Nesta quarta-feira (26), Brasília será palco de um momento histórico na luta por justiça e reparação. O Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça protocolará, junto à Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), um pedido de anistia coletiva para descendentes de perseguidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985).
O requerimento busca o reconhecimento oficial dos impactos da violência estatal não apenas sobre as vítimas diretas, mas também sobre filhos, netos, sobrinhos e enteados daqueles que foram vítimas do regime militar.
A iniciativa é inédita e tem como base relatos diretos de famílias de perseguidos políticos, consolidando uma demanda histórica por justiça de transição. “Esse reconhecimento dos impactos transgeracionais da repressão política transforma nosso entendimento jurídico sobre quem é considerado vítima da ditadura. Não estamos mais falando apenas de quem foi preso ou torturado diretamente, mas também de seus filhos e netos que carregam essas marcas”, observa Bruno Arruda, defensor público federal e coordenador do Observatório Nacional sobre o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça de Transição da Defensoria Pública da União.
Segundo Arruda, a Constituição, ao mencionar os ‘atingidos por atos de exceção’, deve considerar famílias inteiras que tiveram suas vidas destroçadas. “É um passo importante para alinhar o Brasil aos padrões internacionais de direitos humanos”, destaca o defensor.
A solicitação está fundamentada no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, na Lei nº 10.559/2002 e na Portaria nº 177/2023, que estabelece a possibilidade de anistia para grupos atingidos por atos de exceção de motivação política. O pedido reforça o compromisso constitucional e internacional do Estado brasileiro com a reparação integral das vítimas de graves violações de direitos humanos.
Impactos da ditadura sobre as gerações seguintes
Uma das integrantes do Coletivo Camila Bianchi, conta que o pedido foi elaborado de forma conjunta, com a participação de familiares de perseguidos políticos – presos, exilados, torturados e aqueles que viveram na clandestinidade. “A metodologia envolveu um formulário para reunir relatos, consultas a especialistas em direitos humanos, psiquiatria e psicologia social, além de pesquisas aprofundadas sobre os efeitos transgeracionais da repressão”.
Segundo Bianchi, os depoimentos reunidos no documento evidenciam as sequelas geracionais da repressão política: separação forçada de familiares, trauma psicológico, perda de direitos civis, vigilância constante e dificuldades de reinserção social e profissional. O pedido de anistia coletiva reivindica não apenas o reconhecimento oficial desses impactos, mas também a adoção de medidas reparatórias, como acesso facilitado a serviços de saúde mental e revisão de registros de perseguidos políticos.
De acordo com Kenia Maia, integrante do Coletivo, a organização surgiu em 2014, a partir das audiências da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. “Essa audiência foi específica para a construção da verdade dos casos de filhos e netos. E durante essa audiência da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro foi levantada a possibilidade de uma medida reparatória para esse grupo. Então, o próprio Coletivo é uma medida reparatória”, explica Maia.
Desde então, a organização tem ampliado sua atuação, acolhendo filhos e netos em diversas partes do Brasil e no exterior, promovendo ações em defesa dos direitos humanos e da democracia.
Pedido por reparação
Com a entrega do documento para a Comissão de Anistia do MDHC, as famílias esperam conseguir a reparação do Estado. “A principal expectativa é que o Estado brasileiro reconheça sua responsabilidade e peça perdão oficial às famílias afetadas. Além disso, pretende incidir politicamente no Legislativo e no Judiciário, bem como junto à sociedade, para garantir medidas efetivas de memória, verdade, justiça e reparação”, diz Camila Bianchi.
O ato de protocolo acontecerá às 13h, na Sala de Reuniões Plenária da Comissão de Anistia, no Edifício Multibrasil, e contará com a presença das responsáveis pela sistematização do pedido, além de familiares de perseguidos políticos, como, o filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente Goulart.
“Esperamos dar voz e vez a essas histórias silenciadas por mais de 50 anos”, destaca Camila Bianchi.