A proposta do governador Romeu Zema (Novo) de fechamento de quatro hospitais públicos em Belo Horizonte e a criação de um novo complexo hospitalar gerido por entidades privadas tem provocado críticas de especialistas, sindicalistas e parlamentares.
A medida, que integra o Projeto de Lei (PL) 2127/2024, enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), propõe a criação do Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar (SSA-GEHOSP), consolidando um modelo de Parceria Público-Privada (PPP) na saúde.
Os hospitais afetados são a Maternidade Odete Valadares, o Infantil João Paulo II, o Eduardo de Menezes e o Alberto Cavalcanti, unidades que são referências no atendimento de oncologia, infectologia, pediatria e maternidade. Com o fechamento, os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) serão encaminhados para um único complexo hospitalar, que será construído no terreno do antigo Hospital Galba Velloso, no bairro Gameleira, na região oeste da capital mineira.
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“O fechamento de quatro hospitais que são referências no atendimento especializado pode piorar a qualidade do serviço e gerar perda de expertise de seus profissionais. A gestão por uma SSA implica na perda de direitos, vínculos profissionais e estabilidade, expondo os trabalhadores a perseguições e desmandos”, critica Dehonara de Almeida, diretora executiva do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde (Sind-Saúde/MG).
O vereador Bruno Pedralva (PT) reforça ainda que, com o fechamento desses hospitais, a população que aguarda por atendimento vai esperar ainda mais por novas vagas.
“Nós não estamos no momento em que todos os nossos pacientes que estão esperando uma cirurgia conseguem fazer no tempo adequado. Não estamos no momento em que todos os nossos pacientes internados nas UPAs [Unidade de Pronto Atendimento] ou nos hospitais de pequeno porte da região metropolitana conseguem vagas nos hospitais de alta complexidade. Portanto, fechar quatro hospitais, ao invés de a gente aproveitar a construção de um novo hospital para ampliar os leitos, é uma irresponsabilidade com o SUS e com o povo mineiro”, concluiu.
Sucateamento e sobrecarga do sistema
Além do fechamento das unidades, o governo Zema tem sido alvo de críticas por sucatear a rede pública de saúde. No Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), o bloco cirúrgico está interditado há três meses, sobrecarregando outras unidades, como o Pronto-Socorro João XXIII. O vereador Bruno Pedralva destacou o impacto.

“O fechamento do HMAL resultou no cancelamento de mais de 1,5 mil cirurgias eletivas, sobrecarregando hospitais como o São Francisco Metropolitano e o Hospital da Baleia”, disse.
PPP: solução ou problema?
A principal aposta do governo é a construção de um novo complexo hospitalar, com investimento superior a R$ 1 bilhão, que concentra os serviços dos quatro hospitais fechados. No entanto, sindicalistas e especialistas questionam a eficácia da medida.
“Investir bilhões de reais para trocar seis por meia dúzia é um desperdício de dinheiro público que não significa a abertura de nenhum leito, pois os criados no novo hospital substituíram os que vão fechar nos outros hospitais”, afirmou Dehonara de Almeida.
Pedralva explica que privatizar hospitais não é a alternativa para resolver os problemas do SUS. E citou os exemplos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
“As OSs que administram hospitais públicos são o antro de corrupção, de gastança de recurso público e de qualidade inferior aos hospitais geridos diretamente pelo setor público”, comenta.
Ele reforçou que na capital mineira há exemplos de hospitais públicos que dão conta da gestão das unidades de atendimento.
“Por exemplo, o Odilon Behrens e o Hospital das Clínicas. Temos a clareza de que os hospitais públicos dão conta sim da gestão, desde que seja eficiente, compromissada em atender com dignidade os usuários e principalmente com a capacidade de inovar, de implementar tecnologias e processo de trabalho que qualificam o cuidado”, defende.
Para a sindicalista, a privatização é uma “política de morte”.
“A experiência já mostrou que privatizar dá errado. Vimos na pandemia a população do Amazonas ficar sem oxigênio, enquanto a OS garantia um lucro de R$ 320 milhões, ambulância sujas e batidas transportando pacientes, pacientes com biópsia positiva para câncer aguardando dois anos para início do tratamento. Privatizar o SUS é uma política de morte e faz muito mal à saúde”, concluiu.
TCE-MG analisa denúncias
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) está examinando denúncias relacionadas ao edital de terceirização do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), que propõe a transferência da gestão da unidade para organizações privadas.
No dia 17 de março, representantes de sindicatos e parlamentares se reuniram com o presidente do TCE-MG, Durval Ângelo, e com o relator do caso, o conselheiro Licurgo Mourão, para debater os possíveis impactos dessa medida.
As denúncias sugerem que a terceirização pode levar ao fechamento permanente do HMAL e à deterioração dos serviços de saúde oferecidos. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também está investigando se houve um sucateamento intencional do hospital para justificar a terceirização. O MPMG solicitou documentos ao governo estadual para entender as razões por trás da interdição do bloco cirúrgico, que está fechado há três meses.
O TCE-MG está considerando a possibilidade de suspender o processo por meio de uma medida cautelar. A decisão final será tomada após a análise dos pedidos apresentados e das justificativas fornecidas pelo governo de Romeu Zema.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) apresentou um pedido de impugnação ao Edital FHEMIG/HMAL nº 01/2025, que prevê a permissão de uso ou cessão de imóvel e doação de bens móveis do Hospital Maria Amélia Lins. Em sua peça jurídica, a parlamentar aponta que o edital possui vícios insanáveis, tornando a contratação pretendida ilegal.
Uma das principais críticas de Cerqueira é o desrespeito ao princípio democrático do controle social. A política de descentralização da saúde foi reprovada pelo Conselho Estadual de Saúde, assim como o próprio edital. Além disso, a deputada destaca a ausência de interesse público e critérios claros, imprescindíveis em um chamamento público, que possam justificar a cessão do imóvel e a doação dos bens móveis do HMAL.
“Não está demonstrado o interesse público, nem a economicidade, vantagem e viabilidade na cessão do imóvel e a doação dos móveis do Hospital Maria Amélia Lins. O patrimônio público está sendo cedido sem garantia de que o serviço público de saúde será aprimorado ou ampliado”, afirmou Cerqueira.
A deputada também alerta para o risco de dano ao conjunto dos recursos financeiros públicos e ao patrimônio público.
O outro lado
Em nota, o governo de Minas Gerais informou que o novo complexo hospitalar será uma unidade moderna que vai substituir quatro hospitais que hoje enfrentam muitos desafios operacionais e burocráticos e acrescentou ainda que a estrutura do novo complexo atenderá a todos os requisitos necessários.