Mulheres quilombolas de todo o país lançaram, nesta terça-feira (25), o Comitê Quilombola da Marcha das Mulheres Negras 2025, que acontecerá em novembro. O grupo apresentou as principais reivindicações à ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, e à ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, em encontro realizado em Brasília.
A titulação dos territórios quilombolas foi eleita como a questão central da mobilização. “Nós vamos marchar pela garantia da existência das mulheres quilombolas no território. Porque nós precisamos do território vivo, do ponto de vista do meio ambiente e da produção. Então nós queremos marchar para garantir orçamento público para a desapropriação e a titulação dos territórios, para o Plano Nacional de Saúde da População Quilombola e por educação escolar quilombola”, destacou Xifroneze Santos, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em entrevista ao Brasil de Fato DF.
A dificuldade e a demora na regularização dos territórios quilombolas também foi reconhecida pela ministra Macaé Evaristo. “A gente observa que avança, ainda que a passos muito lentos e muito aquém do que precisamos, a titulação das terras indígenas, mas quando se trata de territórios quilombolas não muda 1 centímetro”, avaliou.
“Não é à toa, não é ocasional, não é por ingenuidade. Isso não avança porque avançar com a titulação de terras quilombolas mexe diretamente com as forças do capital”, defendeu Evaristo, citando o exemplo das terras quilombolas do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que historicamente são alvo de mineradoras e, mais recentemente, da exploração de lítio.
De acordo com dados do Ministério da Igualdade Racial (MIR), em 2024, o governo federal assinou 31 decretos de desapropriação de imóveis rurais localizados dentro de territórios quilombolas. Em 2023, só havia assinado um, segundo dados do Observatório Terras Quilombolas, da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP).
A representante da Conaq reconhece o esforço e as tentativas de diálogo do executivo, mas considera que as discussões precisam avançar. “As políticas públicas a nível nacional, algumas desenhadas com a nossa participação, são publicadas mas não chegam na ponta. Nós vamos marchar para que o governo federal possa, juntamente com os estados e municípios, fazer com que essa política de reforma agrária, de saúde, de educação saia do papel. O governo ainda precisa fazer muito para que essa reparação aconteça, para que aquela rampa que ele [Lula] subiu com a diversidade de fato aconteça”, avaliou Xifroneze.
Marcha das Mulheres Negras
A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver 2025 acontece dez anos após a primeira edição da mobilização e pretende reunir mais de 1 milhão de mulheres nas ruas de Brasília no dia 25 de novembro. Segundo Xifroneze, cerca de 10 mil quilombolas participaram da 1ª Marcha e, agora, exigem mais protagonismo na edição deste ano.
A inauguração do escritório operativo da Marcha aconteceu em Brasília, em novembro do ano passado. Desde então, movimentos de mulheres negras têm se organizado em encontros regionais preparatórios.
Vinólia Andrade, representante do Comitê Nacional da Marcha, fez um apelo às ministras presentes no encontro desta terça (25) para garantir a segurança das mulheres negras que virão de todo o país para o mobilização de novembro. “Nós estaremos aqui buscando os nossos direitos. E a gente conta com todas vocês. Precisamos nos somar para levantar e dizer: estamos em marcha no Brasil que precisa mudar”, afirmou.
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que a Marcha das Mulheres Negras e a V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que acontece em setembro, são os dois eventos mais importantes para a pasta neste ano. “Nós precisamos fazer com que a marcha balance as estruturas, o cenário político na localidade, no quilombo, no município, no estado e que faça tremer o Brasil”, projetou.
“A marcha vem num momento muito forte. As mulheres negras [estarão] em Brasília marchando num momento em que a direita se coloca ostensivamente contra todos os nossos direitos, nossos corpos e nossas vozes”, avaliou a ministra, relembrando casos de violência política de gênero e de lideranças quilombolas que morreram na luta em defesa de seus territórios, como Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, assassinada no quilombo Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho (BA), em agosto de 2023.

A retomada do Programa de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, anunciada no final do ano passado, também foi destacada como uma das pautas prioritárias das mulheres quilombolas, que sofrem ameaças constantes.
“É um programa muito importante, mas ainda tem que avançar muito”, afirmou a ministra dos Direitos Humanos, pasta responsável pela execução do programa, em parceria com os estados. Segundo Evaristo, boa parte dos estados “se omite” e “não se responsabiliza” pela proteção. “Por mais que o programa se efetive, em muitos casos chegamos depois que a violência já aconteceu, que as nossas lideranças já foram assassinadas. Então, precisamos nos antecipar, precisamos ter indicadores e monitoramento dos territórios, e não é possível fazer isso se não tivermos uma rede que atua de maneira articulada”, destacou.
O cenário de desproteção dos defensores de direitos humanos no Brasil coloca o país no ranking dos mais violentos a esses ativistas. Sendo o 2º que mais matou defensores do meio ambiente entre 2021 e 2023, segundo a ONG internacional Global Witness, e o 4º país do mundo em assassinatos de defensores dos direitos humanos, de acordo com relatório anual da Anistia Internacional divulgado em 2023.
A Política Nacional de Cuidados, aprovada no ano passado, também foi uma das pautas levantadas para garantir o bem-viver das mulheres negras. “Cada vez mais a gente adoece, porque toda a tarefa e a agenda do cuidado recai sobre nós [mulheres negras] sem nenhuma valorização”, afirmou Evaristo. As mulheres quilombolas também exigiram a desburocratização do acesso à programas de incentivo à agricultura familiar.
Motivos para marchar
Após reuniões dos grupos de trabalho, na manhã desta terça (25), as mulheres quilombolas sistematizaram as pautas pelas quais marcharão em Brasília no dia 25 de novembro, em Brasília. As reivindicações foram apresentadas às ministras presentes e também à representante do Ministério da Igualdade Racial, Paula Balduíno.
● Pela regularização fundiária e titulação dos territórios quilombolas;
● Por reparação histórica por parte do Estado brasileiro, pelas dores geradas pela escravidão às mulheres quilombolas;
● Pela concretização dos direitos constitucionalmente garantidos, como o acesso à água, à luz, saneamento e condições de permanência no território;
● Pela desburocratização do acesso ao CAF quilombola para a garantia do acesso às políticas públicas do MDA e INCRA;
● Pela Ampliação e democratização do acesso ao CAR Quilombola, garantido pelo Estado brasileiro nos níveis federal, estadual e municipal;
● Pela aplicação, cumprimento e fortalecimento do plano nacional de saúde quilombola, que é um documento de saúde integral e interseccional;
● Pelo reconhecimento e valorização dos saberes ancestrais;
● Pela soberania alimentar e a garantia da participação quilombola nos conselhos de DH no nível federal, estadual e municipal;
● Pela garantia da justiça climática e o combate ao racismo ambiental;
● Pela proteção da vida e dos direitos das quilombolas defensoras de direitos humanos;
● Pelo combate à violência psicológica, física, patrimonial e territorial contra mulheres quilombolas;
● Pela ampliação e democratização do acesso das mulheres quilombolas às políticas públicas;
● Pela garantia do orçamento público para as políticas de geração de renda destinadas às atividades das mulheres quilombolas;
● Ampliação e garantia do acesso à políticas públicas de saúde e pela construção de postos e unidades de saúde nos territórios;
● Pela qualificação das mulheres e o fortalecimento da educação escolar quilombola, além da construção de escolas nos territórios.