A cidade de Paraty, na Costa Verde, litoral fluminense, tem pela primeira vez um vereador de origem de comunidade tradicional caiçara. Vaguinho de São Gonçalo teve sua candidatura apoiada pelo Fórum das Comunidades Tradicionais e pelo Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e foi o 5º mais votado na cidade, com 792 votos.
Vagno Martins da Cruz é caiçara, da comunidade de São Gonçalo, na zona rural costeira de Paraty (RJ). Nos anos 1970, a construção da rodovia Rio-Santos (BR-101) trouxe muitos empreendimentos para região, desrespeitando territórios tradicionais quilombolas, indígenas e caiçaras, que passaram a sofrer com a pressão da especulação imobiliária.
A ação truculenta de agentes do Estado e as ameaças de representantes da multinacional que reclamava a terra obrigaram inúmeras famílias a deixar o local. Com apenas 15 anos, engajado na defesa do seu território, Vaguinho participou da fundação da Associação de Moradores da comunidade, assumindo a presidência da organização aos 19.
Na configuração geográfica da cidade de Paraty, as comunidades que se encontram mais afastadas do centro urbano ficam desassistidas pelo poder público e mais vulneráveis às investidas de empreendimentos turísticos e imobiliários do setor privado. Em 2007, as comunidades tradicionais da região criaram o Fórum de Comunidades Tradicionais como forma de unificar e fortalecer as suas lutas.
Uma candidatura popular e coletiva
Após duas tentativas anteriores, Vaguinho conquistou a sua primeira eleição ao Legislativo no pleito municipal de 2024. O vereador conta ao Brasil de Fato que a candidatura foi uma construção coletiva que contou com apoio de bases populares e articulações com o Fórum das Comunidades Tradicionais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Sobre a aproximação com o Movimento Sem Terra, Vagno explica que se deu através da deputada estadual do PT-RJ, Marina do MST. Pautas como a luta pela terra e a defesa da agricultura familiar levaram a uma aproximação natural e fortaleceram a candidatura. Nas eleições passadas, 133 candidatos foram eleitos com o apoio do movimento no país, quatro deles no estado do Rio de Janeiro.
Com a campanha “Vote pelo Território”, Vaguinho considera que inaugurou uma nova forma de fazer política na cidade. “O que marca a diferença são as pautas que a gente defende. O que nós defendemos é um projeto político de soberania alimentar. Defendemos os territórios das comunidades tradicionais, o movimento negro, o movimento de mulheres. Isso une a gente. Essas barganhas que se faz na política, concessões, alianças, isso ficou à margem dessa negociação. Isso é inegociável. E isso nos torna diferentes”, explica.
A Câmara de Vereadores de Paraty é composta por 11 parlamentares, dos quais cinco compõe a base de apoio ao prefeito Zezé Porto (Republicanos) e cinco se unem em oposição ao Executivo. Vaguinho se mantém fora desses grupos como único vereador independente no plenário.
A posição apresenta desafios, que foram enfrentados desde o momento da posse, quando a candidatura de Vaguinho à presidência da Casa foi indeferida injustamente. Após mais de dois meses de pressão, e uma batalha judicial que envolveu instâncias do governo estadual e federal, a candidatura foi aceita. O parlamentar caiçara tomou posse da presidência da Casa nesta segunda feira (17), marcando mais uma vitória popular na história do Legislativo paratiense.
Mandato participativo
Para englobar as demandas das comunidades e bases sociais, Vagno optou por exercer um mandato participativo. “Um mês depois de ser eleito, convocamos uma plenária com a militância para fazer a escuta e ir preparando para que a gente pudesse trazer as demandas do movimento social para dentro da casa. Ninguém nunca tinha feito isso aqui”, pontua.
O vereador explica que a estrutura do mandato se separa em eixos temáticos ligados às comunidades tradicionais e que possui um conselho consultivo que conta com representantes dos movimentos sociais da cidade. “A gente busca fazer as tomadas de decisão de forma participativa. A gente recorre à população, une as bases e os movimentos, para absorver as demandas”, conta.
Buscando contemplar as comunidades mais afastadas, criou-se o “Mandato Itinerante”, que realiza reuniões públicas nos locais. Vaguinho reforça o compromisso com a base da sua luta: “A necessidade dessas comunidades fica muito esquecida da política pública. Se pensar 25 anos atrás, era muito pior, claro. Mas ainda tem muita coisa para construir junto. É isso que a gente quer fazer!”.