Entrarão em debate na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) duas propostas de preservação integral da serra do Curral, cartão-postal da capital mineira ameaçado por empreendimentos de mineração. Os projetos de lei (PL) foram protocolados na segunda-feira (17) pelo vereador Bruno Pedralva (PT).
Um dos PLs defende tornar a serra um “monumento natural”, transformando-a em Área de Proteção Integral. Além de patrimônio paisagístico e cultural do município, a área é essencial para a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A segunda proposta tem o objetivo de reconhecer a serra como sujeito de direitos e instituir um comitê para zelar por ela.
“Além de ser um cartão-postal e fazer parte da nossa identidade, a serra do Curral abriga nascentes e uma grande biodiversidade. Por isso, precisamos protegê-la de atividades predatórias, como é o caso da mineração. A serra do Curral precisa ser cuidada por nós”, defendeu o vereador Bruno Pedralva.
Com extensão de quase 100 quilômetros, a serra passa, além da capital mineira, pelos municípios de Nova Lima, Sabará, Raposos, Ibirité e Brumadinho. Desde 1960, ela é considerada patrimônio histórico e artístico nacional, porém, apenas o trecho que pode ser visto de Belo Horizonte foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Mineração é o principal algoz
Como consequência, nos últimos anos, a área tem sido palco da realização de atividades nocivas, em especial da mineração. Em setembro do ano passado, ambientalistas denunciaram que a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) estaria minerando de forma ilegal no território, mesmo após a Justiça determinar a suspensão das atividades.
Também no segundo semestre de 2024, o governo de Minas Gerais, sob gestão de Romeu Zema (Novo), autorizou a mineradora Fleurs Global a voltar a operar na região da serra do Curral pelos próximos seis anos. A empresa já colecionava 17 acusações de crime ambiental.
Na época, a Fleurs afirmou que foram realizados estudos “a fim de verificar a regularidade da empresa e atestar sua licitude”. Já o governo estadual destacou que a licença concedida é apenas para o tratamento de minério.
Porém, denúncias feitas ao Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontam que a Fleurs estava despejando sedimentos na região, em áreas de mata ciliar, próximas a um córrego que abastece a bacia do rio das Velhas, responsável pelo abastecimento hídrico de 40% da RMBH.
Outras mineradoras, como a Tamisa e a Gute Sicht, também atuaram no local nos últimos quatro anos. Para o ambientalista e coordenador do coletivo Verdejar BH, Filipe Martins, as empresas são as principais ameaças ao cartão-postal da região.
“O algoz número um da serra é a mineração. Sempre foi e continua sendo. A parte de trás da serra, voltada para Nova Lima, é um desastre ambiental irrecuperável. Além disso, a especulação imobiliária é sempre uma ameaça que ronda a serra do Curral”, avalia.
Disputa antiga
Atualmente, existem também projetos de iniciativa estadual e federal para o tombamento e criação de um Parque Nacional da Serra do Curral. Mas, segundo ambientalistas, as mineradoras e o governo de Romeu Zema têm dificultado o processo.
“Nos últimos anos, Minas Gerais tem sido governado por uma aliança estratégica entre as empresas mineradoras e o governo Zema para abrir novas frentes de mineração, o que tem impactos em todos territórios do estado, inclusive na RMBH. Essa é uma grande ameaça, não só à serra do Curral, mas a todas as águas e serras de MG”, comenta Esther Maria, pesquisadora e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Ela explica que a disputa entre os interesses das mineradoras e os da população, em relação à serra do Curral, é antiga. Mas destaca que, nos últimos anos, o problema tem se intensificado.
“A serra do Curral é um território conflagrado por disputas entre as comunidades da RMBH e a mineração há pelo menos 60 anos. Na década de 1960 houve um movimento muito bonito de mobilização política e cultural em defesa da Serra, que já naquela época era alvo da exploração da Vale, e foi por causa desse movimento que o Iphan tombou uma parte da serra no âmbito federal”, lembra.
“Na esteira dessa aliança entre governo e mineradoras, esse avanço da mineração dos últimos anos se baseia no afrouxamento de regras de licenciamento ambiental e na restrição da participação da sociedade civil nos processos de licenciamento. Isso aprofunda a ameaça a nossos territórios, inclusive à serra do Curral”, continua Esther Maria.
Diante desse cenário, para Filipe Martins, os projetos de leis protocolados na CMBH representam boas alternativas de preservação do território.
“Além da principal importância, a ambiental, a transformação em monumento natural preserva o valor turístico, histórico e de identidade do local mais emblemático para a formação da identidade belo-horizontina. A serra tem, para Belo Horizonte, a mesma importância que o Pão de Açúcar tem para o Rio de Janeiro, por exemplo. A iniciativa vem em excelente momento”, comenta.
Serra como sujeito de direitos
Em Minas Gerais, territórios simbólicos já foram reconhecidos como sujeitos de direitos, outra medida proposta pelo vereador Bruno Pedralva para proteger a serra do Curral. É o caso do Pico do Itambé, localizado na cidade de Santo Antônio do Itambé, na região do Alto Jequitinhonha.
O marco de proteção da área, carinhosamente chamada de “teto do sertão mineiro” e também ameaçada pela mineração, foi tomado em dezembro do ano passado, como forma de preservação dos territórios dos povos quilombolas e tradicionais e do ecossistema do cerrado, bioma da região.
Juridicamente, a expressão “sujeito de direito” pode ser utilizada tanto para pessoas físicas quanto para instituições, entidades e organizações, determinando que esses devem ter os seus direitos garantidos e protegidos por lei.
“A serra do Curral não deve ser vista apenas pela relevância do seu uso. Os vegetais e animais precisam ser protegidos. Podemos citar avanços ao redor do mundo, como o que houve no Equador, que reconheceu, em sua Constituição, o meio ambiente como sujeito de direitos”, defende Filipe Martins.
Também no ano passado, a Câmara Municipal de Porteirinha, município do norte de Minas Gerais, aprovou um projeto parecido, em relação ao reconhecimento e proteção do rio Mosquito, validando os direitos de um ente não humano.
“Seria muito importante que, desse novo capítulo de defesa da serra, emergissem mecanismos mais sistemáticos de ampliação da área de proteção. E que também se incorpore a serra ao cotidiano das pessoas, não apenas como cartão-postal, mas também como área de convivência com a natureza, como espaço de vida, de afeto e de lazer da nossa cidade”, finaliza Esther Maria.
O outro lado
A reportagem procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias, mas não obteve respostas até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.