O processo de revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) do Distrito Federal entrou, neste mês de março, na etapa de participação popular, chamada “PDOT com Você”. As informações estão disponíveis online, permitindo que a sociedade conheça e opine sobre as diretrizes do plano por meio do site da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh).
As pré-propostas disponibilizadas abrangem os oito eixos temáticos que compõem o novo PDOT: habitação e regularização; mobilidade; ruralidades; meio ambiente e infraestrutura; gestão social da terra; território resiliente; participação social e governança; e desenvolvimento econômico sustentável e centralidades.
O PDOT é o principal instrumento de política territorial que orienta agentes públicos e privados na gestão e desenvolvimento das áreas urbanas, de expansão urbana e rurais do Distrito Federal. A versão vigente do plano é a Lei Complementar nº 803, de 25 de abril de 2009, que passou por alterações significativas por meio das Leis Complementares nº 854/2012, 951/2019 e 986/2021. A nova revisão busca adequar o plano às novas demandas territoriais e urbanísticas do DF.
O processo de construção das propostas ocorre desde 2019, com trabalho desenvolvido em conjunto entre a Seduh, o Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) – representado por órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF) – e o Comitê de Gestão Participativa (CGP), formado por entidades da sociedade civil.
Apesar de alguns avanços na revisão do PDOT, as propostas atuais ainda não contemplam integralmente as necessidades da população do DF. A ambientalista Betulia Souto, representante do Fórum de Defesa das Águas e da Reserva da Serrinha, em colaboração com o Instituto Sálvia, critica a forma como a participação popular vem sendo tratada ao longo do processo.
Participação popular limitada e desafios estruturais
“Dentro das nossas leis e da Constituição, temos a garantia da participação popular nesses processos. No entanto, nossa participação é reduzida a um checklist: houve uma audiência pública? Checklist. Houve uma oficina? Checklist. O Brasil ainda tem dificuldade em incorporar efetivamente essas contribuições no processo de decisão”, critica.
Representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no CGP, André Tavares reforça que a criação do Comitê de Gestão Participativa garantiu certa representatividade dos interesses da população, mas ainda há lacunas democráticas no processo de revisão do PDOT.
“Quando comecei a participar, em 2019, a equipe dentro da Seduh era restrita e tinha dificuldade em entender a participação popular. Além disso, a pandemia dificultou ainda mais o envolvimento da comunidade”, explica Tavares.
Para ele, um dos grandes entraves no processo da nova revisão do PDOT foi a falta de funcionários públicos efetivos no quadro da Seduh: “A grande questão dentro da Secretaria é que há poucos funcionários públicos, a maioria são cargos políticos. Isso compromete a garantia de um processo que defenda verdadeiramente o interesse público”, alerta.
Betulia Souto também aponta que houve melhorias na comunicação e no quadro técnico do PDOT nos últimos dois anos, após troca de equipes, mas que a tomada de decisões ainda está centralizada nas esferas políticas: “Mesmo com uma equipe mais acessível, as decisões políticas se sobrepõem, e muitas discussões não avançam”.
Em uma análise de conjuntura, Souto considera que o momento atual é marcado por uma regressão no processo participativo. “Abrem-se espaços para falar, mas não há letramento da população, não há capacitação, não há linguagem simples nem metodologia para incorporar todas essas contribuições na minuta de lei que será discutida. Precisamos trabalhar a nossa cultura de participação nesses espaços de decisão, tanto no Executivo quanto no Legislativo e no Judiciário. A mobilização que aconteceu nos últimos dois anos deve-se muito mais à atuação da sociedade civil, que se organizou e conversou entre si, do que a uma iniciativa do GDF”, esclarece.
Calendário apertado e falta de transparência
Outro ponto de preocupação é o cronograma estabelecido pelo GDF, considerado por membros do CGP “acelerado e desmobilizante”. “Não podemos deixar que esse processo seja tratado de forma tão deficitária, com uma agenda apertada e com pouco diálogo com os parlamentares, órgãos e população”, ressalta Tavares. De acordo com o cronograma do governo, a versão final do PDOT deve ser entregue à Câmara Legislativa do DF (CLDF) ainda em junho deste ano.
Parlamentares da bancada progressista criticam a pressa na aprovação do documento.
Em artigo publicado pelo Brasil de Fato em fevereiro, o deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF) afirmou: “O parlamento distrital não pode ser um mero carimbador dos projetos enviados pelo governo. Além da evidente violação ao princípio democrático, preocupa-nos o impacto ambiental que uma revisão atropelada do PDOT pode causar”.
A audiência pública realizada no último dia 10, liderada por Felix na Câmara Legislativa, cobrou maior transparência e participação popular, além de debater os impactos da revisão do PDOT na mobilidade urbana, sustentabilidade e habitação.
O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) também têm acompanhado o processo, alertando para o risco de anulação caso não haja ampla participação social.
Respostas da Seduh e perspectivas
O secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Vaz, defende que a participação popular está sendo garantida desde 2019, por meio de oficinas, reuniões e audiências públicas. “A sociedade tem um papel fundamental na revisão do PDOT. Desde o início, buscamos ouvir as demandas da população por meio de diversas etapas de participação, como oficinas, reuniões e audiências públicas. Esse processo garante que o planejamento urbano do DF seja construído de forma coletiva e alinhado às necessidades reais da cidade.”
Segundo a Seduh, até o momento, foram realizadas 55 oficinas nas Regiões Administrativas, além de sete oficinas por Unidade de Planejamento Territorial (UPT) e duas audiências públicas em 2024.
Diante das críticas e pressão da sociedade civil, a Seduh ampliou a divulgação do processo por meio de campanhas publicitárias, redes sociais e até mesmo carros de som nas regiões administrativas.
A subsecretária de Políticas e Planejamento Urbano, Juliana Coelho, informa que as contribuições da população recebidas pelo site estão sendo analisadas pela equipe técnica, que vai elaborar as propostas para solucionar os problemas levantados. “Todas as contribuições são consideradas, mas algumas não fazem parte do escopo do Plano Diretor e serão encaminhadas aos órgãos competentes”, informa.
“Para aqueles que precisarem de suporte no envio das contribuições, técnicos das Administrações Regionais estarão disponíveis nas sedes das RAs para auxiliar a população”, explica Juliana Coelho, que completa: “Vamos realizar reuniões públicas temáticas nas quais serão apresentadas as pré-propostas organizadas por macrotemas”.
Outros caminhos
Como forma de aumentar a participação popular no processo, a ambientalista Betulia Souto acredita que o GDF deveria ampliar a divulgação investindo também na produção de vídeos explicativos sobre o PDOT para cada Região Administrativa. Já o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Benny Schvarsberg propõe a adoção do modelo de Belo Horizonte, onde a revisão do plano diretor foi consolidada em uma conferência distrital, conferindo maior legitimidade ao projeto de lei.
“Agora estamos nos quatro meses finais deste processo, segundo o calendário que eles começaram a divulgar. Não podemos mais escolher ser sustentáveis; é uma questão de sobrevivência. Não há como negar que essas mudanças estão acontecendo, mas ainda não conseguimos conectar todas essas informações relacionadas à transição socialmente justa com uma legislação que vai definir como ocuparemos a cidade. Vejo pouca conexão com tudo isso”, conclui Betulia Souto.