“Água e moradia: é direito, não mercadoria.” As palavras estampam um dos muitos cartazes que tomaram a Avenida Bento Gonçalves na última quinta-feira (20), quando moradores das vilas Colina e Grécia e do Morro Santana, na zona Leste de Porto Alegre, foram às ruas para protestar contra a frequente falta de água na região.
Cerca de 40 pessoas se reuniram com cartazes e faixas em frente à Escola Estadual de Ensino Fundamental Desiderio Torquato Finamor para reivindicar a implantação e melhoria na estrutura de abastecimento de água do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae). Panfletos com mais informações sobre o ato também foram entregues aos motoristas que paravam na sinaleira.

As principais exigências dos moradores são a instalação de rede de distribuição nos pontos que ainda não são atendidos pelo Dmae; o aumento de diâmetro dos canos e melhoria no bombeamento da água; instalação de mais e maiores caixas d’água em pontos altos, com ligação a mais residências, e instalação de redes de esgoto. A manifestação também foi uma oportunidade de defender que o Dmae continue público, com mais investimentos e controle social.
Esta última diz respeito às mudanças estruturais da autarquia, aprovadas através do Pl 03/2025. O projeto, que inclui a criação de novas diretorias e a transformação do Conselho Deliberativo em um órgão consultivo, foi votado na primeira sessão ordinária da Câmara Municipal de Vereadores deste ano, no último dia 3 de fevereiro, e foi aprovado com 23 votos a 12. Para a oposição, este é um dos primeiros indicativos de privatização do Departamento.

O cenário de falta de água já faz parte das rotinas de muitos moradores, que convivem com a escassez do recurso há anos. Segundo Débora Tavares, liderança comunitária e uma das organizadoras do ato, a falta de água é um problema histórico na região. Ela explicou que a distribuição de água pelo Dmae está instalada em poucos pontos de acesso, os chamados terminais, que muitas vezes não têm pressão o suficiente para o número de residências.
“No inverno já foi bem complicado e no verão, foi muito triste. Famílias ficaram meses sem água. E temos uma questão de uma parte da comunidade que não tem água há mais de 2 anos, pois eles fecharam o terminal. (…) Quando não se tem água, além de comprar para beber e fazer comida, buscamos em pontos de olho d’água, tipo bica. Mas a água é escura e não sabemos se é possível beber. Mas ajuda para dar para animais, plantas, pôr no vaso sanitário, lavar roupa, louça, limpar a casa”, disse.
Sem água e sem saneamento básico

Outro grande desafio é a ausência de saneamento básico em pontos da região. Sem uma forma adequada de descarte, moradores fizeram uma valeta para escoar o esgoto, e vivem em meio a esgotos a céu aberto.
“Uma parte da rede foi feita pelos próprios moradores. São algumas mangueiras bem inapropriadas. Essas mangueiras quebram, ficam no meio do esgoto, contaminam a água, então tem uma questão de saúde pública também. E é um direito básico a questão da água”, defendeu Bruna Rocha, apoiadora da luta comunitária.
Por conta da distribuição precária, moradores relatam precisar recorrer a outras alternativas para conseguir acesso à água, como depender de caixas d’água, buscar água em um lago da comunidade – mesmo imprópria para consumo –, ou usar mangueiras de vizinhos.
Silvana dos Santos Mendes, que vive na Vila Grécia há 25 anos, contou que a água parou de chegar regularmente à sua casa há uma década. Ela afirmou ainda que já chegou a ficar duas semanas sem água.
“O Dmae já está nos enrolando desde 2020. Tenho vários protocolos. Eles vêm só medir, disseram que iam ligar a água para nós no ano passado, e nada se resolve. (…) Não tem água no nosso beco. Temos mais de 30 famílias e nos viramos com o que podemos”, disse.
Em meio à necessidade, os moradores recorrem à solidariedade da vizinhança. De acordo com Débora, aqueles que têm caixas d’água ou olhos d’água em seus pátios sempre cedem para os vizinhos. “Existe uma união forte na comunidade. Mas também existem aqueles que perderam a esperança de que as coisas podem mudar, se endureceram, infelizmente.”
Outro empecilho para parte da população é que alguns pontos das comunidades não têm regularização fundiária, ou seja, vivem em imóveis que não são regularizados, o que dificulta a implantação de redes formais de abastecimento. Segundo Rocha, a comunidade já está em processo de tentativa de regularização fundiária ou reassentamento.
Moradores serão recebidos pelo Dmae

O ato, conduzido de forma pacífica, foi acompanhado pela Brigada Militar e pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que mantiveram distância. O objetivo de chamar a atenção do Dmae teve sucesso: depois de um tempo desde o início do ato, funcionários da instituição chegaram ao local do protesto para escutar os moradores e se comprometeram a fazer uma caminhada pela comunidade. Eles prometeram fazer uma análise da situação da comunidade para levar para a diretoria do Departamento.
De acordo com Bruna, os funcionários foram receptivos, e os moradores receberam essa abordagem como uma possibilidade de diálogo. Ainda assim, segundo ela, os moradores vão seguir fazendo abaixo assinados e reivindicando seus direitos.
Procurado, o Dmae reforçou que uma equipe de assessores comunitários acompanhou a manifestação, e afirmou que representantes da comunidade serão recebidos para uma reunião com a equipe técnica do órgão, com data a ser alinhada entre as partes.
“Na oportunidade, serão discutidas alternativas para o abastecimento de parte da Colina do Prado – área que não possui regularização fundiária, onde as moradias não possuem rede formal de abastecimento”, declarou a autarquia.
