A Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) aprovou nesta quinta-feira (20) um projeto de lei que diminui as distâncias necessárias para a aplicação de agrotóxicos em relação a cursos d’água, propriedades vizinhas e moradias. Em propriedades pequenas – que tenham até 4 módulos fiscais – a distância caiu a zero.
Já em propriedades médias – de 4 a 15 módulos fiscais – a distância de proteção passará a ser de 25 metros e em grandes propriedades – mais de 15 módulos fiscais – a distância mínima é de 90 metros. A área dos módulos fiscais varia de acordo com o município. De acordo com o sistema de consultas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Mato Grosso, com exceção da capital Cuiabá, todas as cidades possuem módulos fiscais entre 60 hectares e 100 hectares.
O projeto vai agora para sanção do governador Mauro Mendonça (União).
Atualmente, a legislação em vigor prevê uma distância de proteção de 90 metros, independentemente da área da propriedade. Entretanto, o decreto de 2013 que determinou esta distância foi questionada pelo Ministério Público do Mato Grosso. O MP conseguiu uma vitória em primeira instância em 2024 para restaurar as distâncias que vigiam até 2013, que eram de 300 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e de mananciais de captação de água para abastecimento de população; 150 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais; e 200 metros das nascentes, ainda que intermitentes.
Para o deputado estadual Lúdio Cabral (PT), a ALMT optou por ignorar a ciência. “O PL do Veneno foi aprovado com 3 votos contrários, incluindo o meu”, disse.
“Em audiência pública, reunimos pesquisadores para mostrar a relação entre agrotóxicos e incidência de câncer, aborto espontâneo, malformação fetal. O governador ainda pode vetar o projeto, e esperamos que isso seja feito. Mas se o projeto for sancionado, vamos partir para o caminho da judicialização, pois ele coloca em risco o meio ambiente e a saúde da população”, completou o deputado.
A doutora em saúde pública e integrante do Núcleo de Estudos Ambientais e em Saúde do Trabalhador da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/UFMT) Marcia Montanari destaca as consequências para os trabalhadores rurais derivadas do aumento do uso de agrotóxicos. “A argumentação de que isso vai beneficiar os pequenos agricultores é uma falácia. Na verdade vai expor ainda mais esses agricultores, principalmente os pequenos, aos riscos de contaminação humana e ambiental, sobretudo das fontes de abastecimento de água (rios, poços artesianos) por conta desse limite zero”, diz.
Populações tradicionais também têm maior risco de serem atingidas. “Ampliam-se também os riscos para as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas. Nós já tivemos muitos casos aqui no estado de intoxicações dessas populações por conta do uso de agrotóxicos fora dos limites. Então quando você coloca zero de limite certamente não haverá respeito nenhum à casa, às aldeias, aos territórios tradicionais aqui no estado.”
Ela aponta alguns dos problemas de saúde relacionados ao uso de pesticidas. “A gente vislumbra consequências do aumento do risco à saúde da população. Certamente vai haver aumento na incidência dos casos de intoxicação aguda – sinais e sintomas que acontecem nas 24 horas de exposição. Podem acontecer dores de cabeça, náuseas, tontura, problemas de pele, nos olhos, e até mesmo problemas mais graves, neurológicos, e até o óbito”, enumera.
Há também problemas crônicos envolvidos. “Os indicadores de malformações fetais nos municípios do agronegócio são potencialmente maiores do que no restante do país. E também os casos de cânceres infanto-juvenis, além de doenças respiratórias em crianças e idosos, que são mais sensíveis”, afirma Montanari.
A especialista também aponta consequências econômicas e possibilidade de conflitos. “A gente sabe que pequenas propriedades têm uma diversidade de produção muito grande. Às vezes o que se usa em uma propriedade ao lado que está plantando milho, soja, ou mesmo hortifruti, pode impactar o que está produzindo no vizinho, e isso vai com certeza dar conflito entre esses pequenos agricultores.”
Outro problema deverá ser a perda de certificação de produtores orgânicos no estado, uma vez que será mais difícil proteger as lavouras do agrotóxico usado em propriedades vizinhas.