A 5ª Conferência Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, realizada entre os dias 11 e 12 de março, deveria ser um espaço de diálogo democrático e construção coletiva de propostas para enfrentar a emergência climática, segundo especialistas. No entanto, o evento, organizado pelo governo de Romeu Zema (Novo), foi marcado por uma série de denúncias de autoritarismo, exclusão e restrições à participação popular.
“Como que fazem uma conferência onde não permite que as pessoas conversem entre si, não permite nem que as pessoas abram suas câmeras?! A gente vê a forma como eles trabalharam para que não houvesse participação popular e interação popular”, criticou o engenheiro ambiental Felipe Gomes, delegado eleito pela Conferência Livre do Movimento Eco Trabalhismo sobre Resíduos Sólidos.
Uma moção de repúdio, assinada por delegados eleitos em conferências municipais, regionais e livres, expôs as “falhas graves” na condução do evento, que, segundo os críticos, transformou-se em um mero cumprimento de formalidade, distante dos princípios democráticos que deveriam reger uma conferência desta natureza.
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Entre as principais críticas está o formato exclusivamente virtual, realizado em horário comercial, o que dificultou a participação de trabalhadores e comunidades tradicionais. Além disso, de acordo com o documento, delegados eleitos democraticamente foram excluídos arbitrariamente, e o direito de fala foi severamente limitado, com bloqueio de comentários no chat e tempo restrito para intervenções. A divisão dos grupos de discussão em nichos isolados também impediu o diálogo entre setores da sociedade civil, governos e empresas, fragilizando a representatividade popular.
“A condução deste evento afronta os princípios fundamentais da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, cujo propósito é garantir ampla participação social, debate democrático e construção coletiva de propostas para políticas públicas ambientais. No entanto, o que presenciamos nesta conferência estadual é um evento protocolar que apenas finge promover o debate, mas, na realidade, impede a possibilidade de participação popular real e efetiva”, afirma a moção.
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O deputado estadual Leleco Pimentel (PT) fez duras críticas a Zema, dizendo que o governador faz um desmonte no setor ambiental, favorecendo mineradoras e aparelhando as políticas públicas do estado.
“Tratar de emergência climática como se nós tivéssemos a varinha de condão para resolver os problemas, fingindo que mineração pode conviver com povos tradicionais, fingindo que mineração pode atuar no patrimônio da humanidade, que é Ouro Preto, fingindo que o lítio vai ser a salvação para o Vale do Jequitinhonha, não vai nos ajudar. Zema usa a conferência para se cacifar como um governo eficiente, o que não é”, afirmou durante o evento.
A deputada estadual Bella Gonçalves (Psol) lembrou ainda que Zema negligencia o setor ambiental em um momento delicado para o país e para o estado.
“Estamos vivendo no Brasil e no mundo uma crise de alimentos e uma crise climática muito extrema que estão inter-relacionados. A alta do preço dos alimentos no país está diretamente relacionada com a perda da produção de setores importantes da economia, como o café e arroz, porque a ganância do capitalismo fez com que um modelo de desenvolvimento econômico desconsiderasse a importância do enfrentamento às mudanças climáticas e da preservação das nossas águas”, explicou Gonçalves.
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Modus operandi de exclusão e pseudo-representatividade
O delegado eleito Felipe Gomes ressalta que não houve organização na forma como cada delegado ia se apresentar na conferência e também para pedir votos. Segundo ele, os nomes de alguns delegados sequer constavam na lista de candidatos para receberem votos.
“Teve gente que só conseguiu conversar com as pessoas depois que a eleição já tinha acabado, porque ela ocorreu de 14h às 18h do dia 12 de março. E teve gente que só conseguiu falar depois das 18 horas. Um verdadeiro escárnio”, denuncia Gomes.
Para a ambientalista do Projeto Manuelzão Jeanine Oliveira, a forma como o governo Zema tem atuado na realização de conferências e conselhos segue um padrão. Segundo ela, desde o início da gestão, Zema adota um modelo de limitação de horário e de pseudo-representatividade.
“Esses conselhos têm de ter todas as partes representadas. Isso é uma coisa que tem sido negligenciada. Não se observa que, de fato, o resultado desses modelos de gestão não funciona e está cada vez pior, por diversos motivos. E esta última conferência estadual vem para confirmar que esse é um modelo que o estado tem adotado toda vez que ele precisa da participação popular”, ponderou a ambientalista.
Oliveira destacou que a conferência de Meio Ambiente tem de ser um modelo que garanta a representatividade.
“Essa é a primeira coisa que Zema não garante. Portanto, não é mais um instrumento de participação social. O que mais incomoda é que são questões que seriam facilmente tratadas por especialistas”, explicou. A ambientalista observou ainda que reuniões e conferências sob a gestão de Zema não condicionam decisões que seriam favoráveis para a população.
“Alguém pode apresentar a argumentação que for e nada vai ser levado em consideração para o que for acontecer dali para frente. Virou uma formalidade, que é outra coisa que faz diminuir a participação”, criticou.
Gomes reforça que, como não houve participação efetiva dos delegados eleitos, a votação que ocorreu durante a conferência não deveria ser validada.
“Da forma como foi conduzido o processo, deveria ser anulada essa votação e reaberto o processo de votação de modo a permitir algo democrático, que realmente as pessoas possam se apresentar as demais, que todo mundo saiba quem são os candidatos, que todo mundo tenha igualdade na forma de se apresentar para os eleitores”, avalia.
Ainda de acordo com Gomes, para que haja uma conferência ambiental mais participativa e democrática é preciso exigir que as reuniões do Conselho de Política Ambiental ocorram de forma híbrida com a possibilidade de participação online, mas também de forma presencial.
Esforço técnico e sombra sobre a legitimidade
Apesar das críticas ao governo Zema, os participantes reconheceram o esforço da equipe técnica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que buscou garantir um mínimo de diálogo diante das adversidades. Com mais de mil participantes, a conferência abordou eixos como Mitigação, Transformação Ecológica, Adaptação e Justiça Climática. As propostas aprovadas serão levadas à 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, em maio.
A secretária nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Rita de Cássia Guimarães Mesquita, ressaltou a importância da conferência para o desenvolvimento de soluções concretas que impactem diretamente a vida da população.
“Conferências são fundamentais para construir políticas públicas que enfrentem a crise climática de forma efetiva e inclusiva”, afirmou.
No entanto, para os especialistas, as denúncias de cerceamento e exclusão lançam uma sombra sobre a legitimidade do processo, reforçando a percepção de que o governo Zema não prioriza a participação popular e a construção de soluções reais para os desafios ambientais de Minas Gerais.
O outro lado
Questionado pelo Brasil de Fato MG sobre as denúncias e críticas trazidas pelos movimentos, o governo do estado não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.