Neste domingo (23), três indígenas foram presos pela Polícia Federal (PF), suspeitos de terem assassinado e decapitado outro Avá Guarani, todos da aldeia Jevy, em Guaíra (PR). Marcelo Ortiz, de 33 anos, foi encontrado morto e com o corpo desmembrado na manhã do último sábado (22), em uma estrada rural próxima ao aeroporto.
A prisão foi feita em flagrante e convertida, no final da tarde de domingo, em preventiva. O caso foi encaminhado, então, para a Justiça Estadual do Paraná. De acordo com a PF, o “homicídio foi cometido por causa de um sério desentendimento entre os indígenas presos e o assassinado, sem relação com o conflito fundiário entre indígenas e não indígenas, nos municípios de Guaíra e Terra Roxa”.
A motivação do assassinato é ainda desconhecida. Apesar de, conforme apontam as investigações, não ter sido um ataque praticado por não indígenas contra os Avá Guarani – como as ações de pistoleiros que, desde julho de 2024, já alvejaram 12 indígenas na retomada Yvy Okaju -, o caso acontece em contexto em que a falta de acesso à terra se relaciona com os altos índices de pobreza e alcoolismo nas comunidades.
Esta é a avaliação do indigenista Paulo Porto, coordenador do programa de sustentabilidade indígena da Itaipu Binacional, que atua nas comunidades indígenas no Oeste do estado. “O caso é resultado de um combo de tragédias”, lamenta.
“É resultado do confinamento territorial em que essas comunidades se encontram há décadas, da invisibilização desta população, do profundo preconceito que essas comunidades sofrem na região, da sua insegurança alimentar e vulnerabilidade social”, elenca Paulo Porto. “Por isso, não é possível descolar isso destas tragédias todas. Se entendermos este caso simplesmente como uma ‘briga interna’, estaremos punindo, de novo, as vítimas”, avalia.
Na manhã do sábado, indígenas e indigenistas se reuniam no tekoha Hité para discutir questões relacionadas à saúde mental e uso abusivo de álcool e outras drogas, quando veio a notícia do brutal assassinato. Cantos e rezas foram entoados e uma parte dos presentes se deslocou até o lugar onde Marcelo foi encontrado, para acompanhar a perícia.
Morte às vésperas de assembleia Guarani
Sob o sentimento de choque e luto, nesta segunda-feira (24) começou – a cerca de 150 km de distância de Guaíra – a assembleia geral da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização que reúne indígenas do povo Guarani das regiões Sul e Sudeste. Cerca de mil lideranças estão na cidade de Itaipulândia (PR) para debater e desenhar as estratégias de luta do próximo período.
A abertura da assembleia acontece com a presença de autoridades do Executivo e do Judiciário, como os ministros Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Paulo Teixeira, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
A cerimônia é para a assinatura de um acordo de reparação territorial por parte da Itaipu Binacional aos indígenas no Oeste do Paraná, com a aquisição de cerca de três mil hectares. A construção da Hidrelétrica nos anos 1970 fez submergir boa parte do território dos Avá Guarani.
Em carta sobre o acordo, o povo Avá Guarani diz que recebeu a notícia da aquisição de terras com “misto de alívio e decepção”, pois esperavam “um acordo na justiça com a real dimensão dos danos causados”.
O tekoha Jevy, de onde são Marcelo e os três presos, integra a Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá. Sobreposta por 165 fazendas, a TI já teve seus 24 mil hectares identificados e delimitados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018, mas está, desde então, com o processo demarcatório parado.
As áreas agora compradas pela Itaipu e destinadas ao povo originário serão divididas entre as comunidades das TIs Guasu Guavirá e Ocoy Jacutinga, onde vivem cerca de cinco mil pessoas.
“Obviamente 1.500 hectares para cada TI não possibilita que finalmente possamos viver o nhandereko, nosso modo de vida”, explica a carta dos indígenas, que afirmam não querer viver “amontoados” como em bairros da cidade. “Celebramos o acordo parcial com Itaipu como fruto de nossa luta que é de muito tempo. Mas seguiremos firmes até que uma verdadeira reparação histórica seja feita”, dizem os Avá Guarani.