O Ministério Público da Paraíba (MPPB) e a Defensoria Pública do Estado (DPE-PB) expediram, nesta sexta-feira (21), uma recomendação conjunta ao município de João Pessoa para que promova a alteração dos nomes de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que homenageiam figuras ligadas à ditadura militar (1964-1985). A medida visa garantir o direito à memória e à verdade, evitando uma visão distorcida da história. A capital paraibana tem 15 dias úteis para informar as providências que serão adotadas.
A recomendação, assinada por promotores de Justiça e defensoras públicas, baseia-se no Relatório Final da Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa, que lista 11 espaços públicos que devem ser renomeados. Entre eles, estão bairros, avenidas, ruas e até uma escola municipal que homenageiam ex-presidentes e militares envolvidos em graves violações de direitos humanos durante o regime militar.
Contexto histórico e recomendações
A ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985, foi marcada por perseguições políticas, torturas, desaparecimentos forçados e mortes. Em 2014, o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou 377 agentes do Estado responsáveis por crimes durante o período e recomendou a alteração de nomes de logradouros e instituições que homenageiam essas figuras.
Na Paraíba, a Comissão Estadual da Verdade, em relatório de 2017, também sugeriu a renomeação desses espaços, propondo que fossem batizados com nomes de vítimas da repressão. Apesar das recomendações, João Pessoa ainda mantém homenagens a figuras como Humberto de Alencar Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel, todos ex-presidentes durante a ditadura.
Espaços que devem ser renomeados
A lista de locais a serem alterados inclui:
– Bairros: Castelo Branco, Costa e Silva e Ernesto Geisel;
– Avenidas: General Aurélio de Lyra Tavares e Presidente Castelo Branco;
– Praça Marechal Castelo Branco;
– Ruas: Presidente Médici, Presidente Ranieri Mazzilli e Travessa Presidente Castelo Branco;
– Loteamento Presidente Médici;
– Escola Municipal Joacil de Brito Pereira.
Lei municipal e resistência à mudança
Apesar das recomendações das comissões da Verdade, João Pessoa possui uma lei municipal que impede a alteração de nomes de logradouros após 10 anos de consolidação. No entanto, o MPPB e a DPE argumentam que essa norma não pode se sobrepor aos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito e da dignidade humana.
A promotora de Justiça Fabiana Lobo da Silva destacou que manter essas homenagens é como se o Estado “sequer tivesse esquecido o que aconteceu”. “Não se trata de uma política de esquecimento, mas de um enaltecimento dessas pessoas, que foram apontadas nos relatórios das comissões como envolvidas em graves violações de direitos humanos”, afirmou.
“Já havia sido feito no sentido de cumprir as recomendações constantes nos relatórios finais das Comissões Nacional, Estadual e Municipal da Verdade, precisamente a recomendação de troca ou alteração dos nomes de pessoas ligadas à ditadura militar que homenageiam espaços públicos. É importante registrar que a recomendação das Comissões da Verdade de alterar os nomes de espaços públicos que homenageiam figuras ligadas a violações de direitos humanos é, na verdade, um mecanismo de Justiça de Transição, previsto pela própria ONU”, comentou a promotora.
Movimentos sociais e justiça de transição
A luta pela renomeação de espaços públicos que homenageiam figuras da ditadura não é nova. Organizações como o Instituto Vladimir Herzog e a Defensoria Pública da União (DPU) têm atuado nacionalmente para garantir o cumprimento das recomendações da CNV. Em dezembro de 2024, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a Prefeitura de São Paulo estabelecesse um cronograma para mudar nomes de ruas e instalações ligadas ao regime militar.
Na Paraíba, além do MPPB e da DPE, movimentos sociais e entidades de direitos humanos têm pressionado o poder público para que as homenagens sejam substituídas por nomes que representem a luta pela democracia e a memória das vítimas da repressão.
A esquerda e os movimentos sociais defendem que a manutenção dessas homenagens é uma forma de perpetuar a herança autoritária da ditadura. Para eles, a renomeação dos espaços públicos é um passo essencial para a consolidação da democracia e a reparação histórica das vítimas.
“Essa mudança não é apenas simbólica. É uma forma de o Estado reconhecer que aqueles que cometeram violações de direitos humanos não devem ser celebrados. É uma questão de justiça e de respeito às vítimas e suas famílias”, afirmou Fernanda Peres da Silva, defensora pública e coordenadora do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos da DPE-PB.
Próximos passos
O município de João Pessoa tem até o dia 5 de abril para se manifestar sobre a recomendação. Caso não haja uma resposta satisfatória, o MPPB e a DPE podem adotar medidas judiciais para garantir o cumprimento das diretrizes.
“A Justiça de Transição é uma forma de o Estado se posicionar, demonstrando que não concorda com o que aconteceu durante o período de ruptura do regime democrático. Não se trata de uma política de esquecimento, mas sim de uma política de reparação, que visa não exaltar essas pessoas que foram apontadas nos relatórios das Comissões da Verdade como envolvidas com a ditadura militar, período marcado por graves violações de direitos humanos”, destaca Fabiana Lobo.
Enquanto isso, a sociedade civil organizada segue mobilizada, cobrando que a capital paraibana dê um passo decisivo em direção à memória, à verdade e à justiça.
Dados históricos
Nos últimos 20 anos, pelo menos 15 cidades brasileiras promoveram a renomeação de espaços públicos que homenageavam figuras da ditadura. Em João Pessoa, a resistência à mudança tem sido justificada por setores conservadores, que argumentam que a alteração dos nomes representaria uma “revisão histórica”. No entanto, especialistas afirmam que a medida é um mecanismo de justiça de transição, previsto até mesmo pela Organização das Nações Unidas (ONU), para garantir que violações de direitos humanos não sejam esquecidas ou celebradas.
A expectativa é que, com a pressão do Ministério Público e da Defensoria Pública, João Pessoa finalmente adote as medidas necessárias para corrigir essa distorção histórica e honrar a memória das vítimas da ditadura.