 2026, cerca de 326 mil famílias serão incluídas no programa, sendo 60 mil assentadas em assentamentos convencionais (áreas que não são públicas)”, destacou o ministério.
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Porém, Zavaski avalia que ainda são poucas entregas, em termos de quantidade de famílias assentadas e de resolução dos conflitos agrários. Justamente por isso, o dirigente do MST considera o ato do dia 7 de março simbólico, por retomar o processo da reforma agrária.
“É a primeira vez neste mandato que Lula vem a Minas Gerais para dialogar com as organizações dos trabalhadores e atender suas demandas. Até então, as outras vindas do presidente foram mais pautadas pelo desenvolvimento, vinculado à indústria e a outros grupos que não os grupos populares”, explica.
Falta muito
Apesar da importância do aceno, atualmente, Minas Gerais tem mais de 2,5 mil famílias aguardando regularização, em mais de 20 acampamentos, distribuídos em todas as regiões do estado, aponta o MST. Assim como o Quilombo Campo Grande, alguns acampamentos resistem há muitos anos.
Ficou de fora, por exemplo, o acampamento Terra Prometida, na fazenda Nova Alegria, no município de Felisburgo. O acampamento, que já tem 22 anos, foi palco, em 2004, do Massacre de Felisburgo, onde pistoleiros e o fazendeiro Adriano Chafik atacaram os moradores, resultando na morte de cinco pessoas sem terra.
“Esse ato foi um começo, mas precisamos de uma celeridade maior no processo de assentamento das famílias, na obtenção das terras para assentar essas 2,5 mil famílias, que estão acampadas há mais de 10, 15 anos, ou até mais”, ressalta Zavaski.
O que significam os decretos
Além da destinação da terra, o governo federal também anunciou medidas de desenvolvimento dos assentamentos, visando a promoção da autonomia produtiva das famílias, como o “crédito instalação”, uma modalidade especial de crédito que tem descontos de 50% a 96%. Na prática, a política possibilita às famílias recém assentadas cobrir despesas iniciais, como a construção de moradias e infraestrutura de produção e aquisição de insumos.
Para Zavaski, esses anúncios também são de extrema importância no momento atual, dada a paralisação anterior dessas políticas públicas e o aumento no preço da cesta básica.
“Essas políticas possibilitam uma perspectiva de desenvolvimento, de melhoria das condições de vida, para as famílias que já estão assentadas e para essas que vão ser assentadas”, reforça.
Outra medida de crédito anunciada foi a autorização de uma 2ª operação do Pronaf A, uma linha específica do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Com a oferta de crédito rural de até R$ 50 mil, com 25% de desconto de adimplência (para quem paga em dia) e juros reduzidos para assentados, quilombolas e indígenas.
“Essas medidas são tão importantes quanto as desapropriações, porque são elas que permitem que as famílias, tendo conquistado a terra, possam se instalar e começar a produzir. Muitas das áreas já estavam ocupadas há anos, mas sem que as famílias pudessem acessar créditos e ampliar a produção para além da subsistência”, explica Stédile.
Em relação ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), foi divulgada a destinação de R$ 1,1 bilhão. O PAA possibilita a compra direta de alimentos de agricultores familiares, sem necessidade de licitação, para a rede pública de ensino, pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, bem como a rede socioassistencial, equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional etc.
Reconhecido como uma importante ferramenta, o programa fortalece a agricultura familiar, desenvolve a economia local e promove o acesso aos alimentos, contribuindo para reduzir a insegurança alimentar e nutricional. Nos anos de 2023 e 2024, foram adquiridos por essa via 249 mil toneladas de alimentos, sendo 26% de assentados da reforma agrária.
Miguel Stédile explica que, com a diminuição da burocracia, o impacto local e regional na produção de alimentos pode ser muito rápido, diminuindo o preço dos alimentos nos municípios.
“Enquanto o agronegócio produz commodities, monocultura para exportação e especula com preços, como vimos com o arroz na pandemia, a agricultura familiar e de reforma agrária produz alimentos para o mercado interno”, afirma.
Já o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) terá um orçamento de R$ 48 milhões, o que representa uma expansão no programa que garante vagas em instituições públicas de ensino para jovens dos assentamentos.
Também foram assinados contratos de renegociação de dívidas dos assentados, por meio do Desenrola Rural, com descontos que podem chegar a 96%. Além disso, foi estabelecido o limite de R$ 700 milhões ao ano a serem utilizados nas adjudicações de terras de grandes devedores, que serão destinadas para a reforma agrária.
“Por outro lado, considerando as 120 mil famílias sem terras ainda acampadas no Brasil, há uma demanda reprimida que não pode ser solucionada nesse ritmo. Há a necessidade de que o governo acelere a sua capacidade em efetivar a reforma agrária, inclusive pela urgência em reduzir o peso dos preços dos alimentos na inflação”, afirma Miguel Stédile.