Ativistas que atuam com ações de redução de danos na região da chamada Cracolândia, no centro da capital paulista, estão sendo impedidos pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) de realizar as atividades cotidianas com usuários que frequentam o local. Na última segunda-feira (17), uma operação coordenada com as polícias Militar e Civil também contribuiu para que as ações não fossem realizadas. Nas últimas três semanas, denunciam os ativistas, atividades de saúde, assistência, arte e cultura foram barradas na região.
Segundo os ativistas, não há qualquer determinação formal ou legislação que impeça as ações. Os governos de Ricardo Nunes (MDB), prefeito da cidade de São Paulo, e Tarcísio de Freitas, governador do estado, não explicam a motivação do impedimento para as atividades das organizações.
Além de muitas não chegarem a acontecer, há também denúncias de que programações são interrompidas no meio por operações policiais violentas.
Confira a reportagem em vídeo:
“A gente já tentou ofício junto ao [deputado estadual] Eduardo Suplicy (PT), junto à Defensoria. Eles trazem uma resposta de que o fluxo está perigoso e que estão protegendo a gente, mas é isso, não é um documento oficial. Não tem nada oficializado de que não pode fazer mais nenhuma atividade cultural dentro da Cracolândia. Então a gente fica aqui de mãos atadas. Porque a gente não sabe de onde vem essa lei. A gente não sabe se tem uma lei para que a gente possa combatê-la. E aí fica a palavra da Guarda Civil reprimindo a cultura e a arte aqui no território”, protesta Leonardo Lindolfo, um dos organizadores do Pagode na Lata.
O Pagode na Lata é um projeto estruturado em 2016 que desde então realiza ações com pessoas que frequentam e vivem na chamada Cracolândia. “Já faz muito tempo que a gente vem aqui, dentro do fluxo, para trazer um pouco de alegria, para trazer conforto para as pessoas, para trazer cultura também para este território, que é tão marginalizado. E, de umas três semanas para cá, a gente tem sido barrado, especificamente pela Guarda Civil Metropolitana daqui da região, que vem falando que não pode ter ações culturais aqui dentro do fluxo da Cracolândia”, complementa Lindolfo.
Na última segunda-feira (17), com a presença de equipes de reportagem e do vereador Toninho Vespoli (Psol), as ações não foram impedidas. Porém, o parlamentar defende que as ações não podem ser impedidas pelo ímpeto de dificultar a vida de quem está na Cracolândia para forçar uma eventual busca por tratamento.
“A gente percebe que é uma determinação do governo Ricardo Nunes (MDB). Não só acabar com isso. Semana passada eu estive na Subprefeitura da Sé, porque eles queriam impedir a distribuição, na praça da Sé, das marmitas das cozinhas solidárias. Quatro ONGs, em torno de sete dias, não puderam fazer suas atividades aqui na Subprefeitura da Sé. É um absurdo um negócio desse. A prefeitura que deveria fomentar as políticas públicas é aquela que atrapalha. É só em forma de repressão e não pensando no bem-estar das pessoas aqui do centro”, criticou o vereador.
Além do Pagode na Lata e das Cozinhas Solidárias, o Instituto Gás e o Movimento Ruas e Seus Cães, que apoiam as pessoas em situação de rua e seus animais de estimação, também não puderam fazer suas atividades.
Flávio Falcone, psiquiatra e palhaço do projeto Teto, Trampo e Tratamento, ressalta que além das tentativas de impedir as ações, muitas vezes as atividades estão sendo realizadas e surge uma operação policial ostensiva.
“Estávamos aqui trabalhando, fazendo redução de danos pelo projeto Teto, Trampo e Tratamento, no [projeto] Slamis, que é um projeto de redução de danos, e uma operação policial, sincronicamente, começa na hora que os palhaços estão fazendo redução de danos”, explica.
Luca Meola, fotógrafo do projeto, ressalta que as operações são bastante violentas e tratam a todos como criminosos. “Estava rolando o ‘Slamis’ e é muito legal, as pessoas cantando. Em um certo ponto chegou a IOPE (Inspetoria de Operações Especiais da GCM) com as armas, entraram no fluxo. Todo mundo ficou sentado. E depois chegou a Polícia Militar, chegou a Polícia Civil, a operação. E esperamos todo mundo sair. Só que as pessoas que saíam do fluxo, que eram enquadrados, ficaram em um canto de uma parte da rua e ficaram lá presos [mais ou menos por] uma hora, debaixo do sol, sem água”, relata.
“Tem uma cena que eu consegui gravar, que consegui registrar. Tirei uma foto de uma senhora muito idosa, de uns 60, 70 anos, que queria sair. As pessoas do fluxo falavam: ‘essa mulher é moradora’. E o policial foi muito agressivo, empurrou ela também”, prossegue Meola. “A gente vê, cada vez mais, eles querem acabar com tudo. Querem acabar com as pessoas do fluxo, querem acabar com os movimentos sociais. Cada vez mais é difícil entrar, fazer atividade, é meio desesperadora a situação”.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), do governo Tarcísio de Freitas, justificou as ações da última segunda-feira como parte de uma operação de busca de foragidos da justiça. Porém, nenhum foragido foi encontrado.
“As Polícias Militar e Civil realizaram, na tarde de segunda-feira (17), mais uma etapa da Operação Resgate Requalificação, voltada para o enfrentamento do tráfico de drogas e a identificação de foragidos da Justiça e indivíduos que descumpriram medidas cautelares. A ação ocorreu em áreas conhecidas como ‘Cenas Abertas de Uso’ e reforça o compromisso das forças de segurança com a ordem pública e a redução da criminalidade. Durante a operação, não foram localizados procurados nem pessoas em descumprimento de medidas judiciais”, diz a nota da SSP.
“A narrativa é de que prendam essas pessoas, internem essas pessoas e violentem essas pessoas, o tempo todo. Quando a gente vem com essa contranarrativa e é barrado, essa perspectiva deles vai ganhando força. E a gente vai perdendo força para trazer a arte e cultura para este território”, afirma Leonardo Lindolfo, do Pagode na Lata.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana informou que a GCM prestou apoio às polícias Civil e Militar em operação contra o tráfico de drogas na última segunda-feira (17). E que a mulher mencionada na reportagem “desacatou um dos agentes de segurança municipal”. “A situação foi controlada e não houve a necessidade de encaminhamento ao Distrito Policial. Em relação às apresentações mencionadas, o impedimento ocorreu devido à ameaça a segurança dos envolvidos, como já registrado em episódios anteriores, quando houve tumultos por parte dos usuários”, diz o texto.
A Subprefeitura da Sé informou que realizou uma reunião com representantes da ONG Moradores de Rua e seus Cães. “No encontro foram discutidas ações e estratégias para otimizar a organização e logística do trabalho desenvolvido pela entidade no centro da cidade. A administração municipal reitera que segue trabalhando para aprimorar a gestão das ações sociais na região, priorizando locais e horários adequados para um melhor atendimento da população envolvida. Cabe ressaltar que todas as autorizações para a realização dessas iniciativas seguem critérios técnicos e atendem às normas municipais”, diz o documento.