Danielle Morais, 28 anos, morreu nesta terça-feira (25), 25 dias após perder seu bebê durante o parto no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea). O caso está sendo investigado pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) como possível crime obstétrico, após denúncias de negligência médica.
O bebê Davi Elô não resistiu após o parto, e Danielle teve o útero removido devido a complicações. A família acusa a equipe médica de administrar uma superdosagem de medicamentos para indução do trabalho de parto, o que teria levado às graves consequências. Após 12 dias internada, Danielle recebeu alta, mas faleceu horas depois, com suspeita de AVC hemorrágico.

“No início de março, mês das mulheres, recebemos a notícia da violência obstétrica que Dani sofreu. Fechamos o mês com a notícia da sua partida precoce. Dani poderia estar agora com Davi em seus braços, com as preocupações de uma mãe de primeira viagem que sonhava em maternar. Enterramos Davi e hoje, com uma tristeza tão profunda e incredulidade, organizamos o sepultamento de Dani. Dani acreditava no SUS e lutava por ele. Morreu por negligência e descaso de uma equipe de saúde do SUS que fez o oposto do que essa política preconiza. A dor é irreparável. Duas mortes evitáveis. A nós que ficamos, resta continuar a clamar e lutar por justiça para Davi e por Danielle. Para que nunca mais se repita”, Janine Oliveira, amiga de Danielle, assistente social e integrante da Frente Paraibana pela Legalização do Aborto.
Outro caso, ocorrido no dia anterior
Uma outra jovem, Ruth Iaponira da Silva Maia, 17 anos, morreu nesta segunda-feira (24) após complicações em um parto forçado na Maternidade Frei Damião, em João Pessoa. Moradora do Acampamento Arcanjo Belarmino, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Pedras de Fogo (PB), a jovem enfrentou uma semana de peregrinação por hospitais da região antes de ser atendida.
Segundo relatos de familiares, Ruth começou a sentir os sinais do trabalho de parto há mais de sete dias, mas não recebeu assistência adequada nos primeiros locais onde buscou ajuda. O caso está sendo investigado para apurar possíveis negligências no atendimento obstétrico.
“A morte de Ruth Iaponira, de 17 anos, expõe a gravidade da mortalidade materna no país. Somente em março, este já é o segundo óbito registrado na Paraíba por complicações evitáveis no parto, levantando críticas sobre falhas na assistência obstétrica”, comenta Rafaela Martins, doula e ativista do movimento de mulheres.
Protestos e indignação
Na última sexta-feira (14/03), coletivos feministas e movimentos sociais realizaram um ato em frente ao Isea, carregando velas e flores em memória de Davi e exigindo justiça para Danielle. “Isso não é um incidente isolado, é fruto do descaso com a saúde das mulheres pobres”, afirmou Rafaela Martins, doula e ativista.
A diretora do Instituto, Suelen Clementino, gerou revolta ao afirmar que a ruptura uterina “poderia ter acontecido em qualquer hospital”. A declaração foi repudiada por defensoras dos direitos das mulheres, que apontam a fala como tentativa de naturalizar a violência obstétrica.
Lei ignorada
O caso viola a Lei Estadual 11.329/2019, de autoria da deputada Cida Ramos (PT), que proíbe práticas como intervenções sem consentimento e negligência no atendimento a gestantes. O MPPB já determinou sindicâncias no CRM e no Coren, enquanto a prefeitura de Campina Grande afastou os profissionais envolvidos – medida considerada insuficiente pelos familiares.
Enquanto isso, dados do Ministério da Saúde indicam que 45% das mulheres brasileiras relatam terem sofrido violência obstétrica, com subnotificação em estados do Nordeste.
Para Janine Oliveira, da Frente Paraibana pela Legalização do Aborto, “Danielle é mais uma vítima de um sistema que trata mulheres negras e periféricas como descartáveis”.
A Prefeitura de Campina Grande prometeu esclarecimentos em coletiva nesta quarta (26). Enquanto isso, a família aguarda laudos médicos e a conclusão das investigações. “Não vamos deixar que Davi e Danielle sejam só números”, disse o marido de Danielle em rede social.
“A morte dessas duas mulheres revela que a violência obstétrica é tão grave e sistêmica em nossa sociedade quanto o feminicídio. Trata-se de uma violência institucional, praticada pelo sistema de saúde e por profissionais negligentes que enxergam nas mulheres – especialmente jovens, negras e camponesas – pessoas cujo sofrimento pode ser ignorado”, arremata Rafaela Martins.