Conhecida como a “terceira capital da Rússia”, Kazan tem um profundo passado histórico que é fundamental na formação do Estado russo como o conhecemos hoje. Na fronteira entre a Rússia ocidental e oriental, Kazan une história, multiculturalismo, tradição e modernidade.
A cidade de Kazan é a primeira parada da lendária rota Transiberiana. Apesar de não fazer parte do trajeto original da maior ferrovia do mundo, a cidade é comumente considerada uma parada obrigatória para quem atravessa o país de trem.
Em entrevista ao Bem Viver, programa do Brasil de Fato, o historiador do período soviético e guia de turismo da agência Estrela Vermelha, Rodrigo Ianhez, conta que no momento de construção da transiberiana, Kazan não estava incluída entre as cidades pelas quais a ferrovia passaria. No entanto, após um maior desenvolvimento das ferrovias na Rússia, uma série de outras estradas de ferro foram estabelecidas, inclusive essa conectando Moscou a Kazan. Assim, “Kazan passou a ficar conectada posteriormente aos Urais e Ekaterinburgo, portanto voltando para aquele traçado original da Transiberiana”, explica Ianhez.
“É um mero detalhe técnico Kazan não ser parte daquela transiberiana original, planejada, construída e finalizada no início do século XX. De Moscou a Vladivostok são 9.288 quilômetros. Portanto, as pessoas que fazem esse trajeto turístico da Transiberiana têm muitas opções das cidades onde parar. Elas não são obrigadas a parar em cidade alguma. Cada um faz o seu roteiro. Inclusive há aqueles que vão direto, sem fazer nenhuma parada. Mas, por Kazan ser uma cidade com uma importância histórica muito grande, uma cidade muito bonita, uma região rica da Rússia, uma região bastante próspera, Kazan acaba expressando isso. É muito organizada, limpa, com vários monumentos históricos. Enfim, é uma das cidades mais interessantes da Rússia”, completa o historiador.
E é assim que a reportagem do Brasil de Fato embarca rumo à capital da república do Tartaristão, utilizando o meio de transporte mais tradicional entre os russos: o extenso sistema ferroviário nacional. Partindo de Moscou, se percorre uma jornada de quase 12 horas até o destino.
Mais de mil anos de história
A chegada a Kazan ocorre ao amanhecer. Logo ao adentrar a cidade, os visitantes se deparam com o Kremlin de Kazan, uma imponente fortaleza medieval que simboliza momentos decisivos da história russa. Declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 2000, o monumento é um marco cultural e histórico, cuja construção se deu a partir das ruínas de uma antiga fortificação dos búlgaros, que haviam ocupado a região desde o século X. No século XV, com a ascensão do Canato de Kazan, a cidade se tornou um importante centro político e comercial, e o Kremlin foi fortalecido como uma cidadela de defesa.
Assim, fundada há mais de mil anos, Kazan foi um importante centro do Canato Tártaro durante séculos, até ser conquistada pelo czar Ivan, o Terrível, em 1552, marcando um momento-chave na consolidação do Estado russo.
O historiador Rodrigo Ianhez conta que, antes da conquista de Ivan, o Terrível, Kazan era dominada pelos canatos tártaros, pelos remanescentes da horda de ouro, que foi o Estado tártaro Mongol estabelecido após as invasões mongóis no século XIII. “Então, a conquista de Kazan por Ivan, o Terrível, foi um empreendimento muito longo. Ivan, o Terrível, se envolveu diretamente na campanha dos russos para conquistar a cidade de Kazan, sendo um marco do movimento em que a Rússia se liberta, digamos assim, do jugo tártaro mongol, dos quase 240 anos que os russos ficaram sob influência direta dos clãs tártaros mongóis”, afirma.
Esse período histórico foi retratado no clássico filme Ivan, o Terrível, de 1944, do cineasta soviético Serguei Eisenstein. A primeira parte da obra conta justamente sobre a cerimônia de coroação de Ivan, o Terrível, como czar russo, quando ele promete unir o Estado contra as ameaças externas, especialmente dos tártaros de Kazan.
Já no século XVIII, o reinado da Catarina, a Grande, em Kazan, contribuiu para a promoção de uma maior liberdade religiosa no Império Russo. As comunidades tártaras fazem uma petição para a construção de mesquitas, considerando que Ivan, o Terrível, foi responsável pela destruição das mesquitas da cidade, e, desde então, novas mesquitas não haviam sido construídas.
“Então, a Catarina autoriza e são construídas as mesquitas que hoje estão em pé no bairro histórico Tártaro de Kazan, as primeiras mesquitas da cidade sob domínio russo. Então Kazan acaba sendo esse marco de encontro entre a religião ortodoxa e a religião islâmica, entre os povos russos e os povos tártaros, e, de certa maneira, entre uma Rússia mais ocidental e uma Rússia que olha mais para o Oriente, para as minorias étnicas. Kazan nesse aspecto é uma mistura muito grande”, explica Rodrigo Ianhez.
Hoje, Kazan é um dos maiores exemplos de convivência entre diferentes culturas e religiões na Rússia, onde ortodoxos, tártaros muçulmanos vivem lado a lado e preservam as suas tradições.
E essa tradição multicultural foi perpetuada até os tempos atuais. Um dos principais símbolos do multiculturalismo de Kazan hoje está representado no monumento que é o “Templo de todas as religiões”, criado em 1993 e considerado um dos lugares mais ecumênicos do mundo. O projeto foi idealizado pelo arquiteto e artista Yuldar Hanov, natural do Tartaristão, que após realizar viagens ao Tibete e à Índia teve a ideia de combinar 16 religiões do mundo inteiro em um só templo.
O fato interessante é que o monumento não foi idealizado para ser um espaço religioso. Não há cultos, missas ou altares. A ideia é que seja um espaço cultural de aproximação de diferentes culturas e religiões do mundo inteiro, uma espécie de exaltação à diversidade.
Outro monumento que simboliza essa convivência de diferentes religiões e culturas é a Mesquita Kul Sharif, uma das maiores da Rússia, que foi reconstruída dentro do muro do Kremlin de Kazan. Nas dependências da histórica fortaleza da cidade, a coexistência de instituições do islamismo e do cristianismo ortodoxo mostram a importância de Kazan não apenas para a história da Rússia, mas também como um ponto de união entre diferentes tradições do passado e do presente.
E tem mais…
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Quando e onde assistir?
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